Situações especiais no "novo IMI" levantam mais dúvidas de constitucionalidade

Quando os prédios inscritos nas matrizes prediais não têm NIF associado, aplicam-se as regras previstas para as empresas, mesmo se o contribuinte for singular.

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Paulo pimenta

Com a aproximação do fim do prazo para os contribuintes de elevado património pagarem o adicional do IMI, a administração fiscal veio explicar como é que o imposto se aplica às situações especiais em que os imóveis inscritos nas matrizes prediais não têm associado o Número de Identificação Fiscal (NIF) do contribuinte. Nestes casos, é considerado o titular que consta do verbete, aplicando-se a taxa prevista para as pessoas colectivas, mesmo que o contribuinte em causa seja uma pessoa singular.

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Com a aproximação do fim do prazo para os contribuintes de elevado património pagarem o adicional do IMI, a administração fiscal veio explicar como é que o imposto se aplica às situações especiais em que os imóveis inscritos nas matrizes prediais não têm associado o Número de Identificação Fiscal (NIF) do contribuinte. Nestes casos, é considerado o titular que consta do verbete, aplicando-se a taxa prevista para as pessoas colectivas, mesmo que o contribuinte em causa seja uma pessoa singular.

A orientação dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) aos serviços é colocada em causa pelo fiscalista Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que não só não compreende o motivo desta imposição, como diz estar-se perante uma violação “dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva”.

Recorde-se que, quando o Governo lançou o adicional do IMI para tributar o valor global do património de valores mais elevados, criou uma diferenciação de taxas e regras para contribuintes singulares e empresas. Neste último caso, a taxa é de 0,4%, mais baixa do que a dos singulares, mas aplicada à soma do património, sem a dedução dos 600 mil euros que existe para os singulares. É esta última regra que se aplica quando os prédios inscritos nas matrizes “não possuem a identificação do sujeito passivo com o respectivo número de identificação fiscal”, mesmo se o sujeito passivo for uma pessoa singular.

Para Fernandes Ferreira – que publicou uma nota sobre esta questão no site do seu escritório de advogados (RFF) – não há razão para o fisco impor este tratamento, porque a administração tributária “verifica (ou pode verificar) pelo verbete tratar-se de pessoa singular”. Se está habilitada a identificar o titular pelo verbete “para assim o tributar como se de pessoa colectiva se tratasse, caso o contribuinte seja pessoa singular não se alcança motivo para tal imposição”, argumenta.

A tributação das pessoas singulares de acordo com o regime aplicável às pessoas colectivas, entende, “parece constituir novo pecado praticado pelo legislador, por violar os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva e por poder constituir novo imposto-sanção, sendo medida que o Estado de Direito não deverá também tolerar”.

Uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças sobre os anos de 2011 a 2014, homologada pelo anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, a 13 de Julho, já concluíra que há “um número significativo de prédios apenas com o número de verbete, sem NIF associado, dificultando, assim, a identificação dos seus titulares”. A IGF não refere quantas situações são, mas considerou este facto relevante para alertar para a sua dimensão. Na mesma auditoria, adverte que não foi promovido um “saneamento de matrizes prediais relativas a imóveis que sofreram modificação e cujos proprietários não cumpriram as obrigações declarativas inerentes”.

Fernandes Ferreira já tinha identificado outro “pecado original” no AIMI, relacionado com a necessidade de os contribuintes apresentarem uma declaração sobre a forma de pagamento do imposto, quando as Finanças já têm essa informação nas declarações de IRS. Segundo o jurista é questionável, sobretudo “do ponto de vista constitucional, a opção legislativa de uma obrigação declarativa pela tributação conjunta, incluída no regime do AIMI, que revela um ‘expediente’ só possível de justificar com o objectivo de obtenção de receitas fiscais adicionais, assim ilegítimas, por o legislador criar um ónus artificial (um ‘alçapão’) que o Estado de Direito e os princípios constitucionais da confiança e da proporcionalidade (no sentido de adequação ao fim ilegítimo a que se destina) certamente não irão tolerar, exigindo a intervenção dos Tribunais Tributários e do Tribunal Constitucional”.

Para este ano, o Governo prevê que o Estado arrecade 130 milhões de euros com o AIMI.