Nobel da Medicina: este sucesso é “um conto de fadas”
Diogo Pimentel é um investigador português na Universidade de Oxford, no Reino Unido, que, tal como os três cientistas agora premiados com o Nobel da Medicina, usa o modelo da mosca-da-fruta para estudar o sono.
Diogo Pimentel, bioquímico especializado em neurociências, assinou um artigo na revista Nature em Agosto de 2016, no qual descrevia uma experiência com moscas-da-fruta que serviu para esclarecer uma parte do mistério do sono. Nesse trabalho apresentava o mecanismo a que chamaram "João Pestana" que actua no grupo de neurónios que controla o sono das moscas-da-fruta e que é capaz de as acordar. Por isso, conhece bem o terreno explorado pelos três vencedores do Prémio Nobel de Medicina 2017. A pedido do PÚBLICO, explica a importância destas descobertas e comenta que este reconhecimento “é uma história de sucesso fantástica e um excelente exemplo de como genes e moléculas são responsáveis por orquestrar o nosso comportamento”.
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Diogo Pimentel, bioquímico especializado em neurociências, assinou um artigo na revista Nature em Agosto de 2016, no qual descrevia uma experiência com moscas-da-fruta que serviu para esclarecer uma parte do mistério do sono. Nesse trabalho apresentava o mecanismo a que chamaram "João Pestana" que actua no grupo de neurónios que controla o sono das moscas-da-fruta e que é capaz de as acordar. Por isso, conhece bem o terreno explorado pelos três vencedores do Prémio Nobel de Medicina 2017. A pedido do PÚBLICO, explica a importância destas descobertas e comenta que este reconhecimento “é uma história de sucesso fantástica e um excelente exemplo de como genes e moléculas são responsáveis por orquestrar o nosso comportamento”.
Por que é tão importante estudar o nosso relógio interno?
Ainda não sabemos hoje porque precisamos de dormir, mas é claro que a regulação do sono obedece a dois processos: o ciclo circadiano (ou relógio) e o sistema homeostatico. O primeiro descreve como todos os organismos se sincronizam e adaptam a factores do ambiente externo, sendo a luz o factor principal. Todos os dias, a rotação da Terra resulta em períodos de luz e escuridão e cada animal evoluiu de acordo com o ambiente em que vive, no nosso caso para dormir durante o período de escuridão, mas obviamente para animais noctívagos o sistema funciona ao contrário.
Como funciona este relógio funciona como uma célula? É influenciado por genes e proteínas que o fazem funcionar melhor ou pior?
Funciona como um feedback loop de transcrição e tradução, que usando a luz como input principal gera ciclos de oscilação molecular que depois controlam a fisiologia do nosso organismo, estados de alerta, o sono, o metabolismo, o sistema hormonal, entre outras coisas. É um processo biológico extremamente elegante e conservado. Foi o trabalho que levou a descoberta de como estes loops moleculares funcionam que recebeu agora o Nobel.
Como comenta este prémio?
Na minha opinião, é um reconhecimento muito importante não só pelas implicações das descobertas por si, mas em acréscimo pelo facto de que as descobertas principais foram feitas usando a mosca e, como tal, apresenta-se aqui uma oportunidade excelente para dar visibilidade a este modelo. Muitas vezes perguntam-me quais as vantagens de usar a drosophila [mosca-da-fruta] como modelo de estudo, e as possíveis implicações das eventuais descobertas para os humanos, e este é o exemplo perfeito de um processo biológico que foi elucidado através de investigacão em moscas. A forma como o sistema circadiano funciona é extremamente conservada desde as moscas até aos humanos, por isso as implicacões foram imediatas. O sucesso neste campo é como um “conto de fadas” para a abordagem da genética comportamental porque demonstra o poder e a eficácia deste tipo de investigação, tal como a relevância e impacto das descobertas resultantes.
As avarias neste relógio podem causar doenças?
Com certeza, e cada vez mais existe visibilidade para os problemas que resultam de não se respeitar este ritmo. O conforto do dia-a-dia permite-nos ignorar os períodos naturais, porque basicamente temos luz em todo o lado. Ao mantermos a luz ligada durante a noite, interrompemos esta sincronização natural do nosso organismo. Um exemplo são as pessoas que trabalham em turnos de noite e que desenvolvem vários problemas de saúde. Também cada vez mais se vê nas notícias que não se deve utilizar telefones ou outros écrans antes de dormir porque a luz está a dizer ao nosso cérebro para acordar em vez de dormir. O mesmo acontece com o famoso jet lag quando viajamos para sítios em que o ciclo externo é diferente do interno.
E quais os sinais de alarme que o nosso relógio interno dá quando está a funcionar mal?
Problemas a dormir em horários apropriados, cansaço, falta de concentração. Os problemas podem ser variados.
O que fazemos para lhe mudar as pilhas? Dormir chega?
O mais importante é respeitar o seu funcionamento natural, respeitar os ciclos de noite e dia e aproveitar ao máximo a luz natural. Todos conhecemos o ditado “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”. A hora a que nos deitamos e acordamos por si só talvez não seja o mais importante, mas obedecer aos ciclos naturais da luz é.