Superavit orçamental e a destruição do mérito

Se tomarmos o diferencial de receitas e despesas de todos os estabelecimentos de ensino superior público, temos um superavit de 67 milhões. É compreensível?

Falemos sobre Orçamento do Estado, abordando questões de desequilíbrio e gestão. Por exemplo, na Universidade de Coimbra (UC), o reitor opôs-se à resolução da precariedade dos investigadores, e produziu um regulamento ilegal (criticado pelo provedor de Justiça) procurando reduzir duramente o vencimento dos docentes precários. Ora, em 2016, a UC apresentou um superavit de 19 milhões de euros. A este valor acrescem nove milhões, para um total de 28 milhões de euros desde 2015. Perante esta realidade, é compreensível a perseguição aos mais frágeis?

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Falemos sobre Orçamento do Estado, abordando questões de desequilíbrio e gestão. Por exemplo, na Universidade de Coimbra (UC), o reitor opôs-se à resolução da precariedade dos investigadores, e produziu um regulamento ilegal (criticado pelo provedor de Justiça) procurando reduzir duramente o vencimento dos docentes precários. Ora, em 2016, a UC apresentou um superavit de 19 milhões de euros. A este valor acrescem nove milhões, para um total de 28 milhões de euros desde 2015. Perante esta realidade, é compreensível a perseguição aos mais frágeis?

Noutro exemplo, na Universidade do Porto, o reitor avançou com os contratos de trabalho sem remuneração e os diretores de diversas faculdades denunciaram publicamente uma situação de rutura financeira. Contudo, o ano de 2016 resultou num superavit de sete milhões de euros. A soma em saldos chega já aos 100 milhões.

Temos ainda o exemplo da FBAUL (Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa), em que a situação de dificuldade contrasta com o superavit de 19 milhões de euros da Universidade de Lisboa. Quem ganha com isto?

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O gráfico transmite parte da disparidade orçamental no Ensino Superior e que acontece no sistema com o subfinanciamento mais grave da OCDE. O que vemos é um lastro de desigualdade.

Se é conhecida a realidade precária do emprego académico e científico, existem outras questões que não são menores, e que têm vindo a contribuir para a desvalorização do valor do mérito. Um exemplo concreto é a situação dos docentes, que ganharam concursos para categorias superiores, mas que permanecem com os vencimentos das categorias abaixo. Se há quem considere que nas universidades a meritocracia vale zero, tem aqui mais um facto.

Mas há mais. Durante anos, os docentes e investigadores têm sido submetidos a um sistema de avaliação que deveria relevar o mérito, mas que a base é o papel. Qual papel? O comprovativo. Qual comprovativo? Uma delícia burocrata.

Aqueles que ainda assim conseguem navegar no labirinto dos pontos (muitos para cargos de gestão) e acumulam valores de Excelente têm recebido como prémio a não promoção. Arrastados seguem o impacto social, a captação de financiamento, as publicações de referência, bem como o trabalho de gestão, investigação e lecionação em que quase todos se encontram assoberbados.

Note-se, se tomarmos o diferencial de receitas e despesas de todos os estabelecimentos de ensino superior público temos um superavit de 67 milhões. É compreensível? Porque há um nível de insulto que se junta ao já grave, o orçamento das instituições mais frágeis não apresenta as suas reais dificuldades. Têm de mendigar reforços orçamentais. Acatam sob ameaça. Essa parte não surge na Conta Geral do Estado. Repita-se: o pior subfinanciamento da OCDE.

Cada cêntimo deste superavit representa alguém que trabalhou diretamente para conquistar bons resultados e foi explorado. Não há espaço para palavras meigas perante estes resultados. Há muito a mudar e não passa só pela fórmula de financiamento. Acentuar desigualdades foi fácil. O sistema mantém-se sobre forte pressão, preso a lógicas antigas, onde o mérito é muitas vezes atropelado. É preciso e vamos mudá-lo.

Em 2018, temos de repor o valor do mérito. Não o das avaliações automáticas de Excelente que os reitores e presidentes de politécnico reservaram para si próprios. O mérito efetivo, daqueles que no dia-a-dia constroem um melhor Ensino Superior e Ciência. Esses são a razão fundamental para os verdadeiros bons resultados.

Nota final. Alguns dos críticos da Lei do Emprego Científico já falam agora em oportunidade. Ainda bem. Mas, ainda assim, o Instituto Superior Técnico não resistiu a subverte-la e, em vez de contratos para bolseiro, quer usar o financiamento para progressões de categoria. Isto quanto tem um superavit de seis milhões de euros. Haja desfaçatez.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico