Rui Moreira, importa-se de ler este texto?

Afinal, o Porto não é uma nação? Então, caríssimo Rui Moreira, sem descurar os pontos em que tem feito a diferença desde 2013, peço-lhe que não se esqueça de quem precisa, de quem nem sempre pode ser ouvido, dos portuenses. Ponto.

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Nelson Garrido

Reflecti bastante antes de escrever as linhas que se seguem porque as opiniões são como os chapéus. Há muitos, demasiados e, por vezes, são realmente palermas.

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Reflecti bastante antes de escrever as linhas que se seguem porque as opiniões são como os chapéus. Há muitos, demasiados e, por vezes, são realmente palermas.

Este texto é sobre o Porto. Antes de mais, devo dizer que gosto de Rui Moreira. Actualmente, não há, nem houve uma alternativa ágil que possa fazer melhor pela minha cidade adoptiva. No rescaldo dos resultados de domingo, Moreira está obrigado a fazer mais.

Quem se recorda do Porto de 2010, saberá que os agentes culturais da cidade eram pouco mais do que associações DIY (Do It Yourself), sem ou com pouco lucro, a agir por mero amor à arte. Assim de cabeça, lembro-me da Lovers & Lollypops, da Amplificasom, da Sonoscopia, do António "Becas" Guimarães e do seu Passos Manuel, do Mercedes, do Porto Rio, do Armazém do Chá, entre muitos outros que, certamente, me estarão a falhar e aos quais peço desculpa em antecipação.

Moreira criou ligações com quem faz e fazia mexer culturalmente o Porto; abriu pontes para iniciativas saudáveis como a Cultura em Expansão ou o Fórum do Futuro; abraçou outros tipos de expressão artística, como o design ou a fotografia; reorganizou o Teatro Municipal do Porto com uma programação à medida que esta cidade merece, adquiriu o Sá da Bandeira e implementou estratégias cirúrgicas para a reabilitação de espaços míticos da cidade, outrora esquecidos — veja-se o histórico Aniki Bobó a reabrir já em 2018, ou mesmo a reativação do Cinema Batalha e do Trindade.

Além disso, Moreira não esqueceu a sua base, empreendedor de génese. O apoio às startups, a criação da Porto Digital, a atenção à rede de transportes públicos, o incentivo ao "fazer" também marcaram este mandato. Claro que Moreira baseia-se no seu background instruído, dandy — termo utilizado sem qualquer afronta — para criar a tal "cidade líquida" que Cunha e Silva tanto quis fazer. De feitio demarcado, é (para o bem e para o mal) a voz finca-pé perante o centrismo lisboeta. E não, isto não é uma ode ao presidente.

Não sou daquelas pessoas que é contra o turismo. Pelo contrário, acredito que faz mexer a economia local, que cria empregos, que nos coloca nos radares mundiais e, indubitavelmente, Moreira foi também um motor nesta fase de graça que a cidade atravessa. É óbvio que, por vezes, enquanto moradora, torna-se desconfortável a multidão que atracou um pouco por todo o Porto. Ainda assim, e completamente disposta a secundarizar o sentimento pessoal, há duas coisas que têm de ser ditas. Uma é que a criação desses empregos turísticos resulta, na­­­ grande maioria, em condições precárias, especialmente na área da hotelaria e falo com conhecimento de causa. Outra, é a tão falada reabilitação urbana, a expulsão do centro histórico (e não só), a eventual perda daquilo que diferencia o Porto do resto do país: a sua genuinidade.

Então, por pontos: é certo que a autarquia apoiou algumas medidas nesse sentido. A título de exemplo, a Porto Vivo, a cargo da Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, trouxe ao Morro da Sé (Património Mundial para a UNESCO, relembre-se) 39 fracções para atrair novos moradores. É de louvar, mas falamos de trinta e nove. Não chega.

A questão é o que fica por fazer e o que tem já, imediatamente, ontem, de ser feito. Sem excluir o turismo, é preciso controlar o arrendamento de curta duração. Qual a percentagem de jovens adultos que consegue suportar rendas nos valores entre 500 a 800 euros? Pensando na autenticidade do Porto, urge alargar o apoio a estabelecimentos que ajudaram a cidade a ser o que é hoje, isto é, rever o plano do Porto de Tradição. Sem excluir a evolução, há que proteger e, sobretudo, limitar a reabilitação urbana para fins privados. Não esquecendo o PDM, há que encontrar uma solução para as habitações sociais, proteger e melhorar as ilhas da cidade. Embora seja um legado de Rui Rio, protejam-se os comerciantes "desalojados" do antigo Mercado Bom Sucesso (Lembram-se? Aquele que não vendia sandes de leitão).

Bem sei — e antes que leve com um direito de resposta ou com uma alfinetada — que muitos dos pontos referidos estão previstos no programa deste mandato. Bem sei que a reabilitação de Campanhã e do Mercado do Bolhão estão em marcha. Ainda assim, não há como negar. O Porto necessita de ajuda. Necessita de se focar na acção social e na habitação. Na verdade, o que me fez escrever este desabafo foi saber que um dos espaços culturais que mais frequento, o Cave 45, na Rua das Oliveiras, irá fechar como consequência da actual e gritante especulação imobiliária.

Cada uma e cada 33 das palavras acima são sentidas. Moreira cumpriu. No entanto, tem ainda um longo caminho, até porque a cidade não termina em Aldoar. Afinal, o Porto não é uma nação? Então, caríssimo Rui Moreira, sem descurar os pontos em que tem feito a diferença desde 2013, peço-lhe que não se esqueça de quem precisa, de quem nem sempre pode ser ouvido, dos portuenses. Ponto.

Nota pessoal: Não estou, nem sou ligada a qualquer movimento político. Esta é, portanto, uma análise imparcial, de uma cidadã informada e que adora a cidade em que habita.