Direita – essa palavra maldita
Basta ler três dias de opiniões de militantes do PSD para percebermos que António Costa já ganhou o próximo congresso dos sociais-democratas.
É absurdo o número de pessoas que nos últimos dias afirmaram que o grande erro político do PSD durante a liderança de Passos Coelho foi ter-se assumido como um partido de direita. Que isto fosse dito em 1974, eu percebo. O país estava a sair de 40 anos de uma ditadura de direita e até o CDS teve de se chamar Partido do Centro Democrático Social. Agora, que isto continue a ser dito em 2017 é francamente deprimente. Pior: não é deprimente por ser mentira. É deprimente por ser verdade.
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É absurdo o número de pessoas que nos últimos dias afirmaram que o grande erro político do PSD durante a liderança de Passos Coelho foi ter-se assumido como um partido de direita. Que isto fosse dito em 1974, eu percebo. O país estava a sair de 40 anos de uma ditadura de direita e até o CDS teve de se chamar Partido do Centro Democrático Social. Agora, que isto continue a ser dito em 2017 é francamente deprimente. Pior: não é deprimente por ser mentira. É deprimente por ser verdade.
A estrondosa derrota do PSD deu origem a muitos e pouco variados artigos existencialistas sobre a essência da social-democracia portuguesa. As hostilidades foram abertas ainda na noite das eleições por Manuela Ferreira Leite, que declarou sentir-se “chocada” com o “rótulo de direita” que nos últimos anos quiseram colar ao partido. José Pacheco Pereira, num texto intitulado “A doença que está a encolher o PSD”, escreveu que historicamente o partido “estava mais à esquerda, oscilava para o centro e para a direita, mas nunca, jamais, em tempo algum, se definiu como partido de direita”. Pedro Duarte, num artigo muito chatinho a que chamou “Ser social-democrata em 2017”, em vez de “Ser comunista em 1917”, acusou o PSD de Passos Coelho de impor “obsessivamente” um “dogmatismo financista e neoliberal”, inspirado certamente no último discurso de Jerónimo de Sousa na festa do Avante.
E se acaso pensam que isto são só exemplos retirados da ala mais à esquerda do PSD, pensem outra vez. O próprio Paulo Rangel, que supostamente pertence à ala direita (cruzes credo), decidiu escrever um texto programático nas páginas do PÚBLICO (“PSD: o partido em que eu acredito”) onde afirma, como quem espalha dentes de alho para afugentar vampiros, que “o PSD é pela liberdade, mas não é liberal, é, modelando as palavras, liberalizador”. Nem uma só vez a palavra “direita” é referida no texto, e “liberal” é aceite somente com açaime. O “modelo do PSD”, segundo Rangel, é a “democracia liberal”, mas liberal (cruzes credo) o PSD não é.
Basta ler três dias de opiniões de militantes do PSD para percebermos que António Costa já ganhou o próximo congresso dos sociais-democratas. As palavras que Passos Coelho antes usava agora queimam: “direita”, nunca mais; “liberal”, só em doses homeopáticas. Há dois anos escrevi um artigo chamado “A realidade é de direita”, querendo com isso dizer que não havia alternativa ao ajustamento imposto pelas regras europeias. Continuo a pensar o mesmo, e António Costa jamais caiu na esparrela de virar as costas a Bruxelas. Mas se a realidade é de direita, o sistema político português é de esquerda desde 1974. A direita está condenada a mandar no país apenas em tempos de vacas esqueléticas, e sempre com extrema dificuldade (veja-se a jurisprudência do Tribunal Constitucional). Ao primeiro vestígio de gordura na vaca, das duas, uma: ou o PSD não governa, ou governa à esquerda.
Pergunto: será que ninguém repara que um sistema em que os dois grandes partidos balançam entre esquerda e centro, podendo apenas ir ao centro-direita em momentos de loucura ou falência, jamais poderá ser considerado um sistema político funcional? Se Ferreira Leite e Pacheco Pereira tiverem razão, como é bem possível que tenham, estamos condenados a isto: viver num duopólio do centro-esquerda, onde apenas podemos optar entre o António Costa cor-de-rosa e o António Costa cor-de-laranja. De 1975 a 2011 foi assim. De 2015 a 2051 é capaz de também vir a ser.