Serviços partilhados da Saúde convidam precários a rescindir contratos

Bloco de Esquerda questiona o Governo sobre esta prática e exige que contratos sejam prorrogados até que o programa de regularização extraordinária que está em curso termine.

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Proposta de lei sobre integração de precários no Estado será votada no Parlamento no próximo dia 6 de Outubro MARGARIDA BASTO

A empresa pública que gere os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) está a convidar alguns trabalhadores que prestam serviços em várias entidades da área da saúde para rescindirem os seus contratos a termo incerto até ao final do mês, com a garantia de que será aberto um concurso para os voltar a contratar durante o mês de Outubro. Em alguns casos, ao que o PÚBLICO apurou, foi dito aos trabalhadores que voltariam aos serviços onde fazem falta, exercendo as mesmas funções mas com um salário inferior ao actual. A proposta dos SPMS surge numa altura em que está a decorrer o Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), ao qual estes trabalhadores se candidataram, e deu origem a uma pergunta do Bloco de Esquerda (BE) ao Governo, exigindo que os contratos sejam prorrogados até que haja um parecer sobre a sua situação.

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A empresa pública que gere os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) está a convidar alguns trabalhadores que prestam serviços em várias entidades da área da saúde para rescindirem os seus contratos a termo incerto até ao final do mês, com a garantia de que será aberto um concurso para os voltar a contratar durante o mês de Outubro. Em alguns casos, ao que o PÚBLICO apurou, foi dito aos trabalhadores que voltariam aos serviços onde fazem falta, exercendo as mesmas funções mas com um salário inferior ao actual. A proposta dos SPMS surge numa altura em que está a decorrer o Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), ao qual estes trabalhadores se candidataram, e deu origem a uma pergunta do Bloco de Esquerda (BE) ao Governo, exigindo que os contratos sejam prorrogados até que haja um parecer sobre a sua situação.

A pergunta que os deputados do BE endereçaram ao ministro do Trabalho, que tem a tutela conjunta do PREVPAP, foi motivada pela situação de quatro trabalhadores que asseguram o funcionamento de todas as infra-estruturas e aplicações informáticas do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge em Lisboa, mas estende-se a outros organismos da saúde que têm trabalhadores em situações semelhantes.

No caso do Instituto Ricardo Jorge, os trabalhadores têm um contrato a termo incerto com a SPMS e exercem funções no instituto há vários anos, estando sujeitos a controlo de assiduidade e a um horário completo. Ora embora os contratos só terminem no final do ano, e num dos casos em 2018, a SPMS informou-os — oralmente — de que deveriam rescindir os seus contratos até esta sexta-feira (29 de Setembro), com a garantia de que posteriormente seria aberto um concurso para os mesmos postos de trabalho a que se poderiam candidatar, mas sem garantias de que ficariam com o lugar.

Questionado sobre estas situações, o gabinete de imprensa do Instituto Ricardo Jorge assegura que não foi informado, nem participou, no processo, lembrando que o instituto "tem actualmente em vigor, e até 31 de Dezembro, um contrato de prestação de serviços na área de Gestão dos Sistemas e Tecnologias de Informação e Comunicação com os SPMS"

O caso torna-se mais intrincado quando se sabe que estes trabalhadores candidataram-se ao PREVPAP para requererem a regularização da sua situação laboral e o próprio instituto tem disponibilidade para que ela se concretize, nota o BE na pergunta enviada ao Governo, defendendo que estas situações deviam estar “abrangidos pelo mecanismo de prorrogação dos seus contratos até que a regularização tivesse lugar”.

A questão é que esse mecanismo de protecção está previsto numa proposta de lei que só será votada no Parlamento a 6 de Outubro, pelo que o BE exige que estes trabalhadores sejam alvo de um despacho do Governo para garantir que continuam nos serviços, tal como aconteceu com os técnicos especializados de educação. “Seria inaceitável que, ao mesmo tempo que corre um processo de regularização das situações de precariedade, estes e outros trabalhadores precários da Administração Pública fossem confrontados com a cessação dos seus contratos e com uma situação de desemprego”, alerta o deputado José Soeiro.

O BE quer saber se o Governo tem conhecimento destas ou de situações semelhantes e se está disponível para dar instruções de prorrogação dos contratos. Além disso questiona o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, sobre o dispositivo legal que será utilizado para salvaguardar estas situações até que a lei entre em vigor.

Além do Instituto Ricardo Jorge, há casos semelhantes noutros organismos que recorrem à SPMS para recrutarem recursos humanos, como é o caso da Administração Central do Sistema de Saúde, das Administrações Regionais de Saúde ou da Direcção-Geral da Saúde. Ana (nome fictício), que se candidatou ao PREVPAP, é uma das pessoas a quem foi proposto que denunciasse o contrato, sem direito a compensação. “Fui chamada, tal como outros colegas, para uma reunião na sede dos SPMS”, relata ao PÚBLICO. “Tinham muita pressa. Pretendiam lançar o novo concurso ainda em Outubro, para que retomássemos o serviço em Novembro, porque fazemos muita falta”, relata.

Toda a informação foi-lhe transmitida oralmente, em particular um pormenor que a deixou perplexa: no novo concurso, o salário oferecido seria inferior ao que recebe agora. E o vínculo continuaria a ser precário.

Por outro lado, Ana questiona todo este procedimento quando está em curso o programa de regularização de precários do Estado, receando que ao aceitar a proposta fique comprometida a possibilidade de vir a ser integrados nos quadros do Estado com um vínculo permanente. Para já, vai recusar a proposta da SPMS e esperar para ver.

Confrontado com esta prática, o Ministério da Saúde afirmou que cabe à SPMS, responder. Questionada sobre as propostas de rescisão feitas aos trabalhadores, a SPMS não deu qualquer explicação sobre a sua base legal. Fonte oficial remeteu todas as respostas para o PREVPAP, garantindo que 26 trabalhadores a prestar serviços na SPMS apresentaram requerimentos, que foram encaminhados para a comissão de avaliação bipartida.  

Enquanto a incerteza toma conta dos trabalhadores contratados através dos SPMS, há outras situações de precariedade na área da Saúde que parecem estar mais perto de verem a sua situação finalmente regularizada. É o caso de Carla Jorge, uma das assistentes operacionais contratadas em regime de outsourcing no Centro Hospitalar do Oeste.

Está entre os 180 trabalhadores que enviaram requerimentos para a Comissão de Avaliação Bipartida do Ministério da Saúde e que já terão parecer favorável. “Ainda não fomos notificados, mas o nosso sindicato foi informado a 8 de Setembro de que estávamos abrangidos pelo programa”, precisou Carla Jorge ao PÚBLICO, acrescentando que a própria administração do hospital já confirmou que abriria lugares no quadro.

Em qualquer dos casos, os pareceres favoráveis das CAB têm de ser homologados pelos ministros da tutela e só no final do ano os trabalhadores serão notificados de que haverá concurso. O diploma que regulamenta a regularização das situações de precariedade no Estado ainda está para apreciação na Assembleia da República e será votado a 6 de Outubro, incluindo já propostas de alteração do PS, do BE e do PCP que alargam o âmbito do PREVPAP. Com Sérgio Aníbal