Macron vai alterar o discurso?
Os resultados das eleições alemãs foram tudo aquilo que o Presidente francês não esperava e, muito menos, desejava.
1. Nas capitais europeias, o tempo é ainda das formalidades. Ninguém quebrou o silêncio. Cada país olhará da sua maneira para os resultados das eleições alemãs. Mas, provavelmente, a grande maioria dos governos não desejava o enfraquecimento da chanceler com a qual se habituaram a trabalhar e que foi, apesar de tudo, um foco de estabilidade nos anos conturbados da crise. Acordaram para uma Alemanha completamente diferente.
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1. Nas capitais europeias, o tempo é ainda das formalidades. Ninguém quebrou o silêncio. Cada país olhará da sua maneira para os resultados das eleições alemãs. Mas, provavelmente, a grande maioria dos governos não desejava o enfraquecimento da chanceler com a qual se habituaram a trabalhar e que foi, apesar de tudo, um foco de estabilidade nos anos conturbados da crise. Acordaram para uma Alemanha completamente diferente.
Emmanuel Macron é um caso à parte. Tem muito mais em jogo. Foi, com certeza, o que dormiu pior. Telefonou à chanceler na noite de domingo para lhe dar os parabéns pela vitória, mas é improvável que a conversa tenha ficado por aí. Os resultados das eleições alemãs foram tudo aquilo que o Presidente francês não esperava e, muito menos, desejava. Fará hoje o seu anunciado discurso sobre Europa, com a pompa e circunstância habituais. Falará na Sorbonne perante uma plateia de estudantes europeus. Emendou o discurso? Será mais prudente nas suas propostas sobre a reforma da zona euro? Sobre a defesa e a segurança? Temos de aguardar. O que se sabe é que o Presidente, que foi apresentando algumas das suas ideias sobre a reforma do euro, tinha escolhido a data do seu discurso para dois dias depois das eleições alemãs com uma clara intenção: “sentar-se à mesa” das negociações do novo governo alemão, para fazer parte da discussão sobre a Europa. Fez bem? Alguns dos seus conselheiros tentaram dissuadi-lo quanto à data. Mas também é preciso perceber que o seu programa político tem duas metades inseparáveis: reformar a França e reformar a Europa, num ciclo que se alimentaria mutuamente. Tinha prometido a Merkel as reformas que bloqueiam a economia francesa (já fez uma das mais importantes) e o cumprimento da meta do défice já este ano, a troco de uma nova dinâmica europeia, com mais partilha dos riscos e mais instrumentos para fazer face a choques assimétricos no futuro. Em que medida este binómio fica posto em causa, só se saberá quando as negociações alemãs tiverem mais avançadas. Para esse objectivo, o Presidente francês apostava num cenário alemão que acabou por não acontecer. Queria uma chanceler mais forte e um governo pronto a iniciar funções, de preferência com os sociais-democratas, cuja visão europeia não se afasta muito da sua. Não foi isso que saiu das urnas. É um revés inesperado, para ele e para muitos outros governos europeus que esperaram pacientemente pelas eleições alemãs para começar a discutir qual pode ser o caminho a seguir depois da maior crise de sempre da União Europeia. Tomaram consciência de que vão ter de esperar mais algum tempo. Havia uma dinâmica, que o Presidente da Comissão ajudou a criar com o seu discurso sobre estado da União, que a eleição de Macron prometia e que os bons resultados económicos alimentavam, que se quebrou. Não é só o tempo. Cresce a incerteza sobre o que vai querer o país mais poderoso da Europa e aquele que mais condiciona o seu destino. O FDP regressa ao governo mais eurocéptico, como se nada se tivesse passado na resolução da crise do euro. Christian Lindner já disse que rejeita qualquer orçamento da zona euro (parte da proposta de Macron, à qual Merkel já dera tímido um sinal positivo), e tudo o que se pareça com “transferências” de recursos para o Sul. Fala como se nada tivesse acontecido na sua ausência. O Presidente francês voltou ontem a dizer que um orçamento para a zona euro será necessário “em devido tempo” e que tenciona iniciar o processo de discussão já amanhã (hoje).
Merkel vai exigir mais aos seus parceiros na distribuição do fardo dos refugiados, o argumento que terá dado à extrema-direita o resultado que obteve. A Polónia e a Hungria estão na mira. Como no "Brexit", os imigrantes e os refugiados tornaram-se na questão central da política alemã, muito mais do que a economia.Com pleno emprego e um crescimento razoável, não foi por aqui que a AfD foi buscar tantos votos. O problema existe em quase todos os países europeus.
2. A Alemanha está habituada aos consensos, que são, de resto, o seu modo de vida. A simples hipótese de os Verdes ou os Liberais aceitaram sem qualquer problema a possibilidade de governarem em conjunto é a medida disso mesmo. A nível interno, a chanceler ofereceu aos Verdes o fim do nuclear e o empenho numa indústria automóvel menos dependente do petróleo. Os Liberais insistem na digitalização da economia, que nesta matéria é uma das mais atrasadas da Europa. Merkel não diz outra coisa. Pode encontrar um entendimento sobre um programa interno e obter contrapartidas na questão europeia. Além disso, nenhum partido pode ficar indiferente à presença de 93 deputados da extrema-direita no Bundestag.
Merkel vai enfrentar a sua última prova, que será mais difícil do que provavelmente tinha previsto. Não se trata de poder governar por mais quatro anos. Isso é fácil. Trata-se de saber o que fará com eles. Seja como for, as eleições alemãs foram um sério revés para a Europa que a Europa gostaria muito de ter dispensado.