Primeiro dia da extrema-direita começa com cisão
Figura-chave do partido mas crítica da liderança, Frauke Petry será deputada independente, criticando líder que disse que a AfD ia “caçar” Merkel.
Pela primeira vez na história do pós-guerra, um partido de extrema-direita entra no Parlamento com uma força expressiva, conseguindo 12,6% dos votos nas eleições de domingo. Mas não demorou nem 24 horas para se iniciar o que parece ser uma cisão, com a co-líder, Frauke Petry, a anunciar que não se juntará ao grupo parlamentar do partido e ficará deputada independente.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Pela primeira vez na história do pós-guerra, um partido de extrema-direita entra no Parlamento com uma força expressiva, conseguindo 12,6% dos votos nas eleições de domingo. Mas não demorou nem 24 horas para se iniciar o que parece ser uma cisão, com a co-líder, Frauke Petry, a anunciar que não se juntará ao grupo parlamentar do partido e ficará deputada independente.
A tensão entre radicais e mais radicais tem sido uma constante no partido. Petry, química e empresária de Dresden, afastou a liderança anterior, do economista Bernd Lucke, levando o partido mais para a extrema-direita (Luke era apenas anti-resgates aos países do euro) aproveitando a entrada de quase um milhão de refugiados no país em 2015.
Petry, que uma vez declarou que a polícia alemã deveria poder disparar sobre os refugiados que atravessassem a fronteira, é agora considerada da ala menos extremista – defendeu a expulsão de um político que questionou a cultura alemã de lembrar o Holocausto. Também criticou um dos cabeças de lista do partido, Alexander Gauland, por este ter prometido, na noite eleitoral, “caçar” Angela Merkel, com uma proposta de inquérito parlamentar à decisão da chanceler permitir a entrada de refugiados.
Esta segunda-feira, saiu de forma intempestiva da conferência de imprensa do seu partido anunciando que não se juntava ao grupo parlamentar – e espera-se agora se mais alguns eleitos se juntam a ela. Para já, apenas o fizeram quatro num parlamento de um dos estados-federados.
A luta interna na AfD era esperada e é apontada como uma das razões para a sua provável ineficácia em termos políticos, mesmo entrando no Parlamento. Outra é que o partido não tem suficientes pessoas qualificadas (afinal, são 94 deputados que entram agora no Parlamento nacional; o partido tem ainda presença em 14 parlamentos dos estados-federados).
Mas, como nota o analista do GMF em Berlim, Joerg Forbrig, a entrada no Parlamento dar-lhes-á acesso a fundos e lugares em instituições que os cimenta como um partido nacional e que não desaparecerá tão depressa, antecipa.
Se o partido é de extrema-direita, nem todos os seus eleitores são: 55% de quem votou na AfD acha que o partido não se distancia suficientemente de afirmações de extrema-direita, segundo um inquérito feito pela televisão pública ARD. E 85% dos entrevistados viram este partido como o único meio de fazer um voto de protesto.
Quem votou na AfD, mostrou preocupação sobretudo com a influência da imigração e do islão na identidade e cultura alemãs: 99% dos eleitores da AfD disseram que o partido “percebeu melhor do que os outros que as pessoas já não se sentem seguras”, e também concordam com acções para “diminuir a influência do islão na Alemanha”. Outros 96% acham bem que sejam impostos limites à vinda de refugiados.
Isto faz cair o mito de que é um partido de protesto de pessoas precárias ou pobres. Não, como tinha já mostrado o inquérito de Richard Hilmar, estes eleitores têm medo de perder a sua posição no trabalho e na sociedade, e sentem que a sua vida e o seu país está fora de controlo. Muitos têm rendimentos altos e também um nível de educação acima da média. A AfD tem de assegurar que mantém estes votos de extrema-direita, uma base relativamente estável, enquanto ganha os votos de protesto e de medo, uma base mais volátil.
O partido conseguiu a maioria dos seus votos de pessoas que não tinham antes votado, 1,2 milhões, e cerca de um milhão de votos de antigos eleitores da CDU (os democratas-cristãos da chanceler Angela Merkel, que venceram as eleições), 500.000 do SPD (os sociais-democratas de Martin Schulz, partido de centro-esquerda) e outros 500.000 do Die Linke (esquerda).
A votação da AfD no Leste, nos estados-federados da antiga República Democrática Alemã, foi ainda muito maior do que no Ocidente. Vários factores explicam esta diferença: o Leste foi muito menos exposto a imigração durante a altura da ex-RDA e o sistema comunista desencorajava o debate social; muitos alemães de Leste sentiram-se perdidos quando o seu país desapareceu e se juntaram à República Federal, contribuindo para o desejo de manutenção de uma identidade; muitos cargos importantes em instituições políticas ou empresas no Leste foram ocupados por alemães ocidentais, algo que é ainda apontado como causa de ressentimento.
Todos os partidos se questionam agora como lidar com a AfD – e os jornalistas também. O partido usou o estatuto de pária a seu favor, vitimizando-se, ao mesmo tempo que ia ciclicamente chocando para assegurar o máximo de atenção mediática: quando Gauland disse, por exemplo, que os alemães deveriam poder orgulhar-se dos soldados nas duas guerras, ou que a ministra da Cultura deveria ser deitada fora na Anatólia (de origem turca, a ministra nasceu em Hamburgo). E há quem suspeite que um email racista de Alice Weidel em que esta chama “porcos” aos governantes alemães possa ter vindo do próprio partido.
Angela Merkel, cujos comícios durante a campanha foram marcados por manifestantes gritando “traidora”, disse que quer ganhar de volta os eleitores da AfD – prometendo ouvir as suas preocupações e medos. Mas também disse que o fará através de boas políticas.
Os principais protagonistas da AfD
Alexander Gauland
Vindo do partido democrata-cristão de Angela Merkel, o político de 76 anos tem uma preferência por casacos de tweed de quando morou na Escócia (onde foi assessor de imprensa do consulado alemão em Edimburgo). É o mais incendiário do duo de candidatos principais, com declarações como “ninguém quer ter Jérôme Boateng [futebolista cujo pai é do Gana] como vizinho”.
Alice Weidel
Economista, antiga consultora do banco Goldman Sachs, Weidel (38 anos) é a mais improvável das candidatas (fez duo com Gauland nesta campanha): é lésbica, e vive na Suíça (ou entre a Suíça e a Alemanha) com a sua companheira, originária do Sri Lanka, com quem cria dois filhos. Mais, segundo o jornal Die Zeit, Weidel teria tido uma síria a trabalhar ilegalmente na sua casa na Suíça.
Frauke Petry
Frauke Petry, 42 anos, empresária de Dresden formada em química, foi quem levou o partido à sua identidade anti-imigração, afastando a antiga liderança que era apenas anti-política de resgate do euro. Foi perdendo influência no partido para membros ainda mais extremistas. Protagonizou agora a primeira cisão, no dia a seguir às eleições, anunciando que será deputada independente.