Morreu Daniel Bacelar, o elegante pioneiro do rock português
Um EP partilhado com os Conchas, editado em 1960, marca o início da história editada do rock português. Chamavam-lhe o "Ricky Nelson português" pela voz e postura de galã e gravou sete EPs até 1967, quando abandonou a carreira. A morte chegou aos 74 anos.
Tudo aconteceu por acaso. Ele a dedilhar uma guitarra e a trautear Lonesome town, o clássico de Ricky Nelson, nos corredores da Renascença e alguém que passou, ouviu, e exclamou: “Gravem-me este rapaz”. Aquele rapaz não estava ali, na Rádio Renascença, para tocar. Fora simplesmente acompanhar um amigo, esse sim concorrente do Caloiros da Canção, concurso idealizado pela Valentim de Carvalho e emitido na Renascença. Mas cantou mesmo e, ao contrário do amigo, recebeu quinze dias depois um telefonema em casa. “Você ganhou”, disseram-lhe. O prémio foi a gravação de um EP.
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Tudo aconteceu por acaso. Ele a dedilhar uma guitarra e a trautear Lonesome town, o clássico de Ricky Nelson, nos corredores da Renascença e alguém que passou, ouviu, e exclamou: “Gravem-me este rapaz”. Aquele rapaz não estava ali, na Rádio Renascença, para tocar. Fora simplesmente acompanhar um amigo, esse sim concorrente do Caloiros da Canção, concurso idealizado pela Valentim de Carvalho e emitido na Renascença. Mas cantou mesmo e, ao contrário do amigo, recebeu quinze dias depois um telefonema em casa. “Você ganhou”, disseram-lhe. O prémio foi a gravação de um EP.
Editado a meias com Os Conchas em 1960, Os Caloiros da Canção foi o primeiro registo editado do rock português. O jovem a quem aquilo aconteceu por acaso chamava-se Daniel Bacelar e tinha uma voz magnífica. Foi um dos mais destacados pioneiros da história do rock em Portugal, com sete EPs editados e voz e figura de galã, o que lhe valeu ser considerado “o Ricky Nelson” português.
Daniel Bacelar morreu esta sexta-feira. Tinha 74 anos e não resistiu a uma doença oncológica. Está em câmara ardente este Sábado, na Basílica da Estrela. O funeral será no Crematório do Alto de São João, domingo, às 16h.
Abandonou a carreira musical em 1967, dado que “carreira musical” no rock era uma quimera naquela altura, num circuito feito essencialmente de bailes de finalistas, num país a braços com uma ditadura que colocava em cartaz avisos como “A juventude pode ser alegre sem ser irreverente” quando a tal juventude se reunia para se entregar aos prazeres da electricidade. Podemos ter uma ideia do que eram as condições existentes para o desenvolvimento de uma carreira discográfica ao seguir o relato da sessão de gravação de Caloiros da Canção. Daniel Bacelar fê-lo ao PÚBLICO num artigo de 2010 assinalando os cinquenta anos da edição do histórico EP. “Os estúdios eram na Costa do Castelo, no antigo Teatro Taborda. Foi totalmente remodelado há uns anos, mas na altura... Cheio de buracos, com ratazanas a passar de um lado para o outro. O senhor [Hugo] Ribeiro, o técnico de som [falecido em 2016], lá montou tudo na cabine de gravação, que era no palco. Havia um relógio numa torre ali perto que dava o toque de meia em meia hora, o que nos obrigava a parar”. Em 1967, trocou o incerto pelo certo e empregou-se na TAP, empresa em que trabalhou até se reformar.
A música deixou de ser ofício profissional, mas naturalmente que não a abandonou – alma de rocker não se extingue facilmente. O renovado interesse na história do rock português levou, por exemplo, a que a sua música fosse recuperada em novas edições e compilações. Os Capitão Fantasma gravaram uma versão da sua Se eu enlouquecer em 1991, o mesmo fizeram os brasileiros Autoramas em 2009. No final dos anos 1970, os então regressados Sheiks, a grande banda da vaga que lhe sucedeu na década de 1960, onde encontrávamos Paulo de Carvalho e Carlos Mendes, resgataram-no para os palcos no programa "Sheiks com Cobertura", e, já no século XXI, em 2009, Rita Redshoes fez questão de o ter a acompanhá-la em alguns concertos, quando incluiu no alinhamento das suas actuações uma versão de Lonesome town.
Nunca deixou de cantar Ricky Nelson, mas nunca mais se lhe ouviu Marcianita, um dos seus maiores êxitos, incluído no segundo EP, editado em 1961 e em que foi acompanhado pelo Conjunto Abril em Portugal. “Tem uns arranjos em que parece que estou a ser perseguido por uma matilha de cães. Detesto a versão que foi gravada no disco”, dizia ao PÚBLICO em 2010.
Contou-nos na altura do contagiante que fora ouvir Bill Haley anunciar a chegada do rock’n’roll, do electrizante que era ouvir os Shadows, da paixão pela música de Ricky Nelson, nascida quando uma “pen-friend” americana lhe enviou um single do cantor com, claro, Lonesome town e I got a feeling. Até essa altura, os interesses estavam mais virados para a banda desenhada. Depois da descoberta de Ricky Nelson, o rock tomou a dianteira.
Aos 17 anos, foi acompanhar um amigo com que tinha aulas de guitarra a um certo concurso na Renascença e o que se seguiu foi uma história breve mas intensa, uma história de celebridade pop guardada no início de tudo no que ao rock português diz respeito. Dela, ficam canções da sua autoria, como, por exemplo, Fui por ti, Nunca (as incluídas em Caloiros da Canção) ou a supracitada Se eu enlouqueci. Ficam os EP que gravou com o Conjunto Abril em Portugal, com os Gentlemen, os Siderais e os Fliers. Fica a voz que revelava a mesma elegância que a pose e postura daquele que cantava. Fica a marca de um pioneiro da história moderna da música portuguesa. Daniel Bacelar era seu nome.