Na rua dos instrumentos musicais já só sobram duas lojas
Na última década, na Rua Formosa, mais de metade das lojas de venda de instrumentos fecharam. O mercado dominado pelo online e a crise económica são os principais motivos para a decadência do negócio.
Fernando Anjos, há 35 anos gerente da loja de venda de instrumentos Its Music, na rua Formosa, recorda-se de nos anos 80 e 90 ter o espaço que gere, na altura com outra designação, cheio de gente que lá ia para comprar e também para conviver. Era ali, naquela artéria da cidade do Porto, que se concentrava o maior número de lojas da especialidade e o grosso dos músicos da cena musical portuense. Actualmente, das cinco que já existiram ao mesmo tempo sobram duas. Foi o advento da Internet, com lojas internacionais a afirmarem-se na venda online, e a crise económica da última década, que precipitaram o fecho de mais de metade dos estabelecimentos que faziam da Formosa a rua das lojas de música.
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Fernando Anjos, há 35 anos gerente da loja de venda de instrumentos Its Music, na rua Formosa, recorda-se de nos anos 80 e 90 ter o espaço que gere, na altura com outra designação, cheio de gente que lá ia para comprar e também para conviver. Era ali, naquela artéria da cidade do Porto, que se concentrava o maior número de lojas da especialidade e o grosso dos músicos da cena musical portuense. Actualmente, das cinco que já existiram ao mesmo tempo sobram duas. Foi o advento da Internet, com lojas internacionais a afirmarem-se na venda online, e a crise económica da última década, que precipitaram o fecho de mais de metade dos estabelecimentos que faziam da Formosa a rua das lojas de música.
No número 171 ainda está lá o letreiro da Casa Ruvina, a par da Gouveia Machado, no 63, uma das que atraía mais clientes. Estão as duas fechadas. Na montra da Ruvina há agora a indicação de que ali se compra ouro. Instrumentos, já só há na Its Music ou na Só Música. Noutras zonas da cidade, onde também foram fechando algumas lojas, há outras mais dispersas. Ali perto, na Rua da Alegria está lá a Lamiré, na rua do Almada está a Castanheira e a Francisco Guimarães, na rua da Boavista há a Musicarte e na Avenida da Boavista a Ludimusic. Mais recentemente abriu também nos Loios a Porto Guitarra e na Avenida Vímara Peres a Casa da Guitarra, mais dedicadas aos instrumentos de cordas tradicionais.
É na Só Música, no 224, que Arlindo Lima trabalha há 50 anos. Houve alturas em que trabalhava lá “muito mais gente”. Na loja com sessenta anos de história está sozinho atrás do balcão há três. Foi sensivelmente há uns “oito ou nove anos” que diz ter-se começado a sentir que o negócio estava a perder força. Fechou a Ruvina “em 2008” e “pouco tempo depois” a Rock Music e outra “de instrumentos usados”.
A Internet não ajudou o negócio das lojas de rua. O aparecimento de lojas online como as alemãs Music Store e a Thomann e “outras tantas” tomaram conta de grande parte do mercado a nível europeu. Esta é uma das justificações que encontra para a diminuição da receita de vendas. Para piorar “houve uma crise” económica. O facto de entender que a rua é uma das mais poluídas diz também não contribuir para que potenciais clientes se sintam atraídos a visitá-la. Para piorar diz que o metro fez com que as pessoas passassem a circular mais debaixo do solo. “Esta é uma zona de passagem entre 24 de Agosto e Santa Catarina”, diz que, se dantes as pessoas passavam por lá para descer à rua pedonal, hoje fazem-no de metro. Alguns dos clientes mais fiéis, na casa dos 30-40 anos também tiveram que deixar o país em busca de emprego.
O segredo para que a loja se mantenha aberta diz estar directamente ligado com a “organização” que existe e com os “bons alicerces” que foram criados pela empresa. “Tivemos que nos adaptar”, diz. Também já vendem online, mas apenas em território nacional, e já conseguem ombrear com os preços do online. “Um pack de iniciação de guitarra clássica já com saco custa cerca de 80 euros”, que diz não ser muito diferente dos preços praticados nalgumas grandes superfícies que também passaram a vender instrumentos. Sítio que não recomenda para a compra: “Por norma quem está a atender não domina a área. Dão uma caixa para a mão do cliente e fazem a venda”. Afirma que por isso já recebeu clientes que lá vão para depois personalizarem o instrumento à medida das necessidades que procuram.
Arlindo Lima não é músico, nem toca nenhum instrumento, mas conhece-os melhor do que ninguém. Foi apurando o ouvido e estudando-os ao longo dos anos. E é isso entende marcar a diferença, resultando ainda na procura de muita gente por uma loja física “Eu não toco (música), mas toco no coração dos clientes”.
É por isso que Paulo Lopes, guitarrista dos de Repórter Estrábico e mais recentemente de Sacapelástica, continua a preferir rumar à rua Formosa. Está na Its Music, onde diz ser cliente desde o tempo em que se chamava Diapasão. Também já comprou online, mas diz preferir um sítio onde lhe possa ser dado outro tipo de acompanhamento. “Não é só comprar, é saber que depois tenho assistência, Gosto de poder ir falando daquilo que comprei com quem mo vendeu e isso não se consegue no online”.
Fernando Anjos, gerente da Its Music, que abriu em 1979 como Diapasão, diz que é essa que continua a ser a mais valia de uma loja física. Muito do tempo que passa na loja é a fazer consultoria. Encontra soluções para os clientes mediante o orçamento que têm disponível. Chegaram a existir alturas em que trabalhavam quinze pessoas na loja, “cinco só para o balcão”. Hoje está sozinho na frente de loja. Continua a reunir-se “um grupo de amigos” que lá vai “de vez em quando”, mas lembra-se do tempo em que nalguns dias “estavam mais de 50 pessoas”. “Por aqui passou toda a cena musical portuense”, recorda.
O online foi o mote para o “decair do negócio” das lojas. Contudo diz que já não se justifica não comprar num estabelecimento: “Conseguimos vender a preços semelhantes e todo o material que as do online também têm”. Para que se mantenham abertas, as lojas têm é de conseguir garantir que os músicos continuem a lá ir: “Quando uma loja fecha há sempre quem se queixe que não tarda não existem lojas de música, mas muitas vezes esses que se queixam nunca visitaram uma”.
“Há cada vez mais músicos e com melhor qualidade, mas dispersam-se num mercado que cresceu além fronteiras e se dispersou”, afirma, dizendo que só a Thomann factura cerca de 9 milhões no mercado nacional. Para competirem é necessário vender em grandes quantidades porque os instrumentos são agora mais baratos por força da descida “drástica” das margens de lucro: “Há colegas a ganhar 1% na venda de um instrumento e isso é impraticável para a sustentabilidade do negócio”.