Rendimento básico entusiasma mais os académicos do que os políticos
No arranque do congresso sobre rendimento básico, que decorre até quarta-feira em Lisboa, os partidos à esquerda anteciparam a falta de consenso sobre a implementação de um rendimento para todos, pago pelo Estado, em Portugal. Só o Livre apoia a experiência que o PAN quer fazer em Cascais.
Devem os cidadãos ter direito a receber um montante mensal pago pelo Estado, como garante de uma vida digna? O debate tem alguns anos, mas Portugal está longe de chegar a um consenso sobre a criação de um rendimento básico. O PAN — Pessoas-Animais-Natureza quer experimentá-lo em Cascais e o Livre apoia. O PS e o Bloco de Esquerda (BE) não têm uma posição definida. Mas os seus representantes duvidam que esta seja a melhor política para o país.
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Devem os cidadãos ter direito a receber um montante mensal pago pelo Estado, como garante de uma vida digna? O debate tem alguns anos, mas Portugal está longe de chegar a um consenso sobre a criação de um rendimento básico. O PAN — Pessoas-Animais-Natureza quer experimentá-lo em Cascais e o Livre apoia. O PS e o Bloco de Esquerda (BE) não têm uma posição definida. Mas os seus representantes duvidam que esta seja a melhor política para o país.
O congresso da Rede de Rendimento Básico (Bien) arrancou nesta segunda-feira na Assembleia da República, com um debate ao qual compareceram representantes de partidos da esquerda, e decorre até quarta, no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, com defensores de diferentes modelos e o relato de experiências internacionais. É organizado pela Associação Rendimento Básico Incondicional — Portugal, em parceria com várias universidades, o PAN e o movimento europeu pelo rendimento básico incondicional (Unconditional Basic Income Europe – Ubie).
Por cá, o PAN defende um rendimento básico incondicional (RBI) para todos. O partido português é dos que vai mais longe. Em grande parte das experiências em curso noutros países o rendimento básico destina-se, para já, a quem tem baixos rendimentos e/ou está desempregado. Em Ontário, no Canadá, por exemplo, um projecto-piloto envolve 3000 pessoas em idade activa, a maioria delas trabalhadores pobres.
Criar o RBI já era ideia do PAN nas eleições europeias de 2014. Há dois anos que é apoiada pelo Livre. No entanto, esta solução tem "tantas contradições e controvérsias que raramente é inscrita nos programas" dos partidos, constatou Hugo Mendes, membro do PS e adjunto do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
A proposta do PAN tem como base a ideia de que o trabalho remunerado já não é um direito para cada vez mais pessoas e é preciso garantir uma vida digna. Nesta questão, os quatro partidos concordam: importa encontrar soluções para a precariedade laboral, para o desemprego devido à crescente automação do trabalho e procurar a igualdade de oportunidades. A ideia é, por isso, distribuir a riqueza do país. E os quatro partidos defendem que, a haver um rendimento básico, este deve ser um complemento do Estado Social (sistema de Segurança Social, escola pública, serviço nacional de saúde e pensões), não um substituto. Depois disto, as opiniões dividem-se.
Hugo Mendes, que sublinha que fala a título pessoal, tem dúvidas, mas não rejeita que o RBI possa vir a ser necessário. Diz que a medida seria cara e difícil de agradar à maioria dos portugueses, por implicar “uma revolução cultural”, ao dizer que trabalhar não devia ser a única forma de contribuir para a sociedade.
E, mesmo que não concorde, o socialista acredita que “os partidos não podem descurar” o facto de as “pessoas valorizarem o trabalho” acima de qualquer outro critério quando se atribuem os subsídios sociais. Por outro lado, há o problema fiscal: “O mercado de trabalho oficial é o que mais contribuir para a base fiscal. Se as pessoas saíssem, não teríamos dinheiro”, disse Hugo Mendes, partilhando das dúvidas do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Em entrevista ao PÚBLICO, em Março, Vieira da Silva disse que tinha “sentimentos cruzados” sobre o RBI.
Hugo Mendes sugere, em alternativa, que se façam experiências para medir a aprovação dos portugueses. Por exemplo, tornar universais determinadas prestações sociais, como o abono de família.
Para o dirigente bloquista Ricardo Santana Moreira, um “RBI à portuguesa” seria “caro e ineficaz comparado com o Estado Social que temos. Hoje há a segurança dos serviços do Estado. Enquanto o RBI só beneficiaria o mercado”. Apoia, em vez disso, a redução do número de horas de trabalho, como forma de distribuir o emprego e, consequentemente, a riqueza.
Para Santana Moreira, o RBI pode ser “um erro trágico do ponto de vista ambiental”: “Nós damos dinheiro às pessoas e estamos a assumir que elas fazem as melhores escolhas, ecologicamente inteligentes."
Já para o deputado do PAN André Silva o RBI dá segurança aos trabalhadores, estimula o auto-emprego e protege o trabalho não remunerado. A medida, “inevitável”, serve ainda para antecipar as mudanças e despedimentos consequentes do aumento das indústrias automatizadas e robotizadas. Como seria pago? Aumentando a tributação de indústrias poluentes e diminuindo os gastos com parcerias público-privadas, sugere. O partido quer avançar com um projecto-piloto em Cascais, onde Francisco Guerreiro concorre à autarquia.
Luísa Alvares, do Livre, defende um rendimento incondicional para que “as pessoas possam dizer não aos trabalhos com os quais não concordam”. Dá o exemplo de cidades onde existem apenas indústrias de combustíveis fósseis e “os trabalhadores não têm alternativa.” O RBI seria, por isso, a oportunidade para fazer uma “reforma ecológica” do trabalho.
Optimismo lá fora
A maioria dos especialistas internacionais acredita que o movimento está a crescer, mas notam o cepticismo da classe política.
O economista britânico Guy Standing, um dos fundadores do Bien, vê o rendimento básico ser reconhecido não como uma medida assistencialista, mas como um “direito à subsistência”. Agora espera ver uma mudança no conceito de trabalho: “Devemos ter o direito de trabalhar, não o dever de trabalhar para um patrão.”
Para Evelyn Forget, economista canadiana, 2017 é “o derradeiro ano de experiência.” Mas “não dá para tirar conclusões do modelo que o vizinho aplicou, porque no nosso quintal é diferente”, repara a canadiana. Tem que se olhar para o contexto.
A sueca Lena Stark, vice-presidente do Ubie, está a criar um partido para colocar a discussão na agenda política no país. O cerne da questão é a distribuição da riqueza: “O dinheiro está lá. As pessoas têm que o saber distribuir para garantir a vida digna daqueles que não tiveram as mesmas oportunidades."