A que sabe o amor?
O baloiço rangia há 30 anos e hoje continua igual. Um tetris, os golos do Romário e uma gasosa com groselha no café do meu Avô. Os jogos sem fronteiras quando nos podíamos deitar tarde e um beijo antes de nos aconchegarem os lençóis
Ouvi um “Bom dia…”, cheirou-me a torradas e a laranjas frescas, ouvi água a ferver e pareceu-me ser da chaleira de café ao lume. Abria os olhos ao mesmo tempo que o sol me encadeava, porque entrava pelos cortinados amarelos e, enquanto coçava os olhos e fui interrompido por um beijo na face, arrepiei-me, quis passar naquele instante os meus dedos pelos cabelos dela, tocar-lhe, senti-la. Um minuto depois sentei-me ao seu lado na mesa que dá para o quintal e bebemos café com torradas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ouvi um “Bom dia…”, cheirou-me a torradas e a laranjas frescas, ouvi água a ferver e pareceu-me ser da chaleira de café ao lume. Abria os olhos ao mesmo tempo que o sol me encadeava, porque entrava pelos cortinados amarelos e, enquanto coçava os olhos e fui interrompido por um beijo na face, arrepiei-me, quis passar naquele instante os meus dedos pelos cabelos dela, tocar-lhe, senti-la. Um minuto depois sentei-me ao seu lado na mesa que dá para o quintal e bebemos café com torradas.
Era paixão. Não tenho dúvidas de que os cinco sentidos, os cheiros, as cores e os sentimentos estão interligados sem que nos apercebamos. Porque é intrínseco, são extensões uns dos outros. Porque se vivem e se sentem, nem sequer se explicam.
A paixão cheira a torradas; porque começa logo de manhã e estende-se interminavelmente. É amarela como os raios intensos do primeiro sol do dia e vê-se pela luz que vive em uníssono com as pálpebras. A paixão ouve-se na chaleira do café ao lume e termina num toque desenfriado que começa e termina na intensidade.
Chegaram tarde, mesmo assim começámos a rir. Demos um abraço dos que nunca desaprendemos. Fomos todos buscar uma rodada ao frigorifico da Rita, contámos histórias até de manhã, quando ouvimos a campainha era o vizinho a avisar-nos que já eram 5 horas da manhã. Ainda fumámos uma como antigamente e de repente ficou tudo sépia. Aquelas memórias trouxeram-nos saudades como há muito tempo não sentíamos e repetimos os mesmo abraços antes de ir embora.
É amizade. Começa sempre e termina num abraço, a amizade são gargalhadas que se ouvem sem limites de decibéis ou está na campainha de um vizinho, é sépia porque “fica sempre bem”. Sabe a uma rodada de qualquer coisa, pelo menos, e vê-se na expressão de cada rosto que se abre para mais uma história que ousamos repetir sempre que nos encontramos.
Estava calor, mas mesmo assim os corpos mantinham-se entrelaçados, os lábios sentiam-lhe amiúde a pele que saíra da água minutos antes. O sal não lhe retirou aquele cheiro que sempre foi dela, nunca percebi se é avelã ou baunilha, mas é bom. O sol punha-se lá ao fundo e deixava os tons quentes de um final de tarde bonito.
O desejo sempre será salgado, e reveste-se de calor seja ele pelo sol ou pela junção dos corpos imbuídos de prazer numa paleta de tons quentes onde a visão é o que menos importa porque se deseja melhor de olhos fechados. A imaginação tem no desejo um poder desmedido. O desejo é um sussurro ou vários. E cheira sempre a baunilha, quando acaba a amora.
Costuma esperar por ele ainda no pátio, quando o vê corre apressadamente e atira-se para o seu colo. Passam sempre por uma gelataria antes de irem para casa e todos os dias compram uma rosa para lhe dar. É um arco-íris de sentimentos quando se reúnem os três à mesa para comerem bacalhau à brás, porque é a comida preferida dos dois homens da casa.
É o amor. Que não tem cor porque são todas, que cheira a todas as flores de um jardim e sabe ao melhor refogado das Mães ou a um gelado da feira… e completa-se no abraço ao Pai ou no colo da Mãe e nas vozes de ambos. A família é das poucas garantias que temos na vida, porque na ausência de tudo é sempre do fundo de um pátio qualquer pela vida fora que nos abrimos de felicidade e nos sentimos protegidos quando olhamos de soslaio e lá vêm eles, cedo como de costume.
O baloiço rangia há 30 anos e hoje continua igual. Um tetris, os golos do Romário e uma gasosa com groselha no café do meu Avô. Os jogos sem fronteiras quando nos podíamos deitar tarde e um beijo antes de nos aconchegarem os lençóis.
É saudade, porque a infância é saudade.
Nunca sentimos a mais ou a menos, será sempre com a cor certa, o cheiro no lugar do coração ou vice versa. O olfacto para lá dos cheiros, com a visão da alma ou dos sonhos, o paladar das mãos, a audição das papilas gustativas e o tacto de músicas feitas com as melhores claves de sol; ou então tudo ao contrário. Porque se trocam sempre as voltas quando sentimos a sério, por cada vez que avançamos e recuamos no tempo e na vida.
Mas para se sentir? É sempre a cores e com os cinco sentidos.