Quatro curadores nos seus elementos
No Porto, a água, o ar, o fogo e a terra são o mote para uma exposição ambiciosa.
O modo antigo, pré-moderno, de analisar o mundo considerava toda a matéria existente como decorrente do equilíbrio entre os quatro elementos que a constituiriam: a água, o ar, o fogo e a terra. Foi a pensar nesses quatro elementos que o município do Porto endereçou um convite a quatro curadores para que realizassem uma exposição colectiva. Respectivamente, Nuno Faria trabalhou o ar, Pedro Faro o fogo, Eduarda Neves a terra e Ana Luísa Amaral a água. Dizem-nos que a atribuição foi aleatória, “ou talvez não”. O que é verdade é que os resultados são muito diversos, de tal forma que poderemos colocar a hipótese, decerto com grande probabilidade de acertar, que todos os quatro prepararam a sua parte de forma independente dos seus colegas.
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O modo antigo, pré-moderno, de analisar o mundo considerava toda a matéria existente como decorrente do equilíbrio entre os quatro elementos que a constituiriam: a água, o ar, o fogo e a terra. Foi a pensar nesses quatro elementos que o município do Porto endereçou um convite a quatro curadores para que realizassem uma exposição colectiva. Respectivamente, Nuno Faria trabalhou o ar, Pedro Faro o fogo, Eduarda Neves a terra e Ana Luísa Amaral a água. Dizem-nos que a atribuição foi aleatória, “ou talvez não”. O que é verdade é que os resultados são muito diversos, de tal forma que poderemos colocar a hipótese, decerto com grande probabilidade de acertar, que todos os quatro prepararam a sua parte de forma independente dos seus colegas.
Ana Luísa Amaral, por exemplo, em vez de escolher obras de arte para ilustrar o conceito da água, realizou uma selecção de poemas de Sophia de Mello Breyner que podem ser ouvidos em contínuo através de auscultadores dispostos estrategicamente por todo o espaço da Galeria Municipal. Esta opção leva a que se fique com a ideia que esta foi uma espécie de síntese do que se pretenderia em toda a colectiva (tanto mais que a exposição coincide com a feira do livro do Porto, que tem lugar também nos jardins do Palácio de Cristal), facto que não corresponde à verdade; e também que ou os poemas de Sophia podem ser encarados como obra de arte plástica, ou estes Quatro Elementos são uma mostra híbrida de literatura e artes visuais. Vasto tema, como é sabido, que nos levaria a discussões que não têm aqui o seu lugar, e que decerto nem passaram pela mente da curadora, visto que não refere absolutamente nada sobre o assunto no seu pequeno texto de introdução ao trabalho. Menciona, isso sim, o desejo de que, tal como a água que “se ajusta à forma da coisa que a acolhe”, as palavras da poetisa envolverem os objectos que ali encontram.
Nuno Faria trabalhou o ar. E, pensando este elemento, associou-o à aura da obra de arte, esse aqui e agora irrepetível que permite transformar um objecto particular numa obra irreproduzível. Tem uma das participações menos literais das quatro, acolhendo-nos, por exemplo, com uma selecção que caracteriza como “bandeiras ao vento, sementes voadoras, colmeias japonesas ancestrais, instrumentos vernaculares de medição do ar, poeira cósmica, o rosto de Jorge Luís Borges”, na tentativa da caracterização de uma utopia que passa, por exemplo, por peças de Manuel Zimbro, Nicolau da Costa e Mattia Denisse.
Pedro Faro, por seu lado, tem a selecção mais extensa e mais trabalhada de toda a exposição. Visitou ateliers, andou por exposições de finalistas e conversou com amigos. Diz que, por coincidência, se inspirou também em versos de Sophia, sem saber o que Ana Luísa Amaral estava a fazer. Não quis, ao contrário de Eduarda Neves, por exemplo, abordar literalmente o tema do fogo. Para a escritora portuense, “no poema ficou o fogo mais secreto”. Pedro Faro considera que este fogo secreto é o que permite todas as revoluções e transformações. Não se trata, por isso, do elemento que aquece sem transformar, mas daquele que permite a mudança propriamente dita – que é sobretudo política, mas também de consideração do género, de modo, de disciplina artística.
Há uma grande diversidade de artistas e de peças de natureza muito diversa na sua selecção, desde Júlio Pomar, que abre praticamente este núcleo da montagem com uma obra de cariz explicitamente político, até artistas amplamente reconhecidos, como João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, Vasco Araújo ou Xana. Há outos que surgiram nos tempos mais recentes, como Ana Pérez-Quiroga, Nuno Ramalho, Sara Bichão e até Salomé Lamas, e outros muito novos, ou recentemente chegados aos espaços de exposição em Portugal. Destes, destacamos João Gabriel, Horácio Frutuoso e Fernão Cruz, o primeiro dos quais está também agora representado no Prémio Novos Artistas Fundação EDP. Fotografias e material gráfico diverso vindo do teatro, por exemplo, completam uma representação que se destaca neste conjunto, e que merecia decerto uma ampliação por si só noutro local.
A exposição completa-se com a escolha de Eduarda Neves, que apenas traz instalações de grande formato de dois artistas: a japonesa Aki Nagasaka e o artista e académico portuense Sérgio Leitão, ambas, segundo a curadora, potenciando uma interrogação da “soberania da ordem histórica e dos seus modos de representação.” Este questionamento, para a primeira, atravessa reconfigurações territoriais que se servem de materiais como a terracota, e para o segundo por uma reflexão de natureza antropológica sobre o trabalho e os seus agentes.