Uma “geringonça”, dois caminhos. E isso pode ser um grande problema

A esquerda em geral não perdeu votos nem em relação às autárquicas de 2013 nem às legislativas de 2015. O problema é que agora há uma “geringonça” para gerir e a grande vitória do PS contrasta com a derrota da CDU e com um BE longe dos objectivos. Problemas? Costa recusou responder.

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LUSA/TIAGO PETINGA

A “geringonça” sai tremida das eleições autárquicas de ontem. É verdade que o motor socialista sai “kitado”, muito mais robusto, da eleição, mas já os motores auxiliares da CDU e BE um ficou mais frágil e o outro praticamente na mesma. Com um Orçamento do Estado para negociar e a dois anos das eleições legislativas, a questão que se coloca é se comunistas, bloquistas e Verdes se vão questionar se vale a pena continuar a acelerar para o mesmo lado.

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A “geringonça” sai tremida das eleições autárquicas de ontem. É verdade que o motor socialista sai “kitado”, muito mais robusto, da eleição, mas já os motores auxiliares da CDU e BE um ficou mais frágil e o outro praticamente na mesma. Com um Orçamento do Estado para negociar e a dois anos das eleições legislativas, a questão que se coloca é se comunistas, bloquistas e Verdes se vão questionar se vale a pena continuar a acelerar para o mesmo lado.

Os comentadores socialistas já começaram na noite de ontem a colocar paninhos quentes na situação, alegando que os prejuízos de CDU e BE em nada afectam a coligação parlamentar que sustenta o Governo; que uma coisa não tem nada que ver com a outra. O que se compreende: há muita coisa em jogo num futuro muito próximo e ao PS convém, agora mais que nunca, que tudo continue mais ou menos tranquilo à esquerda, até porque as coisas estão a correr melhor do que muitos socialistas poderiam pensar. O problema é que o que correr mal para os parceiros pode passar a ser também uma preocupação para António Costa.

Questionado na noite de domingo se a derrota da CDU não pode criar problemas na base que sustenta o Governo, António Costa escapou à pergunta indo pela direita, salientando que tinha havido um grande vencedor, o PS, e um grande derrotado, o PSD. Provavelmente para não ferir susceptibilidades, nem referiu as novas câmaras conquistadas ou reconquistadas. Aliás, António Costa fugiu várias vezes ao longo da noite a comentar se os resultados podem causar problemas à “geringonça”.

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PÚBLICO

A nível nacional o PS arrasou, confirmando o título de grande partido autárquico português, conseguido nas eleições locais de 2009 e 2013. O PS fala mesmo num “resultado histórico”. Em relação às últimas autárquicas, os socialistas conseguem mais dois pontos percentuais, mas acima de tudo ganharam mais câmaras e mais freguesias. Além disso, reforçaram posições em muitos dos principais centros urbanos.

Se se olhar para o resultado conseguido pelo PS no domingo junto com o alcançado nas legislativas de 2015, o resultado é ainda mais significativo. Dos 32,31% nas eleições para o Parlamento, o PS passou agora para perto dos 40%. Com mais 5 pontos percentuais daqui a dois anos, os socialistas conseguem a maioria absoluta. 

A CDU teve uma noite autárquica para esquecer. Não que tenha perdido muitos votos, mas perdeu câmaras de peso para os socialistas. No total foram dez autarquias perdidas para o PS. E algumas delas muito importantes, como Beja, Almada, Barreiro, Alcochete, Constância, Castro Verde, Barrancos e Moura. Ainda assim, a CDU consegue resultados importantes em alguns centros urbanos. Comparando com o resultado obtido pela CDU nas legislativas de 2015 (8,25%), o resultado obtido agora é muito semelhante.

O Bloco de Esquerda, por seu lado, consegue mais votos na eleição de domingo a nível nacional, passando de 2,1% para cerca de 3%, mas é preciso lembrar que muitas das candidaturas do Bloco são de parcerias com listas de independentes. Sucesso foi a eleição de Ricardo Robles como vereador em Lisboa — de resto, não há mais vitórias que possam ser cantadas. Contas feitas, o BE continua uma força autárquica de pouco peso, não ganhou nenhuma câmara (ficou muito longe de recuperar Salvaterra de Magos, a sua principal aposta), nem conseguiu rachar nenhuma das maiorias autárquicas que pretendia impedir. Pior, quando se olha para o resultado obtido nas legislativas de 2015 (10.19%) e para o conseguido no domingo, pelo que os motivos de preocupação devem ser ainda maiores.

E juntando as esquerdas? Quando se olha para o resultado conseguido por estas três forças políticas nas autárquicas em 2013 (49,74%) e agora (cerca de 49%), ele é praticamente idêntico, mostrando que a esquerda em conjunto não perdeu votos O mesmo acontece no comparativo legislativas 2015/autárquicas 2017, com as três forças juntas a rondar os 50% dos votos. O problema é agora que o grande pulo ficou a dever-se ao resultado obtido pelo PS.