May pede à UE um período de transição de pelo menos dois anos

No discurso em Florença assumiu, pela primeira vez, que quer manter acesso ao mercado único até 2021. Líderes europeus comedidos na reacção às cedências para acelerar negociações do divórcio.

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Theresa May Reuters/POOL

A primeira-ministra britânica assumiu que o Reino Unido quer manter o acesso ao mercado único pelo menos nos dois anos seguintes à saída da União Europeia, continuando a respeitar durante este período de transição as leis comunitárias, incluindo a liberdade de circulação. Num discurso em que quis falar sobretudo do futuro – e da “ambição” e “criatividade” necessárias para estabelecer uma “parceria especial” com os europeus –, Theresa May fez cedências que podem ajudar a desbloquear as negociações do divórcio, ao assegurar que Londres “irá honrar os compromissos [financeiros] que assumiu enquanto Estado-membro” e vai reforçar as garantias dadas aos cidadãos europeus já residentes no Reino Unido.

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A primeira-ministra britânica assumiu que o Reino Unido quer manter o acesso ao mercado único pelo menos nos dois anos seguintes à saída da União Europeia, continuando a respeitar durante este período de transição as leis comunitárias, incluindo a liberdade de circulação. Num discurso em que quis falar sobretudo do futuro – e da “ambição” e “criatividade” necessárias para estabelecer uma “parceria especial” com os europeus –, Theresa May fez cedências que podem ajudar a desbloquear as negociações do divórcio, ao assegurar que Londres “irá honrar os compromissos [financeiros] que assumiu enquanto Estado-membro” e vai reforçar as garantias dadas aos cidadãos europeus já residentes no Reino Unido.

É ainda cedo para perceber se as palavras ditas por May em Florença respondem aos pedidos dos líderes europeus para que Londres explique claramente aquilo que pretende das negociações. E só na segunda-feira, quando os negociadores britânicos e europeus se voltarem a sentar à mesa em Bruxelas, se perceberá ao certo se os passos que deu são suficientes para quebrar o actual impasse. As primeiras reacções não foram, para já, entusiásticas.

Manfred Weber, líder do Partido Popular Europeu e aliado da chanceler alemã, Angela Merkel, escreveu no Twitter que “o discurso não trouxe mais clareza sobre as posições britânicas”. “Estou ainda mais preocupado agora”, acrescentou, lembrando que o tempo previsto no artigo 50 do Tratado de Lisboa para a conclusão das negociações “está a esgotar-se mais depressa do que Londres pensa”. Também o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, disse não ter ouvido “nada que possa mudar o jogo” e permitir que as negociações possam avançar para a segunda fase.

Michel Barnier, o líder da equipa de negociadores europeus, incumbido pela UE de responder oficialmente ao discurso, foi mais comedido. Saudou o “espírito construtivo” da intervenção, mas sublinhou que as palavras de May têm de traduzir-se “em posições negociais concretas” e lembrou também que a UE continua a insistir que “só quando houver progressos suficientes sobre as áreas centrais” da primeira fase das negociações (a que diz respeitos aos arranjos da saída britânica) será possível discutir o futuro.

Dinheiro e cidadãos

Estivessem as discussões a avançar a bom ritmo e esta decisão poderia já ser tomada na cimeira europeia de 19 de Outubro. Mas desde Junho pouco foi conseguido nos três capítulos que a UE definiu como essenciais, o que obrigou May a fazer concessões – limitadas, mas essenciais – em relação ao que já tinha proposto.

Reafirmou que os três milhões de europeus que estão no Reino Unido “devem continuar as suas vidas como até aqui” e, para reforçar as garantias já dadas, promete que o acordo que vier a ser negociado com a UE será incorporado na legislação britânica. está também está disposta a que, no futuro, as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia possam ser tidas em conta pelos tribunais britânicos.

Sobre o outro grande factor de disputa – a chamada “factura do divórcio” – May considerou “exagerados” alguns dos montantes que têm sido falados, mas assumiu (mesmo sem mencionar a verba) que pagará os 20 mil milhões de euros da contribuição britânica para o orçamento em vigor até ao final de 2020. Este montante não incluiu outros compromissos (incluindo o pagamento de pensões ou projectos não incluídos no orçamento), mas a primeira-ministra britânica abriu a porta a mais cedências durante as conversações em Bruxelas, ao dizer que quer “encontrar formas de em conjunto com a UE continuar a promover o desenvolvimento no continente” europeu.  

Transição limitada no tempo

Com os ponteiros do relógio a acelerar em direcção à saída, May deu também um passo que os europeus já esperavam, mas que não será fácil de vender aos eleitores que votaram a favor do “Brexit”. Dirigindo-se a estes, assegurou que no dia 29 de Março de 2019, dois anos depois de ter accionado o artigo 50, o Reino Unido deixará de ser membro da UE, mas não terá ainda nas mãos um acordo comercial com os actuais parceiros, pelo que, a bem das empresas e dos cidadãos, será preciso negociar um período de transição durante o qual os dois lados “devem continuar a aceder aos mercados um do outro”.

Uma fase que, garante, será “limitada no tempo” – “as considerações actuais é que deve ser um período de dois anos”, embora possa vir a ser maior – mas que terá de respeitar “a actual estrutura de regras e regulamentos da UE”. Para que não restassem dúvidas, sobre o preço a pagar para continuar a ter acesso ao mercado único europeu, May afirmou: “Durante o período de implementação, as pessoas vão continuar a poder vir para o Reino Unido para viver e trabalhar”, ainda que ficando obrigadas a registar-se junto dos serviços de imigração.

Esta proposta para a transição, que no essencial mantém o actual status quo, vai ao encontro daquilo que tem sido defendido pelo ministro das Finanças, Philip Hamond, que se assumiu como o principal porta-voz dos receios das empresas britânicas, em pânico com a possibilidade de uma saída da UE antes de estar definido um novo enquadramento. Uma vitória para a ala moderada do executivo, que levou Nigel Farage, o ex-líder do partido antieuropeu UKIP e um dos principais responsáveis pela vitória do “Brexit”, a acusar May de se pôr ao lado “daqueles que só querem sair da UE no papel”.

Mas se no médio prazo, a líder conservadora se coloca ao lado de Hamond, a sua actual visão de futuro está mais próxima de ministros como Boris Johnson ou Michael Gove, seus rivais internos e defensores de um “hard Brexit”. Disse que não está nos seus planos um acordo de comércio com a UE que inclua a imposição de tarifas alfandegárias e afirmou estar convicta que as duas partes serão capazes de negociar um tratado muito “mais ambicioso” do que aquele que acaba de ser assinado com o Canadá.

No entanto, afirma que não quer um modelo semelhante ao da Noruega, que a troco do acesso ao mercado único contribui para o orçamento da UE e está obrigado a respeitar a livre circulação de trabalhadores e os regulamentos europeus. “Creio que essa perda de controlo democrático não iria funcionar para o povo britânico”, afirmou a líder conservadora, cumprindo aquela que, segundo a imprensa britânica, foi a principal condição imposta por Johnson para lhe dar o seu apoio. E com isso manter unido o frágil executivo conservador.