Carta aberta ao ministro da Cultura

A situação em que se encontra o acervo de arqueologia subaquática do CNANS é um recuo sem precedentes na história recente das políticas patrimoniais em Portugal.

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Miguel Manso

Exmo. Senhor Ministro, Sua Excelência,

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Exmo. Senhor Ministro, Sua Excelência,

As recentes notícias sobre o início de obras no armazém onde está instalado o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), antes da transferência dos materiais arqueológicos provenientes de todo o país à guarda da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para outro espaço, é a confirmação da degradação da capacidade de gestão do património arqueológico subaquático do Estado português. 

Fundado em 1996, na sequência da criação do Instituto Português de Arqueologia (IPA), o CNANS teve um papel incontornável na protecção do património arqueológico náutico e subaquático, implementando medidas de salvaguarda, nomeadamente no decorrer de obras de construção civil com necessidades específicas próprias do meio aquático, fomentando a investigação e a formação prática e académica de novos profissionais. Este papel preponderante, reconhecido a nível internacional, culminaria na participação na preparação da Convenção da UNESCO para a protecção do património cultural subaquático, ratificada por Portugal em 2006.

Esta situação viria a ser alterada gradualmente a partir da extinção do IPA, apesar da orgânica da DGPC/CNANS manter, entre outras funções, “a salvaguarda e valorização dos bens arqueológicos náuticos e subaquáticos, móveis e imóveis classificados ou em via de classificação, bem como os não classificados situados ou não em reservas arqueológicas de protecção”, assim como o “tratamento de bens arqueológicos móveis provenientes de meio aquático e húmido — Laboratório de Conservação e Restauro”. Refira-se, por exemplo, que de uma equipa interdisciplinar composta por cerca de 25 elementos, em 2004, o CNANS passou actualmente a apenas quatro elementos (um arqueólogo, dois técnicos de arqueologia e um conservador-restaurador).

Este esvaziamento da capacidade do Estado é ainda mais gravoso porque não foi colmatado pela sociedade civil. Nas autarquias a arqueologia subaquática não tem representação, nas universidades a oferta formativa é escassa, nas empresas os quadros técnicos especializados são praticamente inexistentes e todas estas instituições não possuem os meios técnicos adequados à realização das tarefas mais simples ou complexas de uma intervenção em ambiente subaquático. Este panorama contrasta com os desafios cada vez maiores que se colocam à sociedade portuguesa devido ao desenvolvimento de projectos de requalificação urbana das frentes ribeirinhas e costeiras, de obras portuárias ou da exploração de recursos minerais ao largo da costa, particularmente intensos nos últimos anos, em áreas extremamente sensíveis do ponto de vista arqueológico.

A situação em que se encontra o acervo de arqueologia subaquática do CNANS nas instalações do MARL contraria o estipulado na Convenção da UNESCO e corresponde a um recuo sem precedentes na história recente das políticas patrimoniais em Portugal. Assim, a presente exposição pretende manifestar, por parte dos seus subscritores, profissionais e investigadores da área, a perplexidade pela situação actual e alertar para a sua resolução urgente, relembrando que os impactos negativos sobre este património particularmente sensível serão irreversíveis. Não podemos, aliás, deixar de alertar para a necessidade de definição de uma estratégia efectiva por parte do Estado neste domínio da arqueologia subaquática, que o leve a assumir as suas responsabilidades para com o património que tutela e que se encontra à sua guarda, memória expressiva da história e identidade marítima do país. Este plano deverá passar inevitavelmente pela dotação de meios logísticos e técnicos permanentes, que permitam assegurar as funções do Estado a longo prazo, através de um quadro técnico especializado, estável e proporcional à dimensão e especificidade técnico-científica, assegurando uma operacionalidade efectiva na gestão, salvaguarda e divulgação do património arqueológico náutico e subaquático nacional. Pode naturalmente Sua Excelência, Senhor Ministro, contar com a nossa colaboração para a definição dessa estratégia, assim como para a sua implantação, na medida das nossas capacidades e âmbitos de trabalho.

José Bettencourt (arqueólogo, professor convidado de Arqueologia Marítima e Subaquática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; investigador do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Inês Pinto Coelho (arqueóloga, investigadora do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Cristóvão Fonseca (arqueólogo, investigador do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Patrícia Carvalho (arqueóloga, investigadora do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Tiago Silva (arqueólogo, investigador do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Alexandre Monteiro (arqueólogo, Instituto de Arqueologia e Paleociências NOVA/FCSH/Western Australia University)

Gonçalo Lopes (arqueólogo, investigador do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Sónia Bombico (arqueóloga, investigadora do CIDEHUS/UÉvora)

Ana Catarina Garcia (arqueóloga, investigadora do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Filipe Vieira de Castro (Professor, Nautical Archaeology Program, Texas A&M University)

Jorge Freire (arqueólogo, investigador do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Fernando Alexandre Gomes Pereira Brazão (técnico de arqueologia; presidente do CEAM – Centro de Estudos de Arqueologia Moderna e Contemporânea)

Alexandra Figueiredo (arqueóloga, Instituto Politécnico de Tomar, coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Conservação do Património Subaquático – IPT, Centro de Geociências Universidade de Coimbra, FCT)

N'Zinga Oliveira (arqueóloga, assistente em Arqueologia na Faculdade de História Filosofia e Artes da Universidade dos Açores; investigadora do CHAM-FCSH/NOVA

UAç)

Alexandre Sarrazola (arqueólogo)

Tiago Miguel Fraga (arqueólogo, gestor Archaeofactory e investigador CINAV – Escola Naval)

Ivone Magalhães (arqueóloga e museóloga, coordenadora do Serviço do Museu Municipal de Esposende)

Susana Victoria Martínez Martínez (arqueóloga)

André Teixeira (arqueólogo, professor de Arqueologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)

Augusto António Alves Salgado (Oficial da Armada, professor da Escola Naval)

Miguel Aleluia (técnico de arqueologia)

João Carlos Coelho (conservador-restaurador)

Brígida Baptista (arqueóloga, investigadora do CH-FLUL)

Teresa Alves de Freitas (arqueóloga)