A sustentabilidade e a cidade como um todo
É muito fácil rotular qualquer coisa como sustentável, principalmente quando toca a questões ambientais e ecológicas.
O termo alterações climáticas está cada vez mais presente no léxico do nosso dia-a-dia. O Acordo de Paris, tratado que rege medidas de redução das emissões de dióxido de carbono, foi considerado uma meta histórica na tentativa da redução do impactante aquecimento global. Assistimos quase todos os dias na comunicação social aos efeitos das alterações climáticas, desde os incêndios florestais, à subida da temperatura média de ano para ano, às imagens mais recentes da Agência Espacial Europeia, que testemunha o momento em que o bloco de gelo Larsen C se desprende na Antártica, com efeitos potencialmente catastróficos.
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O termo alterações climáticas está cada vez mais presente no léxico do nosso dia-a-dia. O Acordo de Paris, tratado que rege medidas de redução das emissões de dióxido de carbono, foi considerado uma meta histórica na tentativa da redução do impactante aquecimento global. Assistimos quase todos os dias na comunicação social aos efeitos das alterações climáticas, desde os incêndios florestais, à subida da temperatura média de ano para ano, às imagens mais recentes da Agência Espacial Europeia, que testemunha o momento em que o bloco de gelo Larsen C se desprende na Antártica, com efeitos potencialmente catastróficos.
No entanto, a utilização de termos como alterações climáticas ou termos que subsequentemente criamos para colmatar este problema, como a palavra sustentabilidade, nem sempre surgem pelas razões mais acertadas. Por vezes empregamos em demasiada o termo sustentabilidade, resiliência, etc., como se a simples aplicação desta palavra a seguir a qualquer outra fosse o suficiente para tornar qualquer ação politicamente correta ou amiga do ambiente.
Primeiro, é importante perceber que a origem desta palavra deveu-se, em primeira instância, à consequência da necessidade de encontrarmos soluções para vários problemas ambientais que se foram tornando presentes no séc. XX. O termo surgiu em 1972 no decorrer da Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, e foi consolidado na ECO-92, onde foi elaborada a conhecida Agenda 21. Este termo foi rapidamente difundido e incorporado mundialmente no vocabulário politicamente correto das empresas e meios de comunicação e, decorridos mais de 20 anos, ainda continuamos a empregar esta palavra, ainda que com algumas variações mais contemporâneas, mantendo-se em utilização no seio da sociedade civil.
Apesar da chamada de atenção das referidas conferências e da criação da Agenda 21, só em 2006 é que a questão das alterações climáticas passou para o palco mundial, tendo sido anunciada ao grande público de uma forma mais impactante pelo documentário Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore.
Um fascinante documentário que, de uma forma clara e objetiva, conseguiu explicar o problema das alterações climáticas, nomeadamente a questão da subida da temperatura. Este documentário surge exatamente na mesma altura que o então Presidente dos EUA, George W. Bush, retirara o país do Protocolo de Quioto (antecessor do Acordo de Paris).
Em 2016, surge um outro documentário que continua o legado de Al Gore, Before the Flood, de Leonardo DiCaprio, representante para as Alterações Climáticas da ONU. Apesar de ser um excelente documentário e uma iniciativa de louvar por parte do ator americano, a realidade é que temos exactamente, neste momento, uma América de Trump a rejeitar o termo “alterações climáticas”.
Passados 11 anos aparece agora o novo documentário de Al Gore — An Inconvenient Sequel —, com novas ilações e estudos entretanto atualizados sobre a questão das alterações climáticas, exatamente no rescaldo de uma das decisões mais irresponsáveis para o país e para o mundo, a retirada do Acordo de Paris pelo agora Presidente Donald Trump. E a história repete-se.
É então no apogeu da questão das alterações climáticas, no início do séc. XXI, que a questão do aquecimento global e das alterações climáticas ganha uma nova dimensão. Entra no vocabulário da sociedade civil, o consumidor começa a estar mais atento às questões ambientais, aos produtos “green”. E a palavra sustentabilidade é sinónimo do caminho a seguir para resolvermos este problema mundial.
No entanto, por ser uma palavra que esteve na moda durante muitos anos, sendo usado por tudo e por nada, simplesmente banalizou-se. Até a "moda sustentável" era a nova tendência da moda. É muito fácil rotular qualquer coisa como sustentável, principalmente quando toca a questões ambientais e ecológicas.
A partir de certa altura, por exemplo, a designação sustentável e "green" começa a utilizar-se para fins de politicas ditas ambientalistas, mas que constituem inclusive um perigo para o ambiente, de maneira banal para dar uma imagem "eco-friendly" que não existe ou serve para "deixar passar" medidas politicamente e ambientalmente perigosas.
A palavra sustentabilidade, muitas vezes, serviu para limpar a consciência das nossas ações e é utilizada há vários anos como uma estratégia de marketing — greenwashing — para "lavarmos as mãos" do mal feito.
À escala da cidade, esta palavra é também utilizada duma forma irresponsável. Todos sabemos dos casos em que o marketing e a “sustentabilidade” ajudam a vender o novo empreendimento construído à beira-mar, o que na maioria dos casos constitui um problema. Na realidade, muitas vezes estes edifícios supostamente sustentáveis acabam por ser mais prejudicais para o ambiente urbano.
Uma construção que pretenda ser sustentável não deverá ser feita de uma forma “egoísta”, esquecendo o seu contexto na cidade, como se tudo fosse restringido aos limites da sua fundação. As conexões com a envolvente, sejam elas ambientais, de mobilidade ou de interação com os restantes elementos da cidade, são as primeiras a determinar as condições para a sua sustentabilidade. Esta questão foi, e continua a ser, contornada vezes sem conta, em muitas cidades portuguesas. Primeiro constrói-se e depois pensa-se a cidade.
Apesar de já muito faladas e repetidas, devem ser lembradas medidas como o desenvolvimento de hortas urbanas e da prática agrícola nas cidades, há muito falado por Ribeiro Telles, a criação de parques públicos de qualidade, a implementação de coberturas verdes nos edifícios, a proteção dos leitos de cheia, a promoção da vida ao ar livre e a criação de espaços públicos, integrados na cidade. Estes e outros princípios promovem a melhoria da qualidade de vida e criam o fundamental sentido de identidade para com a cidade, muitas vezes esquecido. Porque é no espaço público que se vive a cidade. É na praça que acontece a cidade. E é aí que vamos retirar o nosso conhecimento e, por isso, é aí que deveria começar o nosso exemplo.
Importante relembrar que a cidade não é unicamente um espaço onde se habita. Deverá ser um espaço em constante dinâmica e envolvência das pessoas e que permita uma plena vivência dos seus espaços, tanto a nível cultural como social, mesmo que para isso seja necessário “reinventar o espaço público”, como disse Nuno Portas, ou mesmo transformar a própria cidade num palco aberto a todos, utilizando a ideia da cidade líquida de Zygmunt Bauman (aplicada, por exemplo, por Paulo Cunha e Silva na cidade do Porto). Deveria, por isso, ser pensada como um todo. E no todo encontrar o sustentável.
É a nossa ação que leva à transformação da cultura e da nossa maneira de estar neste espaço em que habitamos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico