O que é que Star Trek faz hoje na televisão?

Quase tudo. Discovery tem boas críticas, responde a uma comunidade de fãs expectante e é um exemplo de como funciona a TV sem um televisor. Nova série estreou-se esta segunda no Netflix.

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Star Trek: Discovery reúne os ingredientes de uma série não só do século XXI, mas de uma operação televisiva de 2017 – é um regresso a um produto e universo bem conhecido, é uma estreia global, é uma cartada para as plataformas de streaming e uma aposta de nicho com uma legião ferrenha de fãs. Há Klingons, naves da Federação e, para algo não completamente diferente, a influência de Breaking Bad ou The Walking Dead.

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Star Trek: Discovery reúne os ingredientes de uma série não só do século XXI, mas de uma operação televisiva de 2017 – é um regresso a um produto e universo bem conhecido, é uma estreia global, é uma cartada para as plataformas de streaming e uma aposta de nicho com uma legião ferrenha de fãs. Há Klingons, naves da Federação e, para algo não completamente diferente, a influência de Breaking Bad ou The Walking Dead.

Apesar da sua história atribulada – a série viu a sua estreia atrasada, quase não conseguiu a sua protagonista, Sonequa Martin-Green, e ficou sem um dos seus talismãs de produção, Bryan Fuller —, Discovery parece ter a estreia desejada. O optimismo da criação original dos anos 1960 de Gene Roddenberry contagia a confiança em Discovery, pela qual se torce em várias comunidades. Está em quase 200 países e alguns dos críticos mais respeitados dão-lhe as boas-vindas — “Mantém o legado do famoso drama espacial”, diz Robert Lloyd no Los Angeles Times; “é uma obra de ficção científica inteligente e rara”, elogia Matt Zoller Seitz no Vulture; “brilha”, segundo Liz Shannon Miller no Indiewire; mesmo com falhas, que todos reconhecem aqui e ali, Sonequa Martin-Green “tem o fervor e carisma inatos para fazer o papel funcionar”.

Doze anos depois da última presença televisiva de Star Trek, e depois de um ressuscitar do franchise também no cinema, Discovery é também um regresso aos valores pioneiros de Star Trek que tanto querem dizer ao público de hoje. Um elenco multirracial liderado por Martin-Green depois da sua saída de The Walking Dead, e por Michelle Yeoh, entre outros, mas também uma história de esperança em tempos difíceis — e a arte de um bom negócio. Há uma nova nave, uma líder que não tem patente para o ser, uma ameaça Klingon e mundos diferentes e milhões investidos para ir, por exemplo, filmar à Jordânia a cena de abertura.  

Mas também há uma produção, e um discurso oficial, que não esquecem nunca o momento em que estão. “Como se honra o optimismo e a esperança de Star Trek e se reflecte um momento brutal?”, perguntou retoricamente Alex Kurtzman, um dos criadores da nova série, ao New York Times, sobre o processo criativo na origem de Discovery. “Isso é uma razão para fazer uma série de televisão”, considerou, acrescentando: “O mundo tornou-se bastante horrível nos últimos dois anos. Mais do que nunca, à medida que o mundo se tornava mais negro, as pessoas precisam de Star Trek”.

Espelho do optimismo dos anos 1960 na sua origem, Star Trek: Discovery também não esquece que 2017 não é só um tempo de fracturas sociais e políticas, é uma era de televisão dispersa. Há muito para ver, onde ver e há um certo tipo de produto para ver. Há uma aposta segura nos nomes e franchises que já se conhecem, fazem-se derivados, sucedâneos ou prequelas como Discovery. O prestígio está na televisão por subscrição e em narrativas que marcaram os últimos anos.

Akiva Goldsman, vencedor do Óscar por Uma Mente Brilhante, é um dos produtores executivos da série e explica que esta nova encarnação de Star Trek, que televisivamente era feita de episódios com histórias mais independentes entre si, vai seguir a tendência internacional. “Não voltamos ao início todas as semanas. Porque a serialização replica a vida”, diz, evocando a influência de Breaking Bad, A Guerra dos Tronos e The Walking Dead tanto na duração quanto no seu lado impiedoso. São, portanto 15 episódios muito mais serializados e num modelo ainda pouco explorado de exibição.

A série está entre as primeiras a serem desenvolvidas para a plataforma CBS All Access, o serviço de streaming por assinatura do canal de sinal aberto CBS – o campeão de audiências de CSI ou A Teoria do Big Bang, mas também de The Good Wife. O seu spinoff, The Good Fight, seguiu o mesmo modelo que Star Trek: Discovery. O primeiro episódio estreou-se domingo à noite na televisão convencional e os 14 episódios seguintes só estarão online.

Em jogo está também o trono das assinaturas – “Discovery é vista como A Grande [série] que pode mexer a agulha das subscrições” do serviço da CBS, escreve James Hibberd na Entertainment Weekly, mas também como um acontecimento planetário em que os assinantes do Netflix, como os do mercado português, podem ver a série em simultâneo. O Netflix não divulga o valor gasto para ter o exclusivo da série em 188 países, mas chama-lhe um acordo de licenciamento internacional que é “um marco”. Os episódios novos estreiam-se semanalmente, 24 horas depois de surgirem no CBS All Access nos EUA. 

A assinatura da CBS custa cerca de seis dólares por mês; a subscrição média do Netflix em Portugal é de 10 euros por mês. Nos EUA, a CBS All Access tem cerca de 2 milhões de subscritores; a Netflix tem 54 milhões. O número de assinantes em Portugal não é fornecido pela empresa, mas um relatório da Anacom relativo a 2016 indicava que apenas 2% dos portugueses com dez anos ou mais anos subscrevia o Netflix.  

A plataforma liderada por Ted Sarandos conseguiu ainda os 727 episódios das outras séries Star Trek e o programa de conversa sobre cada episódio novo, disponibilizado também todas as semanas.

“As pessoas também pagam por A Guerra dos Tronos. Ninguém se queixa disso. Isso agora torna-se o nosso padrão”, diz Alex Kurtzman ao Times. Segundo a Hollywood Reporter, a ideia é criar uma “versão premium” da marca do canal generalista, nomeadamente, como disse o responsável da CBS Interactive, Marc DeBevoise, com as tais histórias mais serializadas.