João Lourenço promete combater a corrupção que “grassa no Estado”. Portugal deixou de ser prioritário

O sucessor de José Eduardo dos Santos comprometeu-se a “promover o progresso social de todos os angolanos”. Marcelo Rebelo de Sousa foi muito aplaudido mas Portugal ficou fora do discurso de 47 minutos.

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A passagem de testemunho, com Eduardo dos Santos a entregar o colar presidencial a Lourenço João Mavinga/Lusa

Como esperado, a oposição não esteve presente e a cerimónia realizou-se em tom de festa, com muitos aplausos e sorrisos. João Lourenço é a partir de agora o terceiro Presidente de Angola. Na tomada de posse, apresentou o lema para o seu mandato: “Renovação e transformação na continuidade, melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, uma declaração de vontades susceptível de diferentes interpretações, dada a sombra de José Eduardo dos Santos, que escolheu o sucessor e permanece na liderança do MPLA.

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Como esperado, a oposição não esteve presente e a cerimónia realizou-se em tom de festa, com muitos aplausos e sorrisos. João Lourenço é a partir de agora o terceiro Presidente de Angola. Na tomada de posse, apresentou o lema para o seu mandato: “Renovação e transformação na continuidade, melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, uma declaração de vontades susceptível de diferentes interpretações, dada a sombra de José Eduardo dos Santos, que escolheu o sucessor e permanece na liderança do MPLA.

Foi um discurso repleto de promessas, quase sempre as mesmas feitas na campanha para as eleições de Agosto. Um discurso em que o novo chefe de Estado pretende claramente sugerir que haverá um corte com o passado, ao defender a luta contra a corrupção ou melhorias na liberdade de imprensa. O problema é que o passado é na verdade presente e combater o clientelismo e a apropriação dos recursos do país por parte das elites implica “enfrentar os pesos pesados do seu próprio partido”, o MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), como sublinha a revista Economist.

Não só Eduardo dos Santos é Presidente emérito – e garantiu para si próprio imunidade judicial e uma reforma correspondente a 90% do que era o seu salário – como deixou bem instalado o seu clã, com Isabel dos Santos à frente da petrolífera Sonangol e José Filomeno dos Santos na presidência do Fundo Soberano. “Vai ser interessante observar como são tratados os membros da família”, dizia ao PÚBLICO antes das eleições o analista Alex Vines, do think tank Chatham House, defendendo que “não se deve subestimar a capacidade de Lourenço começar a impor a sua autoridade”.

A assistir à tomada de posse, no Memorial António Agostinho Neto (primeiro Presidente angolano), em Luanda, estiveram membros das Forças Armadas e milhares de apoiantes, assim como quase 30 chefes de Estado e de Governo, muitos deles africanos, mas também representantes enviados por Moscovo, Londres ou Berlim, para além do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e de outros convidados portugueses, como Paulo Portas (mas não o primeiro-ministro, António Costa).

Um mês depois das eleições e com os resultados finais por apresentar (Lourenço terá obtido 61%), a oposição, que tentou impugná-los, fez questão de estar ausente. Ouvidos pelo serviço português da Voz da América, dirigentes da UNITA (que terá conseguido 26,7%) e da coligação CASA (9,5%) insistem que Eduardo dos Santos será “o outro Presidente”. “O antigo continua a mandar em tudo: entregou as instalações da antiga Assembleia Nacional ao genro [Sindika Dokolo], está a escolher as chefias militares do país e inaugurou uma obra ao soldado desconhecido com milhões e milhões, enquanto o soldado conhecido tem fome”, acusa o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda.

Corrupção e interesse nacional                                                                       

O novo Presidente angolano promete lutar contra a corrupção que “grassa nas instituições do Estado”, sublinhando que o interesse nacional tem de estar acima de interesses particulares ou de grupo: “É nossa responsabilidade construir uma Angola próspera”.

Lourenço descreveu o “impacto negativo directo no Estado” da corrupção, defendendo que esta ameaça “os alicerces do país”. Por isso mesmo, afirma, esta será “uma das mais importantes frentes de luta dos próximos anos”.

Aposta na juventude

Os jovens até aos 24 anos são 63% da população angolana – e se tivessem votado em massa dificilmente os resultados seriam os anunciados até agora pela Comissão Eleitoral. O eleitorado do MPLA é essencialmente rural e constituído por quem tem mais vivas as memórias da guerra civil.

Talvez por isso, o novo chefe de Estado prometeu investir na educação e formação técnica e profissional dos jovens. A juventude, disse, “estará no centro da nossa atenção porque apostar nos jovens é apostar no futuro”.

Liberdade de imprensa

Num país onde jovens activistas são detidos e acusados de quererem derrubar o Presidente por se encontrarem para discutir livros e política, João Lourenço defendeu uma “maior abertura da comunicação social”, prometendo reforçar os órgãos públicos “para que levem uma informação fidedigna a todo o território angolano”.

E para deixar claro que estava mesmo a falar de liberdade de imprensa e da quase ausência de críticas ao poder, admitiu “que há muito por fazer, estamos longe de atingir o ideal”. Logo depois, desafiou os órgãos público a “aprenderem a viver com a crítica e a diferença de opiniões, e a provocarem o debate de ideias”.

Política externa sem Portugal

“Angola dará primazia a importantes parceiros, tais como os Estados Unidos, a China, a Federação Russa, Brasil, a Índia, o Japão, a Alemanha, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Coreia do Sul e outros parceiros não menos importantes, desde que respeitem a nossa soberania”, afirmou o recém-empossado Presidente. A ausência de Portugal, principal origem das importações angolanas, não passou desapercebida. Mais: a referência ao respeito da “soberania” de Angola e, mais à frente no discurso, a defesa “dos princípios da não-ingerência nos assuntos internos”, dificilmente teriam outro destinatário.

Marcelo Rebelo de Sousa preferiu descrever as relações entre os dois países como “muito boas”, como provaram os aplausos recebidos pelo Presidente português quando o seu nome foi anunciado na cerimónia de tomada de posse. Uma “ovação impressionante, de longe a maior, e [que] não foi a mim, foi a Portugal”, defendeu.

Nada que faça esquecer a tensão dos últimos meses, com o Governo de Luanda a reagir muito mal às investigações que decorrem em Portugal e envolvem dirigentes e antigos altos cargos do Estado angolano. Enquanto Lourenço tomava posse, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português confirmava ter recebido “uma nota verbal” de repúdio por causa da constituição como arguido, por corrupção activa, do ex-vice de Eduardo dos Santos, Manuel Vicente, que Luanda diz ter imunidade e só ser obrigado a responder perante a justiça do seu país.