Tensão inédita na campanha alemã

Acertaram em Angela Merkel com um tomate e a chanceler continuou a falar como se nada fosse. Nos comícios da Alternativa para a Alemanha (extrema-direita) a tolerância é mais limitada.

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"Merkel tem que sair", diz o cartaz no comício da AfD Reuters

As imagens de comícios da CDU vão-se repetindo e o que se ouve já não é a voz calma da chanceler, Angela Merkel, a concorrer a um quarto mandato. Ouvem-se gritos e apitos. Num comício recente, alguém atirou tomates. Um acertou. O casaco de Merkel era vermelho, se não fosse o close-up da câmara, ninguém diria que tinha sido atingida - Merkel continuou como se não tivesse acontecido nada.

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As imagens de comícios da CDU vão-se repetindo e o que se ouve já não é a voz calma da chanceler, Angela Merkel, a concorrer a um quarto mandato. Ouvem-se gritos e apitos. Num comício recente, alguém atirou tomates. Um acertou. O casaco de Merkel era vermelho, se não fosse o close-up da câmara, ninguém diria que tinha sido atingida - Merkel continuou como se não tivesse acontecido nada.

O clima de tensão é inédito em campanhas eleitorais na Alemanha moderna. Os comícios não costumam ser marcados por discórdia ruidosa de opositores – o mais longe que alguém levou os ataques foi o partido satírico Die Partei com um dos seus slogans “Merkel é parva”.

Mas Merkel é agora alvo de ódio. Numa entrevista publicada este sábado por jornais do grupo de media Funke, entre os quais o Berliner Morgenpost, as perguntas à chanceler centram-se em dois temas principais: os protestos nos seus comícios e a política de refugiados.

Merkel parece encolher os ombros em relação aos protestos, repetindo apenas que é preciso ouvir estas pessoas, ainda que elas próprias não queiram ouvir, e embora a capacidade de diálogo seja essencial para a democracia.

Disse Merkel na entrevista: “Estes comícios são importantes para mim, para dar força àqueles que mesmo assim aparecem, apesar dos que vêm provocar distúrbios e gritar, e que querem formar a sua própria opinião.”

“Orgulho na Wehrmacht”

A tensão também foi palpável na sexta-feira num pequeno comício do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha num subúrbio de Berlim. Lá fora, um pequeno grupo de manifestantes faz barulho. E um grupo de militantes do partido de centro-esquerda SPD opta por entregar folhetos e conversar com quem quer. “Não estamos a tentar roubar a atenção, mas apenas a mostrar que não existe só a AfD”, diz um deles.

O espaço para a acção da AfD não é muito grande – tem capacidade para umas 300 pessoas – e está praticamente cheio. É um salão bonito, com palco, cortinas, candeeiros antigos. Mas nota-se a presença de seguranças especialmente atentos, virados ostensivamente de costas para o orador, o candidato Alexander Gauland, e a olhar para o público.

É uma mudança enorme em relação à campanha das últimas eleições, quando eram um partido novo e focado na oposição aos programas de empréstimo aos países do euro em dificuldades, e fizeram um grande comício mesmo em frente à Porta de Brandeburgo.

Mas se na altura tudo era focado no espectáculo e encenação, com uma pira a queimar os euros alemães desperdiçados pelos outros países, hoje a violência está nas palavras: Gauland, 76 anos, fala baixo e pausadamente dos “inimigos” do povo alemão (o Governo), de uma “ditadura” protagonizada pelos conservadores e sociais-democratas no poder (todos os partidos recusaram já trabalhar com a AfD caso, como é provável, entrem pela primeira vez no Bundestag), da necessidade de manter uma “cultura alemã” e de a defender de ameaças como o islão, “que não respeita a constituição”.

E na defesa da cultura alemã, a AfD até tocou num tópico mais sensível. Gauland afirmara na quinta-feira que os alemães “deviam poder estar orgulhosos das acções dos soldados da Wehrmacht” durante as duas guerras mundiais.

No comício de Berlim, porém, outros temas arrancaram mais aplausos - falou-se contra o euro, porque “a mesma mão que está a dar dinheiro aos países do euro esteve antes na vossa carteira”; contra “uma indústria de asilo de quem vem para cá pelo sistema de segurança social”; contra os “inimigos do povo”, Merkel e Schulz, “que defendem interesses de outros povos, mas não do povo alemão”.

Gauland também fala de “incluir a Rússia” e acabar com as sanções (a ligação a Moscovo é um ponto do partido, que também se dirige à comunidade russófona). A dada altura Gauland elogia o Presidente americano, Donald Trump, e a sua política de controlo da imigração.

Na audiência, alguém protesta, ouve-se um “buuuu”, e de repente, um segurança já está a arrastar um homem, levando-o com um gancho no pescoço para fora da sala. Não se percebe exactamente o que aconteceu – mais tarde alguém dirá que ele parecia ir atirar algo, outros dirão que apenas falou.

Já cá fora, a mulher que o acompanha comenta: “Nos comícios da Merkel vão para lá assobiar e atirar tomates, e por ela tudo bem, diz que é a democracia. Estes queixam-se da ‘ditadura da opinião’, mas vejam o que fazem quando alguém discorda deles…”