Vamos ter de aprender a conviver melhor com a diversidade
Chegada de estrangeiros com maior poder económico é um desafio à coesão. Desemprego crónico e envelhecimento vão implicar uma nova atenção das autarquias às políticas sociais.
Classes pobres, minorias étnicas e grupos imigrantes: a todas estas camadas da população têm de dar resposta as políticas públicas locais. Aos desafios tradicionais que a integração social coloca juntam-se hoje fenómenos como o envelhecimento da população, um desemprego mais persistente por via das mudanças tecnológicas e económicas ou a chegada de novas populações estrangeiras a Portugal que, ainda que tenham um poder económico elevado, não deixam de constituir um desafio para a coesão da sociedade.
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Classes pobres, minorias étnicas e grupos imigrantes: a todas estas camadas da população têm de dar resposta as políticas públicas locais. Aos desafios tradicionais que a integração social coloca juntam-se hoje fenómenos como o envelhecimento da população, um desemprego mais persistente por via das mudanças tecnológicas e económicas ou a chegada de novas populações estrangeiras a Portugal que, ainda que tenham um poder económico elevado, não deixam de constituir um desafio para a coesão da sociedade.
Em tempo de discussão autárquica, é precisamente nas câmaras municipais que a socióloga Maria João Leote, do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.Nova), encontra “um dos principais instrumentos” para promover a inclusão social: o ordenamento do território. Não é difícil de explicar o que esta investigadora quer dizer. Se as opções políticas situarem as populações mais vulneráveis, minorias étnicas e imigrantes em bairros, “longe da vista do centro”, constroem periferias “onde todas as desvantagens sociais estão concentradas” – do desemprego à pobreza.
Afastar as populações vulneráveis não é a forma de promover a inclusão, defende: “A tónica tem de ser colocada na forma como é feita a inclusão em função do ordenamento urbano e em particular das políticas de habitação.”
A questão da habitação social é também vista como fundamental por Virgílio Borges Pereira, professor do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), para assegurar a interação social dos grupos mais vulneráveis. Portugal tem um número “muito significativo” de pessoas a viver em bairros sociais, em comparação com outros países europeus, e necessita de continuar a investir nesse sector, propõe.
Maria João Loete concorda que o tema do investimento em habitação vai ganhar pertinência redobrada nos próximos anos, até porque começa já a assistir-se à sobrelotação das casas nos bairros sociais e à existência de listas de espera a que as autarquias nem sempre conseguem dar resposta. Este fenómeno é consequência do facto de os filhos da população que vive nos bairros sociais “não ter tido condições de entrar no mercado da habitação privada”.
Esse “ciclo da pobreza”, como lhe chama, observa-se muitas vezes em situações em que uma terceira e quarta gerações continuam a viver em situação de exclusão. O fenómeno terá tendência a alargar-se, em funções das mudanças tecnológicas – que vão dispensando a mão-de-obra intensiva em muitos sectores de actividade – e de necessidades de mão-de-obra especializada, com qualificações que uma parte da população não tem. Populações vulneráveis com dificuldade em encontrar trabalho – ou um trabalho suficientemente pago – vão acentuar fenómenos de desemprego crónico.
Tendo em conta tudo isto, qual deve ser o papel das câmaras municipais hoje e, cada vez mais, no futuro? “Um trabalho de concertação entre instituições de diferentes níveis de intervenção [do Estado central às instituições da sociedade civil]”, responde o professor da FLUP Virgílio Borges Pereira. As autarquias devem, em primeiro lugar, “dialogar com as instituições existentes no terreno” e apoiá-las. “Se as instituições não o conseguem fazer, então deve intervir a autarquia”, acrescenta o padre Agostinho Jardim Moreira, que coordena a resposta de instituições de solidariedade social a estes problemas através da Rede Europeia Antipobreza.
Agostinho Moreira identifica quatro grupos particularmente vulneráveis para os quais será necessário encontrar respostas específicas. Desde logo, na intersecção entre o problema da pobreza e o do envelhecimento da população, os pobres envelhecidos, populações isoladas e dependentes em situações de acentuada fragilidade social. Também a pobreza na infância – “a pobreza atinge 25% das crianças portuguesas”, lembra – deve merecer particular atenção, juntamente com a integração de minorias étnicas e imigrantes.
Nos próximos anos, as políticas de integração de estrangeiros vão enfrentar a aceleração de duas tendências que vão obrigar a que sejam repensadas, antecipa ainda o investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) Pedro Góis.
Por um lado, aos estrangeiros que “tipicamente consideramos imigrantes”, que vêm para Portugal à procura de trabalho, junta-se um segundo grupo que aqui procura residir, mas não necessariamente trabalhar. São reformados de outros países europeus ou pessoas de grande capacidade económica que vêm para Portugal atraídas pelo seu regime fiscal, pelo custo de vida relativamente baixo ou pelas possibilidade de contacto com a natureza que já não encontram nos seus países. “Se se mantiverem as políticas de fiscalidade actuais, a sustentabilidade deste processo vai fazer com que ele se acelere nos próximos anos”, considera Góis. Isso implicará uma nova atenção do poder local sobre estes grupos.
A segunda tendência observada pelo especialista é a de uma maior dispersão dos grupos estrangeiros pelo território. Se, tradicionalmente, os imigrantes se concentravam em torno de Lisboa e Porto ou no Algarve, hoje começa a ver-se que se espalham pelo país. “Vamos ter de aprender a conviver com a diversidade nas cidades grandes e nas de média dimensão, mas também nas pequenas cidades”, considera o investigador do CES, antecipando que as autarquias de todo o país “vão ter necessidade de encontrar uma estratégia para a sua integração e para a promoção da coesão social”.
Góis tem estudado, nos últimos anos, o caso do concelho de Arganil, no distrito de Coimbra, procurado por pessoas que chegam de grandes cidades como Londres ou Amesterdão e que ali procuram um contraste total com a vida que tinham anteriormente. “São apenas umas centenas, mas em algumas freguesias do concelho são o grupo que faz mover a economia através dos seus consumos e portanto têm um impacto monetário enorme”, explica.
Se estes grupos não necessitam de habitação social, como acontece com os imigrantes tradicionais, não deixam de necessitar de cursos de língua portuguesa, por exemplo. Do mesmo modo, podem dispensar um apoio ao emprego, mas precisam de aconselhamento sobre as leis e fiscalidades nacionais ou sobre o acesso a serviços de saúde, por exemplo.
Face à chegada destes novos grupos, a necessidade de garantir a coesão social coloca-se não só sob o ponto de vista da sua integração, mas também da disrupção que criam nas localidades. Pedro Góis vê, pois, como necessário evitar que estes estrangeiros criem uma espécie de “cidade à parte” como aconteceu durante muitos anos com os ingleses endinheirados do Porto, por exemplo, mas também que, face à sua chegada, os preços das casas em determinadas zonas subam de forma exponencial, acabando por resultar “na expulsão da população portuguesa”.