A Criação, uma série que faz a RTP preparar-se para o impacto
Os publicitários são animais e os consumidores as “pessoas tipicamente concretas”. O ex-publicitário Pedro Bidarra escreveu, o discurso evoca a irreverência. Muito barulho por nada?
“Vamos obviamente sentir as ondas de choque”, diz o director de programas da RTP1, Daniel Deusdado, sobre a nova série que o canal estreia dia 19. A Criação ou vai gerar “um enorme aplauso e/ou muita gente não vai aderir”, acrescentou o responsável numa apresentação cujo ambiente pode resumir-se como uma preparação para o impacto de sorriso no rosto. A comédia do publicitário Pedro Bidarra é a primeira série que a RTP vai pôr integral e imediatamente online e alia o seu truque – as personagens dos profissionais de publicidade são animais – a um tom preventivamente auto-depreciativo.
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“Vamos obviamente sentir as ondas de choque”, diz o director de programas da RTP1, Daniel Deusdado, sobre a nova série que o canal estreia dia 19. A Criação ou vai gerar “um enorme aplauso e/ou muita gente não vai aderir”, acrescentou o responsável numa apresentação cujo ambiente pode resumir-se como uma preparação para o impacto de sorriso no rosto. A comédia do publicitário Pedro Bidarra é a primeira série que a RTP vai pôr integral e imediatamente online e alia o seu truque – as personagens dos profissionais de publicidade são animais – a um tom preventivamente auto-depreciativo.
“É uma comédia, espero eu que não seja uma tragédia”, diz Bidarra ao PÚBLICO, cinco anos após a escrita dos primeiros episódios e depois de Nuno Artur Silva, administrador com a pasta de conteúdos na RTP, ter repescado a sua ideia para A Criação. “Chegamos ao fim deste processo e só vejo defeitos”, continua Pedro Bidarra, antes de os actores enfiarem os seus fatos de Urso, Cão, Galinha, Ratinha, Girafa ou Ovelha e interpretarem um par de cenas no Cinema São Jorge. Espera que os espectadores “se riam. E tendo em conta a regra da comédia que é funny beats mean, tudo o que é mauzinho e torto e politicamente incorrecto se tiver piada, está justificado, se não tiver piada paciência. É porque é mau”.
Muito barulho por nada? O PÚBLICO viu o primeiro episódio, cheio de Sexo e Pudim e falas como “eu nunca comi um arquétipo. Mas já comi um Abade de Priscos” ou “esses gajos são uns animais”. A série passará às 22h50 e os dez episódios estão já disponíveis no RTP Play. Deusdado comparou o “risco” de programar esta série ao de O Último a Sair (2011), um sucesso que inicialmente se confundiu com um verdadeiro reality show na estação pública. E insere-a na busca de diferentes linguagens para o horário tardio, no qual no dia 28 às 00h30, mas na RTP2, estreia também a série de ficção 4Play, que “tem como pano de fundo todos os bares onde se vende álcool, todas as casas de banho onde se consomem substâncias ilícitas e todas as camas onde se é bem íntimo – tudo à boleia de personagens irreverentes e boémias”, como descreve o canal.
A Criação é uma comédia animalesca, uma farsa sobre as “artes comerciais”, publicitários e clientes, profissionais das indústrias criativas e “pessoas tipicamente concretas”, como diz a certa altura na série um desses especialistas em vender coisas às gentes. “A ideia de que todos os envolvidos são animais tem um lado irónico óbvio e metafórico”, explica Pedro Bidarra. “E ao mesmo tempo tem uma forma de farsa, porque todo aquele processo é… farsola, como é tudo o que é invenção”, ri-se. Mais para a frente há sexo e casos entre os animais, a Ratinha é brasileira e o Pequeno Robô é o único não-animal da equipa porque é o director de marketing - um não-criativo, o fiel da balança.
“São tudo uma série de coincidências. O Pequeno Robot é uma homenagem a muitos directores de marketing que eu tive - é papel do director de marketing ser o arauto da convenção perante as enormidades que lhe são apresentadas. Quanto à Ratinha ser brasileira, eu trabalhei com imensos directores e produtores que eram brasileiros, portanto é uma homenagem também. E ratinha é uma ratinha.”
A carreira de Bidarra como publicitário terminou em 2012. Até lá foi responsável por pôr Cristiano Ronaldo a marcar pelo BES, meninas a entregar gás leve ou pela campanha “O Zé faz falta” de José Sá Fernandes nas autárquicas de 2007. Escreveu sobre o que conhece, considera este mundo da publicidade e das agências uma bolha. É daí que vêm algumas das personagens – o Urso é o director criativo, a Girafa a gestora de contas, a Ratinha produtora, o Corvo e o Cão são criativos. A Criação, produzida pela Até ao Fim do Mundo, deve o seu nome a um termo que representa tanto, ajuda o dicionário, o “conjunto da obra do Ser supremo” quanto a “produção intelectual de grande mérito” ou a “propagação das espécies dos animais domésticos”.
Fonte da irritação do historiador José Pacheco Pereira, por exemplo, que há uns meses escrevia no PÚBLICO como os jornais diários “parecem mostrar um país de abundantes ‘criadores’ em todas as artes, de que um ano depois não há qualquer rastro”, Bidarra concorda que “criativo é um adjectivo. Passou a substantivo nesta profissão, estupidamente”. Mas, trava-se o ex-publicitário, “se calhar estou a intelectualizar isto demais, isto são bichos”. Intelectualizando um pouco mais, e num contexto de séries como BoJack Horseman ou Wilfred em que os animais são nossos amigos, a ideia de fazer um comentário tipo Triunfo dos Porcos para a sociedade de consumo passou-lhe pela cabeça? A Criação “é uma farsa sobre as indústrias criativas, sobre o marketing, sobretudo sobre os processos que deterioram ideias até virar uma estupidez”, responde apenas o autor.
Aponta para os jovens actores, peluches gigantes que são os protagonistas de focinho basbaque da série sobre a qual as expectativas de polémica parecem tão amplificadas que a maior surpresa pode ser aceitação ou a indiferença. “Uma zona de risco”, frisava Daniel Deusdado na presença de Nuno Artur Silva ou do presidente da administração da RTP, Gonçalo Reis.