As associações distritais no futebol e o Tribunal Arbitral do Desporto
Não temos dúvidas de que nem as associações distritais exercem poderes públicos, nem o TAD é competente, em geral, para os respectivos litígios.
Num período em que se discutem alterações ao Decreto-Lei n.º 248-B/2008, na redacção da Lei n.º 101/2017 (Regime Jurídico das Federações Desportivas), pretendemos abordar um dos problemas estruturais deste diploma, que tem gerado intensos combates jurídicos nos tribunais.
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Num período em que se discutem alterações ao Decreto-Lei n.º 248-B/2008, na redacção da Lei n.º 101/2017 (Regime Jurídico das Federações Desportivas), pretendemos abordar um dos problemas estruturais deste diploma, que tem gerado intensos combates jurídicos nos tribunais.
Independentemente da opinião que se tenha sobre o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), não é possível ignorar quer a sua jurisprudência, quer os constantes problemas jurídicos que dela se podem extrair.
Neste sentido, é nossa intenção problematizar – de um modo transversal e aplicável a qualquer modalidade – a polémica que envolve o TAD e a sua competência para apreciar os conflitos resultantes do contencioso eleitoral das associações distritais de futebol.
A revogação expressa do artigo 31.º do RJFD, aquando da alteração deste regime em 2014, apresenta-se como fortemente polémica, tendo os seus efeitos sido discutidos não só nos tribunais judiciais, mas também no TAD. De facto, as dúvidas resultantes desta alteração legislativa são de tal monta que tendo decorridos vários meses desde o início das eleições das associações distritais, ainda não existiu, em alguns casos, solução jurídica para os conflitos que derivados destes actos eleitorais.
Dispunha o artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 – posteriormente revogado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014 – que: “as associações a que se refere o presente artigo exercem, por delegação da federação desportiva em que se inserem, as funções que lhes são atribuídas”. Por conseguinte de acordo com a lei, e a nosso ver, as associações distritais podiam exercer poderes públicos desde que existisse um acto de delegação das federações desportivas (ente que originariamente exerce os poderes públicos). É uma situação similar à que sucede, por exemplo, com as relações entre a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal.
Ora, desde 2014, na sequência de alterações legais ao RJFD, deixou de existir esta possibilidade expressa de delegação de poderes públicos. Assim, coloca-se a questão de determinar em que jurisdição podem ser tutelados os conflitos decorrentes, em geral, da actuação de regulação das associações distritais e, em especial, aqueles que se relacionam com o contencioso eleitoral. São competentes os tribunais estaduais ou o TAD? Caso sejam os primeiros, são os tribunais administrativos ou os judiciais?
A pedra de toque está em saber, num primeiro momento, se as associações distritais exercem, perante o quadro legal instituído no RJFD, sequer poderes públicos e se, portanto, actuam com prerrogativas de Direito Público ou se, pelo contrário, se regem como o faz, em regra, qualquer associação somente pelo Direito Privado.
Da nossa parte, conforme explicámos em A Resolução de Conflitos Desportivos em Portugal, Almedina, 2017 (pp. 251 e 252), a inexistência de uma norma legal expressa que habilite a possibilidade de exercer poderes públicos implica que as associações distritais se passem a reger completamente pelo Direito Privado e, neste sentido, inexista a competência do TAD para resolver estes conflitos (p. 464).
Pelo contrário, o TAD, num sentido que já seguiu, por exemplo, no processo n.º15/2016, nomeadamente, num caso entre o Amora Futebol Clube e a Associação de Futebol de Setúbal, vem agora solidificar a sua jurisprudência, em sentido contrário ao que defendemos, no caso que envolveu a Associação de Futebol de Coimbra, nomeadamente, no processo n.º 5/2017.
A decisão que contou com a votação de quatro árbitros, dos quais dois votaram vencidos, mas, ainda assim, aceitando a argumentação que criticamos.
O primeiro argumento do TAD assenta na ideia de que o artigo 4.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 74/2013, com a redacção da Lei n.º 33/2014, atribui a possibilidade de “impugnação de decisões finais de outras entidades cujas finalidades sejam desportivas”, a par das federações desportivas e das ligas profissionais. Todavia, entendemos que o mesmo não colhe, na medida em que entendemos a competência do TAD, em sede de arbitragem necessária, como indissociável do exercício dos poderes públicos.
O segundo argumento assume que “a Associação de Futebol de Coimbra é uma associação de âmbito territorial integrada na estrutura organizatória e de funcionamento das federações nos termos dos artigos 26.º e 31.º” do RJFD, reiterando que “sempre se teria de admitir que as decisões dos respetivos órgãos fossem impugnadas junto do TAD, nos mesmos termos em que o são as decisões dos órgãos das federações desportivas”. O cerne da questão está na aplicação do artigo 31.º do RJFD, o qual se encontra expressamente revogado, não sendo possível concluir – como faz o TAD – que, no caso concreto, estamos perante “a aplicação de normas respeitantes à democracia eleitoral da Associação de Futebol de Coimbra, cuja natureza jurídico-administrativa se afigura indiscutível”.
Dito isto, não temos dúvidas de que nem as associações distritais exercem poderes públicos, nem o TAD é competente, em geral, para os respectivos litígios.
Discordamos, assim frontalmente da jurisprudência do TAD, sendo que, segundo consta inclusivamente da decisão daquele tribunal, é também esta a orientação de uma decisão do tribunal de primeira instância e, posteriormente em sede de recurso, do Tribunal da Relação de Coimbra no que respeita à eleição da Associação de Futebol de Coimbra, tendo ambos os tribunais considerado ser competentes para apreciar a questão.