António Costa impediu investigação às secretas ao recusar levantar segredo de Estado, acusa DCIAP
Inquérito destinado a apurar legalidade da actuação dos Serviços de Informação da República Portuguesa teve de ser arquivado.
O Ministério Público viu-se impedido de investigar a legalidade da actuação dos serviços secretos portugueses por o primeiro-ministro não ter levantado o segredo de Estado. É isso que diz uma nota informativa do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) publicada esta tarde.
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O Ministério Público viu-se impedido de investigar a legalidade da actuação dos serviços secretos portugueses por o primeiro-ministro não ter levantado o segredo de Estado. É isso que diz uma nota informativa do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) publicada esta tarde.
Quando este departamento tentou investigar o recurso a práticas proibidas por lei pelos Serviços de Informação da República Portuguesa — como as intercepções telefónicas de telefones fixos e móveis, registo de som ambiente (nomeadamente conversas), bem como a intercepção de emails e a fotografia de pessoas fora do espaço público — viu-se confrontado com um obstáculo chamado segredo de Estado. Foi nele que se escudaram várias testemunhas que o Ministério Público tentou interrogar para não responderem às perguntas dos investigadores.
“Com vista a proceder à investigação, o Ministério Público solicitou ao primeiro-ministro o levantamento da classificação como segredo de Estado, classificação que decorre da lei. Tal pedido foi indeferido”, revela o DCIAP na mesma nota de imprensa.
“Face a este indeferimento, o Ministério Público viu-se impossibilitado de realizar outras diligências investigatórias, uma vez que, necessariamente, viriam a colidir com aquela classificação. Por se revelar não ser possível prosseguir as investigações, foi determinado o arquivamento” do processo, conclui o departamento chefiado por Amadeu Guerra.
Em causa estavam suspeitas dos crimes de abuso de poder e de instrumentos de escuta telefónica, ambos puníveis pelo Código Penal. Segundo a lei, quem comprar, vender ou detiver “instrumento ou aparelhagem especificamente destinados à montagem de escuta telefónica, ou à violação de correspondência ou de telecomunicações, fora das condições legais” é punido com pena de prisão até dois anos ou com multa.
As escutas continuam, de resto, a ser um assunto sensível no seio dos serviços secretos. Ouvida há poucos dias no Parlamento, a nova secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, Graça Mira Gomes, evitou dizer o que pensava sobre o tema. "Respeitarei o quadro legal existente", limitou-se a dizer.
O PÚBLICO tentou falar com os assessores de imprensa de António Costa esta terça-feira a propósito da nota de imprensa do DCIAP, mas sem sucesso.
As suspeitas de que os serviços de informações podiam estar a actuar à margem da lei surgiram durante o chamado julgamento das secretas, quando um dos arguidos, o ex-espião João Luís, contou em tribunal que existia nos Serviços de Informação da República Portuguesa material usado para fazer escutas. "Estive envolvido em várias dessas escutas", revelou em Janeiro de 2016 o antigo director operacional das secretas, que havia mais tarde de ser condenado pelos juízes a uma pena suspensa, tal como sucederia com o "superespião" Jorge Silva Carvalho. Os arguidos recorreram das condenações para o Tribunal da Relação de Lisboa, que ainda não se pronunciou.
Na sequência das revelações de João Luís a procuradora Teresa Almeida mandou extrair uma certidão do processo que estava em julgamento, que deu origem a nova investigação, desta vez não apenas a alguns dos elementos dos serviços de espionagem portugueses mas à actuação de todos os Serviços de Informação da República Portuguesa — até porque o próprio manual de procedimentos pelo qual se regiam estes profissionais incluiria até há poucos anos mais práticas proibidas por lei, como o acesso dos agentes secretos a dados confidenciais de terceiros provenientes de serviços de finanças e de operadoras de telecomunicações.
Durante o julgamento de Jorge Silva Carvalho e João Luís o primeiro-ministro acedeu a levantar o segredo de Estado que impendia sobre determinados assuntos relacionados com os serviços de espionagem, mas não desclassificou todas as matérias requeridas pelo tribunal. O que fez com que os juízes não tenham conseguido apurar responsabilidades em relação a um dos crimes de que era suspeito o superespião, a entrega de informações confidenciais a uma jornalista sobre a reparação de quatro aviões líbios em Alverca em 2011, numa altura em que o Conselho de Segurança da ONU já tinha aprovado sanções contra o governo de Khadafi.