Os novos habitantes da Porto Design Factory já a tomaram de assalto
A Porto Design Factory já abriu as portas a mais habitantes: estudantes e empreendedores começam o ano lectivo na plataforma de co-criação global do Politécnico do Porto
Numa sala, com duas mesas e 21 cadeiras, sentam-se 20 estudantes — falta um que vai chegar atrasado, mas tem a falta justificada. “Está a despedir-se do emprego para poder vir para cá. Não foi o único, mas demorou mais tempo”, anuncia à sala um dos professores assistentes que, há três meses, estava a levantar-se daquelas cadeiras para dar lugar aos novos estudantes do ME310, da Porto Design Factory.
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Numa sala, com duas mesas e 21 cadeiras, sentam-se 20 estudantes — falta um que vai chegar atrasado, mas tem a falta justificada. “Está a despedir-se do emprego para poder vir para cá. Não foi o único, mas demorou mais tempo”, anuncia à sala um dos professores assistentes que, há três meses, estava a levantar-se daquelas cadeiras para dar lugar aos novos estudantes do ME310, da Porto Design Factory.
A sala está longe de ser uma sala de aula comum, apesar de ter um quadro, alunos e três professores: há bicicletas de cartão e uma cama de rede penduradas; todas as paredes, tecto e chão podem servir de tela em branco, os “alunos só aprendem o que quiserem” e os professores não falam do alto de uma apresentação powerpoint (muitas das vezes não falam de todo). “Deixamos aqui algumas coisas do ano passado para vos inspirar. A ideia é que façam o mesmo”, diz Rui Coutinho. O coordenador da PDF avisa que a pós-graduação em Inovação de Produto, do Politécnico do Porto, é um “programa educacional”, mas está longe de caber nos moldes “académicos” típicos.
No arranque oficial do ano lectivo, na sexta-feira, 29 de Setembro, a secretária de Estado da Indústria, Ana Lehmann, disse que o “projecto [que recentemente recebeu quase um milhão de euros da União Europeia para começar a trabalhar o conceito de “universidade do futuro”] pode acrescentar valor e irreverência” a uma indústria “fortemente inovadora” que se “está a reinventar”. O ambiente “inspirador” e “fora da caixa” foi um dos pontos que mais frisou durante a visita guiada com a presidente do Instituto Politécnico do Porto, Rosário Gâmboa.
Quem está sentado naquela sala — uma moldura humana de várias posições descontraídas em roda — já o sabe. No primeiro dia de aulas não lhes é apresentado currículo, métodos de avaliação ou objectivos. Em vez disso, começam a treinar com pequenos desafios — construir um copo capaz de aguentar um refrigerante usando apenas uma folha de papel A4, por exemplo —, as soft skills e o trabalho em equipa, qualidades “imprescindíveis no mercado de trabalho do futuro”.
A “componente prática”, ou seja, “trabalhar em projectos reais com empresas reais que vão querer pôr um produto no mercado”, é o que atrai tanto recém-licenciados como mestres em multimédia, design, marketing, negócios, mas também enfermeiros, advogados e engenheiros mecânicos (os primeiros a usufruir do ME310 quando este começou em Stanford), que se mudaram para o Porto à “procura de se sentirem desafiados”.
E chegam de tantos sítios diferentes que se cada pessoa daquela sala trouxesse “um ingrediente na mala” fazia-se um “grande jantar” multicultural, brincam. Teriam os ovos-moles de Aveiro, o vinho de França, os brigadeiros do Brasil, as especiarias da Índia, o bolo de caco da Madeira, enumeram, enquanto se apresentam, sempre em inglês, aos colegas.
Na sala ao lado começam a crescer oito projectos de jovens empreendedores, portugueses e estrangeiros, que se candidataram à segunda edição da Porto Design Accelerator. Antes de “formar startups”, a aceleradora de ideias da PDF quer “formar pessoas”. “Pensamos nela como uma aceleradora de talentos”, comenta o coordenador, enquanto espreita pela porta em vidro.
Tal como os quatro professores assistentes frequentaram o ME310 na edição anterior (outros foram seleccionados para o mesmo cargo em universidades na Suíça ou na Finlândia, por exemplo), também o responsável pelas aceleradoras passou pela “fábrica” de design, como a maior parte da equipa da PDF, constituída por 15 pessoas. Diogo Ferreira Pinto foi o “aluno número um”, tanto por ter sido o primeiro como por ter, até agora, o título de “melhor aluno de sempre”. “Há três anos éramos só quatro”, diz, em frente a um auditório repleto de caras novas. “Isto é bom, a família está a crescer.”
“Preparem-se para uma experiência única”
Enérgico, Rui não se cansa de dizer que, durante o próximo ano, os novos alunos vão passar “mais tempo na sala do que em casa”. “Passam a fazer parte de uma grande comunidade”, que vai além das fronteiras da PDF – "Think globally, stay right here" (“Pensa globalmente, fica aqui”) foi o “primeiro lema” da instituição, referindo-se à rede internacional de outras design factories, espalhadas por cinco continentes.
É por isso que não os saúda enquanto novos alunos ou novos empreendedores, mas sim como “os novos habitantes da casa”. E para que não haja estranhos, cada um tem uma fotografia e o nome expostos, na entrada do edifício, poucos metros antes do círculo de abraço obrigatório, à saída da cozinha, comummente chamada “principal sala de reuniões”.
É lá que todas as terças-feiras alguém organiza o pequeno-almoço para a casa toda; ou onde, às quintas-feiras, o dia mais cansativo para os estudantes do ME310, uma das equipas usa o orçamento para lançar uma festa: são as SUDS, Slightly Unorganized Design Session, e têm presença obrigatória.
Durante o próximo ano lectivo será pedido aos 21 alunos que “desenvolvam protótipos rápidos com papelão”, que “testem”, que se “dediquem a tempo inteiro”, “procurem feedback” e falhem rápido. Tudo isto em equipas globais (metade no Porto e outra metade numa faculdade em qualquer outro canto do mundo) e em coordenação com várias multinacionais que só serão desvendadas aos estudantes a 17 de Outubro. No ano passado, as empresas escolhidas foram a ONAE MC, Sportzone, Silampos e a IKEA Industry.
“Quase todas estão a considerar trabalhar nas propostas apresentadas pelos nossos estudantes”, diz Rui. “Só para verem como isto é sério.” “A menos que não pareça que está tudo fora de controlo, não estão a ir rápido o suficiente”, avisa Rui Coutinho, parafraseando Mario Andretti, campeão de Fórmula 1.
Os professores da PDF são “fãs” das metáforas relacionadas com automobilismo. Uma das favoritas, que descreve o seu papel durante o processo de aprendizagem, é repetida muitas vezes, em jeito de mantra. “Se estiverem a conduzir para o precipício, nós vamos ver-vos a ir alegremente a alta velocidade até ao limite e não vamos entrar no carro e travar a fundo. Vamos ver-vos cair e vamo-nos rir”, garante. “Tudo para que a 29 de Junho [último dia do ano lectivo] vocês nos digam: começamos a pensar de maneira diferente”.