O mais trágico dos devassos
O Anjo Pornográfico conta o exagero de uma vida sem que isso seja caricatural. É a biografia da contradição de um escritor que não tem dó do homem que o alimentou. Em ambos viveu o mesmo génio.
Durante a conversa com Ruy Castro sobre o seu modo de biografar, ele repete várias vezes a necessidade de ser verdadeiro, objectivo, não embarcar em suposições. O dever do biógrafo é contar os factos e construir uma narrativa capaz de dar vida à personagem de que trata. Mas a vida dele, não a vida do biografado. O biografado está lá no estilo que impõe ao texto o que, no caso de Castro, é um estilo limpo, contaminado pela prosa jornalística, assertiva, irónica e, porque, como referiu, a mão às vezes lhe foge, vai tendendo para expressões rodriguianas no processo de escrita. Exemplifica: “Quando uma pessoa é forçada a ir para algum lugar, alguém a arrasta e ela vai resistindo, ele escrevia que essa pessoa era levada pedalando o ar de tanto fugir.” Castro fala de um “desesperômetro” pequeno-burguês que desafiava o caminho para classificar o modo como Nelson Rodrigues era visto a entrar no novo cinema brasileiro no início da década de 70. Ele escrevia sobre tudo e levava a tragédia e a contradição da sua vida para o que escrevia. Eram os olhos de um apaixonado, sempre. “Se a narrativa de O Anjo Pornográfico lembra às vezes um romance é porque não há outra maneira de contar a história de Nelson Rodrigues e da sua família, escreve Ruy Castro na introdução do livro que se lê com o fôlego, o efeito surpresa, a emoção e o sentido poético da grande literatura com um protagonista que desafia todas as convenções.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Durante a conversa com Ruy Castro sobre o seu modo de biografar, ele repete várias vezes a necessidade de ser verdadeiro, objectivo, não embarcar em suposições. O dever do biógrafo é contar os factos e construir uma narrativa capaz de dar vida à personagem de que trata. Mas a vida dele, não a vida do biografado. O biografado está lá no estilo que impõe ao texto o que, no caso de Castro, é um estilo limpo, contaminado pela prosa jornalística, assertiva, irónica e, porque, como referiu, a mão às vezes lhe foge, vai tendendo para expressões rodriguianas no processo de escrita. Exemplifica: “Quando uma pessoa é forçada a ir para algum lugar, alguém a arrasta e ela vai resistindo, ele escrevia que essa pessoa era levada pedalando o ar de tanto fugir.” Castro fala de um “desesperômetro” pequeno-burguês que desafiava o caminho para classificar o modo como Nelson Rodrigues era visto a entrar no novo cinema brasileiro no início da década de 70. Ele escrevia sobre tudo e levava a tragédia e a contradição da sua vida para o que escrevia. Eram os olhos de um apaixonado, sempre. “Se a narrativa de O Anjo Pornográfico lembra às vezes um romance é porque não há outra maneira de contar a história de Nelson Rodrigues e da sua família, escreve Ruy Castro na introdução do livro que se lê com o fôlego, o efeito surpresa, a emoção e o sentido poético da grande literatura com um protagonista que desafia todas as convenções.
Organizado cronologicamente, O Anjo Pornográfico percorre de forma exaustiva e cheia de imagens a vida de um homem, quinto entre 14 irmãos, que desafiou as normas desde cedo e se habituou a olhar pelo buraco da fechadura tudo o que lhe iam dizendo ou que ele intuía que não podia ser visto; capaz de morrer de amor várias vezes e ressuscitar outras tantas para morrer outra vez. São 500 páginas onde o que se conta é a espantosa vida de um homem, o “tarado de suspensórios”, “um perigo a ser evitado”. E nesse espanto cabe tudo. Ou quase. Sexo, morte, fome, doença, traição, ciúme, pobreza, vaidade, prisão, filhos, irmãs apaixonadas, um pai tirano...
Foram 68 anos que começaram a 23 de Agosto de 1912, no Recife, e terminaram a 21 de Dezembro de 1980, no Rio de Janeiro, cidade onde Nelson Rodrigues viveu quase toda a sua vida e faz parte da sua identidade. Uma identidade, sublinhe-se, onde faz sentido aplicar o temo exagero. Não havia meio termo, modorra, coisas tépidas na existência de alguém tão amado e odiado, de quem um amigo disse: “Com o Nelson, só a tiro!” Aos olhos da normalidade tudo parece um exagero. O sucesso e o fracasso, como num romântico fora de tempo. Ruy Castro traz o homem e faz querer ler a sua obra. É lê-la e depois agradeçam-lhe por tudo isso.