Cidades-fantasma

O envelhecimento da população não é culpa das autarquias. Mas o afastamento dos jovens das maiores cidades e consequente envelhecimento da população já é. E quando Lisboa perde um terço dos jovens adultos isso é uma consequência directa das políticas promovidas pela liderança camarária.

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O envelhecimento da população não é culpa das autarquias. Mas o afastamento dos jovens das maiores cidades e consequente envelhecimento da população já é. E quando Lisboa perde um terço dos jovens adultos isso é uma consequência directa das políticas promovidas pela liderança camarária.

O trabalho de jornalismo de dados que hoje publicamos confirma uma realidade que é conhecida por todos os que conhecem alguém com menos de 30 anos que tente sair de casa dos pais: é virtualmente impossível arrendar casa em Lisboa a preços comportáveis com os salários pagos aos jovens profissionais, já para não falar de quem estuda ou é precário — a situação agravou-se de tal forma que já nem partilhando casa ou procurando quartos é possível encontrar preços compatíveis. E o Porto vai pelo mesmo caminho, embora o problema tenha ainda dimensão menor.

Tudo isto tem consequências dramáticas para uma metrópole. O afastamento dos jovens para os subúrbios implica a descaracterização: desaparecem os serviços para as famílias (como as creches, as escolas, as lojas) que são rapidamente substituídos por serviços para os visitantes temporários. Quem fica sofre pela falta de condições, como os idosos cada vez mais isolados em pequenas ilhas rodeadas de turismo. Basta passar no Bairro Alto ao sábado de manhã para ver os idosos que ainda resistem a tentar não pisar os vidros partidos e as poças de urina e vómito deixadas pelo turismo que tanto nos dignifica e que tão bem promovemos. E isto, note-se, já depois de terem aguentado com o barulho insuportável que durou até às cinco da manhã. No Cais do Sodré e em várias zonas de Alfama, da Graça e da Sé é o mesmo; no Porto o cenário não é ainda este, mas pode bem ser, se não aprender com o que se está a passar em Lisboa.

A dupla Salgado e Medina não foi eleita, mas isso não a impediu de pôr em prática um plano cuja principal dimensão foi a sanha antiautomóvel. Não lhes ocorreu dar prioridade aos cidadãos mais jovens, que graças a uma série de factores — com o turismo à cabeça — está a ser escorraçada para fora da cidade. E para que fique claro: não há aqui qualquer crítica ao turismo, há crítica à incapacidade em lidar com os problemas que ele traz.

Um dia, um presidente de câmara menos condicionado pelas manias de grandeza de um arquitecto todo-poderoso terá de gastar milhões a inverter as obras cosméticas que tornaram a cidade de Lisboa intransitável. Talvez antes desse dia alguém se lembre de voltar a colocar jovens na cidade.