Cirurgia plástica que apaga rugas da testa também pode tratar enxaqueca

Equipa da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Centro Hospitalar de São João realizou, pela primeira vez em Portugal, uma cirurgia plástica minimamente invasiva para o tratamento de cefaleias.

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O cirurgião António Costa Ferreira, Maria José Gonçalves e a anestesista Antónia Trigo Cabral Nelson Garrido

“Se é para curar as dores de cabeça, abra-a ao meio, o que for preciso”. Foi esta a reacção de Maria José Gonçalves quando o cirurgião plástico António Costa Ferreira, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e médico no serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva do Centro Hospitalar São João (no Porto), lhe sugeriu fazer uma intervenção que poderia resolver o grave problema de enxaquecas que tinha. Trata-se de uma cirurgia plástica, um lifting frontal que atenua as rugas da zona da testa, e que, desta vez, foi realizada com uma indicação clinica, e não com um objectivo estético. “É a primeira vez que esta cirurgia é usada em Portugal para o tratamento de cefaleias”, refere António Costa Ferreira.

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“Se é para curar as dores de cabeça, abra-a ao meio, o que for preciso”. Foi esta a reacção de Maria José Gonçalves quando o cirurgião plástico António Costa Ferreira, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e médico no serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva do Centro Hospitalar São João (no Porto), lhe sugeriu fazer uma intervenção que poderia resolver o grave problema de enxaquecas que tinha. Trata-se de uma cirurgia plástica, um lifting frontal que atenua as rugas da zona da testa, e que, desta vez, foi realizada com uma indicação clinica, e não com um objectivo estético. “É a primeira vez que esta cirurgia é usada em Portugal para o tratamento de cefaleias”, refere António Costa Ferreira.

Maria José Gonçalves está sentada no hall de entrada para o bloco de Cirurgia e começa por dizer que não gosta de se expor, prefere passar despercebida. “Mas, desta vez, vale a pena. Saber que posso ajudar algumas pessoas que tenham o mesmo problema já é o suficiente para estar aqui a dar a cara”, diz a bonita mulher de 44 anos. O problema, conta, tem quase 20 anos e resume-se a dores de cabeça intensas. “Começaram quando tinha mais ou menos 20 anos e era todos os dias, de manhã à noite. O meu filho tem 19 anos e não me conhece sem óculos escuros. Cresceu a zangar-se comigo por não conseguir brincar com ele”, diz.

Mas, talvez mais ainda do que as dores de cabeça, doeu-lhe sobretudo a indiferença e ironia de quem não acreditava no seu problema. “Diziam-me que não era normal ter dores de cabeça todos os dias, que não conheciam ninguém assim.” Fez de tudo, jura. Fez todo o tipo de exames, foi a consultas com neurologistas, à consulta da Dor, experimentou acupunctura, tomou “todos os comprimidos que se possa imaginar”. “Se me dissessem que comer terra me resolvia aquelas dores de cabeça, também o teria feito.”

Quando Maria José foi referenciada pelo oftalmologista para uma consulta com o cirurgião plástico António Costa Ferreira o assunto não eram as dores de cabeça. “Precisava de fazer uma cirurgia à pele das pálpebras que estava a afectar-me a visão”, explica a esteticista, que chegou à consulta acompanhada do seu historial clínico. O médico estranhou a longa lista de medicamentos que tomava diariamente e questionou-a sobre as dores de cabeça.

António Costa Ferreira tinha encontrado a candidata perfeita para realizar a cirurgia que treinou anos antes nos EUA. A operação que foi feita a Maria José é uma operação que, de base, foi concebida para um fim diferente que não era o tratamento de enxaquecas, explica o cirurgião ao PÚBLICO. “É uma operação feita na testa com uma técnica endoscópica, com incisões de muito pequena dimensão, que são escondidas no couro cabeludo. Através dessas incisões opera-se a região frontal, a nossa testa, até às sobrancelhas. Esta operação chama-se lifting frontal endoscópico e foi desenvolvida no fim da década de 80, início da década de 90, nos EUA, por um médico chamado Luis Vasconez, com quem estive a treinar-me durante um ano.”

Reza a história que os doentes submetidos à operação e que antes sofriam com crises de cefaleias regressavam ao consultório médico sem dores de cabeça. Um efeito secundário inesperado e, claro, muito bem recebido. A reacção dos doentes foi investigada. Há vários artigos publicados em revistas científicas da especialidade de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva onde são descritos os resultados de estudos que avaliaram o impacto desta operação no tratamento de cefaleias.A enxaqueca é a cefaleia primária mais conhecida e incapacitante.

“Segundo estes estudos, mais de 80% dos doentes que realizaram esta intervenção ficam completamente curados ou com uma redução drástica na frequência de crises e da intensidade dos sintomas”, nota o cirurgião plástico. Um estudo publicado em Fevereiro de 2011 por uma equipa de especialistas de Cleveland, e que foi apresentado em 2009 na reunião anual da Associação Americana de Cirurgiões Plásticos, especificava que num um grupo de 69 doentes, que foram submetidos a uma cirurgia deste tipo e que foram seguidos durante cinco anos, 61 (88%) tiveram resultados positivos. Deste grupo, vinte pessoas (29%) afirmaram que as cefaleias tinham desparecido por completo e 41 (59%) experimentaram uma “significativa redução” da frequência e intensidade das crises.

Aparentemente, a intervenção acaba por desactivar certas zonas que actuam como gatilhos para as dores de cabeça. Neste caso específico, os pontos críticos estarão na rigidez de músculos situados na região da testa e a intervenção, sem o objectivo estético, é feita com ligeiras adaptações. Um dos primeiros testes a fazer, adianta António Costa Ferreira, é experimentar o efeito de uma injecção de botox na zona das rugas que surgem entre as sobrancelhas. 

Assim, explica ainda o médico, a cirurgia consiste em “seccionar os músculos situados na região frontal do crânio (corrugador e procerus), e libertar os nervos adjacentes, nomeadamente o nervo supraorbitário e supratroclear (situados na parte superior do olho)”. Antecipando um eventual entusiasmo com este tipo de resposta para o problema, António Costa Ferreira avisa que o procedimento só é indicado para alguns doentes (que não respondem aos fármacos, por exemplo) e que deve ser sempre antecedido por uma consulta com o neurologista a quem cabe a decisão de o referenciar para esta cirurgia.  

A operação de Maria José Gonçalves foi realizada no dia 8 de Junho. Desde essa altura, as dores de cabeça não voltaram. “É o paraíso”, conclui, numa frase que repete várias vezes ao longo da conversa. Mostra as pequenas marcas da recente intervenção e um sorriso. Não se importa. Ainda não consegue andar com a carteira sem comprimidos, mas garante que não tem precisado deles. “Tomei um iboprufeno numa altura difícil em que tive de passar 30 horas sem dormir nem comer, mas foi uma excepção. Desde Junho tive dores de cabeça umas quatro vezes, mas nada comparado com o que tinha antes, resolveu-se com um paracetamol”, descreve, sublinhando que agora “só” tem de aguentar com as cefaleias “de origem hormonal” que a fazem sofrer desde os 13 anos, quando teve a primeira menstruação.

Agora, Maria José ri mais e disfarça muito menos. “Isto é uma janela para procurar ajuda, pelo menos tentar.” António Costa Ferreira não tem mais nenhuma cirurgia deste tipo agendada para os próximos tempos. Mas, temos a certeza, candidatos não vão faltar.