Jorge Palma: “Um dia gostava de fazer standards com orquestra”
Os coliseus de Lisboa e Porto recebem a 5 e 7 de Outubro Jorge Palma com a Orquestra Clássica do Centro. Revisão, em “grande”, de uma carreira com 45 anos.
Duas noites, dois coliseus, uma única celebração: 45 anos de músicas de Jorge Palma. Não será tanto pela celebração, mas mais pela experiência. Palma, que tantas vezes foi orquestrador de outros, vê agora vários dos seus temas serem arranjados por outro. No caso, o pianista e maestro Rui Massena, a trabalhar e a dirigir a Orquestra Clássica do Centro. Esta quinta-feira, dia 5 de Outubro, em Lisboa e dia 7 no Porto. Às 21h30.
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Duas noites, dois coliseus, uma única celebração: 45 anos de músicas de Jorge Palma. Não será tanto pela celebração, mas mais pela experiência. Palma, que tantas vezes foi orquestrador de outros, vê agora vários dos seus temas serem arranjados por outro. No caso, o pianista e maestro Rui Massena, a trabalhar e a dirigir a Orquestra Clássica do Centro. Esta quinta-feira, dia 5 de Outubro, em Lisboa e dia 7 no Porto. Às 21h30.
“Foram poucas as vezes que toquei com orquestra, assim grande”, diz Jorge Palma ao PÚBLICO. “Toquei com este maestro, precisamente, quando ele estava a dirigir a Orquestra Clássica da Madeira. Foi aí que nos conhecemos e que nos começámos a dar.” Foi num sábado, 12 de Dezembro de 2009, no auditório do Centro de Congressos da Madeira. “Desta vez está a ser mais estruturado. Fui ao Porto, trabalhei com ele dois dias, a ver passo a passo o que ele tinha feito, a conversar, a limar arestas. Em conjunto, arranjámos um naipe que faz sentido.” A Madeira serviu de bitola. “Houve coisas, da parte do Massena, que tinham resultado melhor que outras, e ele partiu também daí. De resto, ele não trabalhou ainda com esta orquestra. E eu também não, obviamente.”
Há um entusiamo particular em trabalhar com uma orquestra? “É diferente”, diz Palma. “Tenho discos em que fiz as orquestrações a pensar em grande orquestra. Aliás, eu, na qualidade de orquestrador já tinha trabalhado com orquestras e a maior que reuni em estúdio foi com a Amália, obviamente.” Foi no single que reuniu Malhão e Bailinho da Madeira, de Max, em Junho de 1975, que em 1977 integrariam o LP Fandangueiro. Mas nas décadas de 1970-80 Palma assinou orquestrações para muitos outros: Ruy Mingas, Intróito, José Almada, Rui de Mascarenhas, Valério Silva, Paco Bandeira, Pedro Barroso, Francisco Naia, Manuela Bravo, Tonicha, Alberto Júlio, Maranata ou Horácio Bitta.
Viagem bem calculada
Em discos dele, e já lá vão 15 álbuns (depois de 4 singles e EP editados de 1972 a 1975), Palma já gravou com quartetos ou sextetos de cordas. “No Asas e Penas [1984] houve canções que escrevi para grande orquestra, como A origem do drama ou a Canção de Lisboa, e é assim que soa no disco, porque eles dobraram, fizeram partes diferentes.” Um disco mesmo com orquestra já esteve vagamente nos seus planos. “Um gajo pensa em tudo. Um dia gostava de fazer clássicos, standards, com orquestra, como muita gente tem feito. Ir ao cancioneiro norte-americano e não só, recriar, sei lá, The lady is a tramp…”
Nascido em Lisboa, em 4 de Junho de 1950, Jorge Palma teve aulas de piano logo aos 6 anos e estudou no Conservatório, onde concluiu o curso mais tarde. Ganhou aos 13 anos um segundo prémio num concurso musical em Palma de Maiorca, mas o rock começou a ganhar terreno à clássica, integrando grupos como os Black Boys ou os Sindicato. E foi em inglês que compôs o primeiro disco, The Nine Billion Names of God. Isso há 45 anos. O piano já lá estava em casa, mas o gosto pelas orquestras ganhou-o com a mãe. “Desde muito cedo que ela me levava a concertos, a ouvi-las, e isso foi muito importante.”
Nos coliseus, Jorge Palma estará com orquestra mas também com banda, os músicos que costumam acompanhá-lo. Por ele tocará piano e guitarras, eléctrica e acústica. “Há temas que faço sozinho com orquestra e piano, outros com banda e orquestra e há uma versão de uma música do Acto Contínuo, de 1982, o Picado pelas abelhas, que é rockalhada, aí a orquestra silencia-se.” Vai cantar ainda uma das canções que compôs para o novo disco. “Chama-se Amor digital, já se aguenta tal como está e vou fazê-la sozinho ao piano.” No geral, antevê um “concerto com muitas nuances, colorido, uma viagem bem calculada. ”
Até já, até hoje
A coincidir com os 45 anos de carreira, há este um outro aniversário de um disco que foi marcante para o seu futuro: Té Já, de 1977, quarenta anos cumpridos agora. Foi aí que ele gravou, pela primeira vez, O bairro do amor e foi a partir dele que as pessoas começaram a conhecer melhor o seu trabalho. “Foi mesmo um até já. Até já às drogas, porque estava num ponto em que tinha de sair do meio. E apetecia-me. Estava com a cabeça cheia de Beat Generation, Burroughs, Ginsber, Kerouac, Dylan, tudo a puxar-me para a estrada. Por isso, guitarra e tchau! E foi porreiro.” Anos antes, em 1973, na perspectiva de ir para o exército e combater para a guerra colonial, Palma escapara-se para a Dinamarca com a namorada. “Fui por razões anti-bélicas. Mas nessa altura não tocava na rua. Estava em casa de um encenador que tinha um piano e fui a um programa de rádio onde cantei uma canção do Sérgio Godinho. Tinha-o descoberto a ele, e ao José Mário Branco, antes de me ir embora, foram grandes influências para mim. Depois em 1974-75 [após a queda da ditadura, com o 25 de Abril] cantei muito nos cantos livres, fiz alguns concertos e tocava nos jardins, para amigos ou para quem passasse.” Só na segunda escapada é que tocou nas ruas: “Primeiro Espanha, no Verão, à boleia, teso. Toco em esplanada, começo a ganhar calo.” Depois convidaram-no a acompanhar outros cantores, numa passagem de ano em Paris. Mas houve um desentendimento, não lhes queriam pagar o prometido e eles fizeram greve. Então Palma viu-se com uma guitarra nas mãos, às onze da noite nas ruas de Paris, até que outros o desafiaram a “ganhar uns cobres”: e foram tocar para as carruagens do Metro. “Em meia hora fizemos cento e tal francos cada um! [eram três]”
Nas últimas linhas da sua biografia oficial, Na Palma da Mão (de Pedro Teixeira, ed. prime Books, 2008), Jorge Palma diz, imaginado o futuro: “Gostava de tocar com o Bob Dylan, como Caetano Veloso, com o Chico Buarque… Gostava de concretizar o meu primeiro espectáculo a solo no Brasil…” Hoje, perante tais palavras, diz: “Não estou a contar com nada disso. Há muita gente com quem gostaria de conviver, conversar. Há um gajo aqui ao lado, que é o Joaquín Sabina, gosto muito das coisas dele... Fizemos agora um concerto com a Uxía… E a vida continua, veremos quem é que eu vou encontrar.”