Turquia e Irão ameaçam ser mais duros com curdos
Há cooperação entre Ancara, Teerão e Bagdad na reacção ao referendo curdo. Mas também sinais de que a tensão pode dissipar-se.
O referendo à independência dos curdos do Norte do Iraque levou a um frenesim de ameaças e acções punitivas do Iraque e dos seus vizinhos, Turquia e Irão, com o Presidente truco, Recep Tayyip Erdogan, a visitar Teerão para assegurar cooperação entre os dois países.
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O referendo à independência dos curdos do Norte do Iraque levou a um frenesim de ameaças e acções punitivas do Iraque e dos seus vizinhos, Turquia e Irão, com o Presidente truco, Recep Tayyip Erdogan, a visitar Teerão para assegurar cooperação entre os dois países.
“Este tipo de desenvolvimento vai isolar o governo regional curdo", declarou Erdogan numa conferência d eimprensa conjunta com o seu homólogo iraniano, Hassan Rohani. "Turquia, Irão e Iraque não têm outra opção que não levar a cabo medidas graves e necessárias para proteger os seus objectivos estratégicos na região", declarou Rouhani, sentenciando: "Não vamos aceitar mudanças de fronteiras na região."
Turquia e Irão temem desestabilização por via das suas minorias curdas; na Síria qualquer mudança poderia afectar um futuro acordo de paz.
Erdogan, cuja Turquia é essencial para os curdos iraquianos fazerem passar o seu petróleo para o vender, ameaçou com um bloqueio, o que privaria os curdos de uma importante fonte de financiamento. Tropas turcas e iranianas juntaram-se na fronteira para exercícios militares; o Iraque enviou guardas fronteiriços pela primeira vez desde 1990.
As palavras têm sido duras. Em Lisboa, o encarregado de negócios da embaixada do Iraque, Ahmed Hussein Al Jaberi, convocou jornalistas para falar do referendo, sublinhando que esta consulta, não reconhecida pelas Nações Unidas, nem pelos EUA, nem pelos vizinhos, “é um perigo para o Iraque e para a região”.
Entre os vários efeitos poderia estar o dificultar da luta contra o Daesh, que apesar de ter sido derrotado nos seus bastiões do Iraque (Mossul) e na Síria (Raqqa), continua a ter território.
O Iraque levou já a cabo algumas medidas de pressão sobre os curdos após o referendo da semana passada, cujo resultado foi de quase 92% a favor da independência, e o responsável da embaixada diz que “claro que haverá mais medidas”, que serão “tomadas conforme a necessidade”. Bagdad está ainda em contacto com Teerão e Ancara para a adopção de futuras medidas, declarou Jaberi aos jornalistas. O mesmo disse Erdogan em Teerão: "Ainda há passos mais pesados que podemos tomar."
Até agora, Bagdad impediu voos internacionais para os aeroportos do Curdistão iraquiano e cortou transacções financeiras entre o banco central e os bancos curdos, especialmente de moeda estrangeira. Mas nesta quarta-feira aliviou as restrições, diz a agência Reuters.
Os curdos, que marcaram eleições para 1 de Novembro – para um presidente e um parlamento regionais – quiseram capitalizar com o seu papel na luta contra o Daesh. Mas nem os EUA, que consideram os curdos aliados fiáveis numa região em ebulição, deram apoio ao referendo ou à ideia de independência.
Para já, nota uma análise do diário norte-americano The New York Times, os dois lados – curdos iraquianos e governo do Iraque – parecem ter marcado a sua posição. “Ambos parecem dispostos a recuar do precipício”, diz o jornal.
A liderança curda não deu qualquer passo para declarar a independência após o resultado do referendo, e apresenta as próximas eleições como regionais (o território tem já um grau de autonomia substancial). As medidas iraquianas de pressão tiveram alguns efeitos, mas não são extraordinárias.
As ameaças de intervenção não se concretizaram, e nenhum dos lados parece querer transformar este momento numa crise. Ambos terão razões para beneficiar de discurso duro – do lado curdo, Massoud Barzani é acusado pelos críticos de querer afastar as atenções da situação económica da região, enquanto o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, terá agido com força para aplacar uma facção xiita que quer uma resposta forte à provocação curda, diz o New York Times. Em Lisboa, o responsável da embaixada sublinha que o corte de transacções entre o banco central iraquiano e os bancos curdos foi decretado pelo Parlamento.
O analista Joost Hiltermann, do International Crisis Group, nota que nenhum dos lados quer um confronto. “Se houver uma escalada, será por causa de uma dinâmica particular que evolua”, disse ao jornal norte-americano. “Não acho que estejamos sequer perto desse ponto.”
Mesmo entre os curdos, apesar do resultado da votação, o apoio não é unânime. Jalal Talabani, o histórico líder curdo pró-independência, que morreu na terça-feira, tinha dado um apoio tépido a esta iniciativa.