Líder catalão pede diálogo, Governo de Madrid exige legalidade

Mediação é uma palavra que se ouvirá bastante nos próximos dias. Pelo menos até segunda-feira, data da próxima sessão plenária do parlamento catalão em que muitos esperam ouvir uma declaração de independência.

Foto
Reuters

Exactamente 24 horas depois da mensagem do rei Felipe VI aos espanhóis, o presidente da Generalitat fez uma intervenção em que criticou o monarca e voltou a pedir mediação, sem deixar de afirmar que hoje os catalães “estão mais perto” do seu “compromisso histórico”. Antes, a maioria independentista no parlamento catalão marcara para segunda-feira a sessão plenária onde se espera que seja declarada a independência.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Exactamente 24 horas depois da mensagem do rei Felipe VI aos espanhóis, o presidente da Generalitat fez uma intervenção em que criticou o monarca e voltou a pedir mediação, sem deixar de afirmar que hoje os catalães “estão mais perto” do seu “compromisso histórico”. Antes, a maioria independentista no parlamento catalão marcara para segunda-feira a sessão plenária onde se espera que seja declarada a independência.

A reacção do Governo central à intervenção de Carles Puigdemont foi quase imediata, mas a vice-presidente, Soraya Sáenz de Santamaría, limitou-se a repetir que Madrid lhe exige “que respeite Espanha” e que “fora da lei não há democracia”. “Cada mensagem do senhor Puigdemont é um desassossego e uma viagem a lado nenhum”, disse Sáenz de Santamaría, com alguns analistas a sugerirem que parecia nem ter ouvido o líder catalão e que podia estar a reagir a qualquer das suas intervenções anteriores.

Numa mensagem em tom muito tranquilo, Puigdemont saltou do catalão para o castelhano para dizer: “[Agradeço] aos cidadãos espanhóis que por estes dias expressaram o seu compromisso com os pedidos dos catalães, cidadãos que nos enviaram a sua amizade e uma solidariedade muito valiosa nos momentos que atravessamos.”

As palavras mais duras do líder catalão foram destinadas ao rei, que acusa de ter “desiludido muitos catalães”, perdido “uma oportunidade para se dirigir a todos os cidadãos” e de “preparar caminho às decisões que o Governo espanhol quer aplicar”. “Assim, não”, disse, dirigindo-se ao monarca. “Esperávamos um apelo ao diálogo e ao entendimento”, afirmou, em contraste total com o tom duro do rei, que acusou a Generalitat de “deslealdade” e, sem falar de violência ou feridos, defendeu que é a “responsabilidade dos legítimos poderes do Estado assegurar a ordem”.

Insistindo que os catalães continuarão a recusar “todas as provocações e tentativas de violência”, Puigdemont também disse que o seu “governo não se desviará do compromisso de paz e serenidade, mas também firmeza”.

“Este momento pede mediação”, sublinhou, dois dias depois de ter feito um apelo à União Europeia no mesmo sentido. Durante toda esta quarta-feira foram surgindo propostas de mediação, desde aquela que fez o Podemos, de Pablo Iglesias, à da nova Comissão Independente para a Mediação, o Diálogo e a Conciliação, uma iniciativa da Ordem dos Advogados de Barcelona que conta com o apoio de sindicatos, universidades e até do FC Barcelona.

Também se colocou a hipótese de um papel para a Igreja. Soube-se que o vice-presidente catalão, Oriol Junqueras, terá pedido isso mesmo ao arcebispo de Barcelona, Joan Josep Omella, e ao abade de Montserrat, Josep Maria Soler. Antes, confirmou entretanto a Moncloa, já Mariano Rajoy se encontrara com Omella e com o arcebispo de Madrid, Carlos Osoro.

Iglesias e a Igreja

Omella descreveu como “deplorável” a “situação de violência” que a Catalunha viveu no domingo, com os mais de 800 feridos resultantes das intervenções policiais nas escolas que funcionavam como assembleias de voto num referendo sobre a independência declarado ilegal por Madrid e pela Justiça. Antes da consulta, e face ao envio de reforços da polícia para a Catalunha e à detenção de vários funcionários da Generalitat, já mais de 300 padres tinham assinado um manifesto onde defendiam o referendo como “legítimo e necessário”.

Rajoy recusa para já qualquer tipo de mediação, considerando que aceitar dialogar é “ceder à chantagem” catalã. Pelo contrário, o partido de Puigdemont, o PDeCAT (Partido Democrata Europeu Catalão que integra com a Esquerda Republica da Catalunha a coligação Juntos pelo Sim), reconheceu que a proposta do Podemos, apresentada no Congresso, poderia “abrir um novo cenário”. “Pode ser qualquer pessoa ou instituição”, dizem, vendo aqui uma saída para “diminuir as tensões”.

Certo é que segunda-feira, dia 9 de Outubro, Puigdemont irá ao parlamento catalão e falará no plenário marcado pela sua coligação e pelos deputados da CUP (Candidatura de Unidade Popular). A CUP conta que nessa sessão seja “declarada a independência e a república catalã”, enquanto Puigdemont e o seu PDeCAT esperam por um milagre que lhes permita uma declaração diferente, que reconheça os resultados do referendo (90% dos mais de 2 milhões de catalães que votaram disseram “sim” à independência) mas abra um período de conversações.

Entre quinta e segunda-feira pode acontecer o tal milagre, mas também é possível que apenas se sucedam acontecimentos que contribuam para um aumento da tensão e um agravamento do conflito que se vive em Espanha.

Insurreição e protesto

Sexta-feira será dia do chefe dos Mossos d’Esquadra, da sua intendente e dos presidentes da Associação Nacional Catalã e da Òmnium Cultural (organizações que promovem o independentismo) responderem em tribunal por “insurreição” – a acusação refere-se à manifestação de 20 de Setembro, quando membros da Guardia Civil estiveram horas sem conseguir sair do Departamento da Economia da Generalitat por causa da multidão na rua. Acabaram por sair com agentes dos Mossos a protegê-los.

Para domingo está marcada em Barcelona uma nova manifestação. A convocatória é da Sociedade Civil Catalã, associação criada em 2014, a tempo do referendo consultivo promovido pelo então presidente catalão Artur Mas, pela ANC e pela Òmnium, e que se afirma contra o independentismo e a favor de uma melhoria das relações com Espanha.

O Partido Popular catalão juntou-se à chamada e pede a “todos os que se sintam catalães e espanhóis” para “saírem à rua de forma maciça”. O mesmo fez o Cidadãos, partido nascido na Catalunha para combater o independentismo e que hoje apoia o Governo de Madrid no Congresso. “Pedimos ao Governo de Rajoy que não tenha mais dúvidas e aplique o artigo 155”, suspendendo assim a autonomia catalã, defendeu ainda Carlos Carrizosa, porta-voz do C’s no parlamento catalão.

Entretanto, vão chegar à Catalunha comboios do Exército para dar apoio logístico aos polícias enviados por Madrid. Unidades antimotim e da polícia de choque da Polícia Nacional e da Guardia Civil, as mesmas que se envolveram na violência de domingo e que Puigdemont já exigiu que saiam da Catalunha. Entretanto, pode mesmo acontecer quase tudo.