Quase dois terços das mães portuguesas amamentam em exclusivo até aos três meses
Em duas décadas, a amamentação em exclusivo até aos três e quatro meses quase duplicou. As acções de promoção e as licenças parentais mais longas e flexíveis estão na base desta evolução, explica Isabel Loureiro, especialista em saúde pública.
Nas últimas duas décadas, quase duplicou a percentagem de mulheres que amamentam em exclusivo até aos três e quatro meses de vida dos filhos, segundo um estudo preliminar feito pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e pela Escola Nacional de Saúde Pública.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Nas últimas duas décadas, quase duplicou a percentagem de mulheres que amamentam em exclusivo até aos três e quatro meses de vida dos filhos, segundo um estudo preliminar feito pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e pela Escola Nacional de Saúde Pública.
A análise agora divulgada foi feita com uma amostra de 5912 mulheres com idades entre os 15 e os 55 anos. Em estudo estiveram as últimas duas décadas, tendo como base quatro Inquéritos Nacionais de Saúde — 1995/96, 1998/99, 2005/06 e 2014.
Em 2014, 60% das mulheres residentes no continente amamentavam em exclusivo pelo menos até aos três meses, ou seja, garantiam ao seu bebé uma alimentação apenas com leite materno. Em 1995/96 faziam-no cerca de 35% das mães.
Quando se fala das mães que amamentavam em exclusivo até aos quatro meses, a percentagem passou no continente de cerca de um quarto em 1995/96 para mais de 50% em 2014. Os dados relativos a todo o país, incluindo ilhas, que o INSA apresenta começam apenas em 2005/06. Nessa altura cerca de 41% das mães amamentava em exclusivo até ao quarto mês, percentagem que subiu para quase 49% em 2015.
Bebés Nestlé
A evolução das últimas décadas é ditada pela “grande mudança” dos anos 1995 e 1996, explica Isabel Loureiro, especialista em saúde pública e uma das autoras do estudo. Portugal criou, em 1994, a Iniciativa Hospital Amigo dos Bebés a partir de um programa da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da UNICEF e começou a formar os primeiros especialistas em aleitamento materno que, por sua vez, iniciaram formações em hospitais. “Começou aí o esforço de consciencialização da necessidade de manter o bebé ao lado da mãe a seguir ao parto e de promover a amamentação para além dos primeiros dias de vida.”
“Gerou-se uma onda de entusiasmo”, descreve, que cortou com as décadas anteriores em que “as pessoas defendiam que o bebé devia ser gordinho — era o bebé Nestlé — e em que se acreditou que o leite artificial seria melhor que o materno.” “É impossível que o leite produzido artificialmente se aproxime em nutrientes e sabor ao leite materno”, diz a professora catedrática da Escola Nacional de Saúde Pública, também colaboradora no site amamentar.info. Esta “onda” culminou com alterações legislativas à licença parental, que vai agora de 120 a 180 dias e pode ser partilhada pelo pai e mãe, depois de esta cumprir seis semanas de licença após o parto.
Longe da meta
Isabel Loureiro acredita que o país “está agora no bom caminho”, apesar de estar ainda longe da meta da OMS que recomenda que os bebés sejam amamentados em exclusivo até aos seis meses e que a introdução de alimentação variada ocorra após esse período. Para isso, a especialista sai em defesa de uma “política oficial de promoção do aleitamento materno”, que esclareça quais as melhores práticas alimentares até aos dois anos de vida e promova a formação dos profissionais que tomam conta das crianças.
“Até aqui, tudo o que fazemos é voluntário”, sublinha Isabel Loureiro. E pede uma “vigilância maior do cumprimento da lei”. “Ainda há muitas empresas com visão curta”, explica, “que trabalham com horários restritos e obrigam as mulheres a adiarem ou não amamentarem de todo”. Não são necessárias mudanças legislativas, entende, porque “a lei já proporciona boas condições relativamente à licença parental, mas é importante que seja cumprida”.
A especialista em saúde pública acredita que uma maior promoção permitiria também mobilizar os pediatras que, “muitas vezes, incentivam demasiado cedo a introdução da alimentação variada”, o que faz com que as mães abandonem “cedo demais” a amamentação em exclusivo.
Neste momento há em Portugal 15 hospitais certificados “Amigos dos Bebés” e um agrupamento de centros de saúde (ACES), o de Oeiras. A expectativa é alargar a iniciativa a empresas e locais de lazer “para que também promovam o aleitamento materno”. Como o podem fazer? “Tendo um cantinho sossegado para amamentar. Oferecendo um sítio onde se possa guardar o leite que seja extraído da mama, se for necessário. E, essencialmente, que seja um local com profissionais formados para esta questão”. O objectivo último, acrescenta Isabel Loureiro, é alargar a norma a todos os espaços de uso público e ter “uma sociedade amiga dos bebés”.