Curdistão: o motor da independência trabalha a petróleo

A base da economia do território são as suas vastas reservas de petróleo, ao nível de países como a Nigéria. Mas a sua exploração está também no centro de disputas com Bagdad e desperta a ambição estrangeira.

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Estátua de homenagem aos pershemerga, à entrada de Kirkuk Reuters/AKO RASHEED

Os livros de História estão já fartos de dar a mesma lição, mas ela volta a aplicar-se ao Curdistão iraquiano, onde o petróleo é simultaneamente uma bênção e uma maldição. O dinheiro das exportações é fundamental para manter à tona as aspirações de construção de um Estado viável, mas é também uma porta aberta para o conflito.

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Os livros de História estão já fartos de dar a mesma lição, mas ela volta a aplicar-se ao Curdistão iraquiano, onde o petróleo é simultaneamente uma bênção e uma maldição. O dinheiro das exportações é fundamental para manter à tona as aspirações de construção de um Estado viável, mas é também uma porta aberta para o conflito.

Os números não enganam quanto à importância do petróleo para a economia da região autónoma. No ano passado, o Curdistão produziu mais de 544 mil barris por dia e a consultora Rystad, citada pela Bloomberg, projectava uma média superior a 602 mil para 2017 – semelhante à produção diária do Qatar. Estima-se que as reservas no território tenham a capacidade para produzir 45 mil milhões de barris, superior às reservas de petróleo da Nigéria.

Desde 2007 que as autoridades locais têm tentado atrair investidores estrangeiros, mas a oposição do Governo central iraquiano tem dificultado a missão. Bagdad proíbe as empresas que comprem petróleo curdo de operar noutras regiões do país e já chegou mesmo a processar algumas petrolíferas. Porém, desde 2002 o território fechou vários contratos com empresas de média dimensão que não conseguiam entrar no mercado iraquiano.

Em 2011, a entrada do gigante norte-americano ExxonMobil dá um impulso adicional à economia curda. “Em Dezembro de 2012, a quase totalidade da área controlada pelo governo regional estava licenciada”, de acordo com um estudo da Universidade de Oxford.

Actualmente é através de um oleoduto que desemboca no porto turco de Ceyhan, no Mar Mediterrâneo, que o Curdistão consegue comercializar o seu petróleo. Mas o Governo central tem acusado as autoridades regionais de estar a exportar quantidades superiores àquelas que tem reportado junto do Ministério do Petróleo em Bagdad. A manipulação destes dados terá levado o Iraque a falhar as metas de corte de produção decididas pela Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), segundo o primeiro-ministro, Haider al-Abadi.

Outro dos pontos contenciosos entre Erbil e Bagdad é o controlo sobre Kirkuk, uma importante cidade petrolífera que fica fora das fronteiras da região autónoma, mas que está sob controlo curdo desde Junho de 2014, quando as forças curdas expulsaram o Daesh.

O jogo da Turquia

A evolução política do Curdistão é também muito seguida pelas potências da região, com destaque para a Turquia. O Governo de Ancara tem um equilíbrio difícil de manter em relação à ambição independentista curda. Se, por um lado, a criação de um Estado soberano curdo nas suas fronteiras poderá dar força às pretensões do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), contra quem Ancara está em guerra aberta, por outro, há laços estreitos estabelecidos com os curdos iraquianos de que o oleoduto é a principal expressão.

“Desde 2003, a Turquia tem vindo a aceitar lentamente a inevitabilidade da independência curda, embora uma que seja altamente alinhada com Ancara e que se torne numa relevante fonte de gás natural e num importante tampão entre a Turquia e um Governo de Bagdad próximo do Irão”, escreve na Al-Jazira o analista da Brookings Institution, Ranj Alaaldin.

O Financial Times escrevia que a proposta de referendo será “um teste para a relação” entre o Curdistão iraquiano e a Turquia. O Governo turco deixou em aberto a ameaça de fechar o oleoduto caso a consulta seja realizada, mas os custos para a própria economia turca podem não justificar a medida. “A Turquia irá condenar retoricamente o referendo mas não irá, provavelmente, encerrar a fronteira ou os oleodutos de exportação de petróleo vitais para o Curdistão”, diz o analista Michael Knights do Washington Institute.

A Rússia também se tem posicionado no intrincado xadrez curdo, que envolve política e recursos naturais. A petrolífera estatal Rosneft e o governo regional assinaram este Verão vários acordos para a exploração de reservas no território.