Podem as alterações climáticas acordar os vulcões?

Uma equipa de cientistas europeus estudou o período em que o Mediterrâneo não esteve ligado ao Atlântico e concluiu que isso pode ter levado ao aumento da actividade dos vulcões naquela região. Referem ainda que as alterações climáticas podem ter o mesmo efeito

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Turistas tiram fotografias ao vulcão Etna, na Sicília (Itália) REUTERS/Tony Gentile

Há mais de cinco milhões de anos, o estreito de Gibraltar esteve temporariamente fechado e o mar Mediterrâneo deixou de ter uma ligação ao oceano Atlântico. Isto levou a que o Mediterrâneo ficasse mais seco e que o nível do mar descesse. Cientistas suíços, franceses e espanhóis observaram um aumento da actividade vulcânica durante aquele período e construíram dois cenários. Num artigo científico na revista Nature Geoscience desta segunda-feira concluíram que a elevada actividade magmática pode estar ligada ao facto de o Mediterrâneo ter ficado com menos água. Dizem também que esta situação pode ser aplicada às alterações climáticas provocadas pelo humano e que hoje vivemos.

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Há mais de cinco milhões de anos, o estreito de Gibraltar esteve temporariamente fechado e o mar Mediterrâneo deixou de ter uma ligação ao oceano Atlântico. Isto levou a que o Mediterrâneo ficasse mais seco e que o nível do mar descesse. Cientistas suíços, franceses e espanhóis observaram um aumento da actividade vulcânica durante aquele período e construíram dois cenários. Num artigo científico na revista Nature Geoscience desta segunda-feira concluíram que a elevada actividade magmática pode estar ligada ao facto de o Mediterrâneo ter ficado com menos água. Dizem também que esta situação pode ser aplicada às alterações climáticas provocadas pelo humano e que hoje vivemos.

Sabe-se que durante o final da época do Mioceno o estreito de Gibraltar se fechou e isolou o mar Mediterrâneo do oceano Atlântico. Chama-se a esse período “a crise salina do Messiniano” e aconteceu entre há 5,96 milhões de anos e 5,33 milhões de anos. Nessa altura, houve um período de clima quente e seco que levou a um aumento da evaporação e à diminuição da água doce das bacias hidrográficas do Mediterrâneo. “Consequentemente, o nível das águas do Mediterrâneo baixou progressivamente e a concentração de sais nas águas remanescentes aumentou brutalmente levando à cristalização e a deposição dos sais dissolvidos”, explica José Madeira, geólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (que não fez parte deste trabalho).

Ao longo dos tempos, os cientistas têm encontrado vestígios dessa crise. Nos anos 70, descobriram níveis de sal muito espessos no leito do Mediterrâneo. Também encontraram desfiladeiros submarinos enormes do mesmo período, o que pode querer dizer que “rios”  circulavam na Terra nessa altura estão agora submersos. Tudo isto pode significar que o nível do Mediterrâneo era mais baixo. “Isto também aponta para o Mediterrâneo teve muito seco na altura, o que provocou enormes perturbações”, lê-se num comunicado da Universidade de Genebra, na Suíça. “Esta hipótese, contudo, continua a ser debatida.”

Agora voltou-se a estudar esta hipótese. Para tal, usaram-se modelos matemáticos para se calcular as mudanças na pressão em profundidade e o impacto da produção de magma. Analisaram-se dois cenários. No primeiro, tiveram em conta a crise salina acompanhada por uma drástica diminuição do nível do mar. No segundo, excluíram a descida do nível do mar. “As simulações mostraram que apenas uma das formas comprova o aumento da actividade vulcânica [a primeira] e que a redução do nível do mar Mediterrâneo foi de cerca de dois quilómetros”, diz Pietro Sternai, da Universidade de Genebra, em comunicado. “Deixo para a imaginação de cada um a representação dessa paisagem.”

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A linha branca na região do Mediterrâneo marca a sua actual costa hoje em dia, o azul corresponde às áreas submersas durante a crise salina, e os círculos vermelhos mostram os sítios e a intensidade da actividade vulcânica nesse período UNIGE

Os cientistas não nos descrevem as paisagens na altura, mas indicam-nos como seria a actividade vulcânica no Mediterrâneo. Quando acontece a erupção do vulcão, o magma esfria na superfície da Terra e os seus minerais cristalizam. Através desses vestígios, conseguiu-se perceber que existiram 13 erupções no Mediterrâneo nesse período. “Isso é mais de duas vezes a actividade média, que é cerca de 4,5 erupções”, refere o comunicado. “A única explicação lógica [para o nível da actividade] é a hipótese de que o mar foi secando. É o único acontecimento forte o suficiente para mudar a pressão na Terra e a produção magmática de todo o Mediterrâneo”, explica Pietro Sternai.  

Mudanças na carga da Terra

Além da crise de há mais de cinco milhões de anos, os cientistas também relacionaram este estudo ao impacto das alterações climáticas no nosso planeta. Como pode existir uma ligação entre o estudo e as alterações climáticas apenas com dados de há cinco milhões de anos? “As alterações climáticas implicam mudanças na carga [pressão exercida pela coluna de água ou da rocha] da superfície [da Terra] devido à erosão, formação ou derretimento de calotes de gelo continentais e está associado a mudanças no nível do mar”, explica Pietro Sternai ao PÚBLICO. Ou seja, para esta equipa de cientistas, as mudanças actuais na carga podem ser comparadas às que se identificaram durante aquela crise no Mediterrâneo. “O facto de o vulcanismo ter aumentado durante a crise salina implica que as variações da pressão na superfície devido às alterações climáticas possam afectar o vulcanismo nos continentes.”  

José Madeira diz que não há certezas se as alterações climáticas ampliam mesmo a actividade dos vulcões. “Pensa-se que as alterações climáticas podem contribuir para o aumento da instabilidade de grandes edifícios vulcânicos, como o aumento da temperatura e pluviosidade associados ao aquecimento global do clima após o final dos períodos glaciários, levando a um aumento da frequência dos episódios de colapso e respectivo incremento da actividade vulcânica”, diz ao PÚBLICO. Mas salienta: “Contudo, esta relação não foi ainda inequivocamente comprovada.”