“Se Kurt Weill tivesse vindo a Portugal, faria música portuguesa”
Uma proposta irrecusável: escutar o poder de Kurt Weill, nos dias de hoje, com Adriana Queiroz por guia. Este sábado e domingo no Tivoli BBVA, em Lisboa.
Chama-se KW e já foi apresentado, noutro formato, no Teatro de São Luiz, em 2014. Mas ganhou novo fôlego e chega agora ao palco do Tivoli BBVA, em Lisboa, para duas apresentações únicas: este sábado às 21h e domingo às 17h. Adriana Queiroz, cantora que é também actriz e foi uma destacada bailarina, tem neste espectáculo uma jóia da sua “coroa” musical e dramatúrgica. Cantar hoje Kurt Weill (1900-1950) adquire, aliás, forte significado nos dias que correm, pelos ares conturbados que assolam o mundo. Mas os temas têm a marca da época em que foram feitos. E na dramatização dada por Adriana Queiroz isso é acentuado de várias formas. Uma, é que a orquestra não tem maestro e ela assume dois papéis: o da rapariga da orquestra que se vê impelida a cantar porque a cantora não aparece; e o do próprio compositor, dando-lhe corpo e voz. “O virar o espectáculo para a orquestra é absolutamente assumido”, diz Adriana. “Por um lado eu sou uma rapariga da orquestra que, visto que a diva não entrou, se entusiasma e tem de cantar e representar aquilo; por outro lado, sou o Kurt Weill que vai sempre seguindo em frente e no fim sai mesmo de palco. E desta vez eu sou chamada pela orquestra para cantar o Mack the knife em português. Se quisermos, isto é um final de espectáculo; mas seguindo pela outra linha dramatúrgica, é a orquestra que me chama, ‘anda, faz favor, vem de volta para o teu lugar’, que pode ser que ainda entre a diva.”
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Chama-se KW e já foi apresentado, noutro formato, no Teatro de São Luiz, em 2014. Mas ganhou novo fôlego e chega agora ao palco do Tivoli BBVA, em Lisboa, para duas apresentações únicas: este sábado às 21h e domingo às 17h. Adriana Queiroz, cantora que é também actriz e foi uma destacada bailarina, tem neste espectáculo uma jóia da sua “coroa” musical e dramatúrgica. Cantar hoje Kurt Weill (1900-1950) adquire, aliás, forte significado nos dias que correm, pelos ares conturbados que assolam o mundo. Mas os temas têm a marca da época em que foram feitos. E na dramatização dada por Adriana Queiroz isso é acentuado de várias formas. Uma, é que a orquestra não tem maestro e ela assume dois papéis: o da rapariga da orquestra que se vê impelida a cantar porque a cantora não aparece; e o do próprio compositor, dando-lhe corpo e voz. “O virar o espectáculo para a orquestra é absolutamente assumido”, diz Adriana. “Por um lado eu sou uma rapariga da orquestra que, visto que a diva não entrou, se entusiasma e tem de cantar e representar aquilo; por outro lado, sou o Kurt Weill que vai sempre seguindo em frente e no fim sai mesmo de palco. E desta vez eu sou chamada pela orquestra para cantar o Mack the knife em português. Se quisermos, isto é um final de espectáculo; mas seguindo pela outra linha dramatúrgica, é a orquestra que me chama, ‘anda, faz favor, vem de volta para o teu lugar’, que pode ser que ainda entre a diva.”
Falamos da Orquestra Metropolitana de Lisboa, com Francisco Sassetti ao piano. Os arranjos são do pianista e compositor Filipe Raposo, que já trabalhara com Adriana noutros projectos. “Convidei-o para fazer os arranjos no dia da estreia do KW”, diz ela. Ou seja, há três anos. Agora, veremos o resultado desta experiência (do primeiro KW mantêm-se o apoio vocal de Luís Madureira, os desenhos de luz de Pedro Mendes e Helena Gonçalves e os figurinos de José António Tenente. A produção é da cantora.
Alemanha (com Brecht), França, Estados Unidos: “Consegui seguir cronologicamente a vida do Kurt Weill. A única concessão que eu tive de fazer a mim mesma, foi pôr o Happy End [1929] antes da Ópera dos Três Vinténs [1928], porque senão a nível musical o espectáculo não funcionava. No período francês ponho o Complainte de la Seine a fechar, que foi uma encomenda da câmara de Paris, porque o Sena tinha-se transformado no esgoto da cidade. Ele sempre teve esse lado social e cívico. Mesmo quando chegamos ao período americano, a música Buddy on the nightshift foi-lhe pedida por um sindicato, porque tinham turnos de doze horas e os empregados não se encontravam.”
Um eterno imigrante
O repertório do espectáculo inclui várias parcerias de Weill com Bertolt Brecht (Alabama song, Der Bilbao song, Der song von Mandelay, Das lied von Surabaya Johnny, Zuhälter-ballade), mas também com Roger Fernay (Youkali), Jacques Duval (J’attends un navire), Maurice Magre (Complainte de la Seine), Oscar Hammerstein (Buddy on the nightshift), Ogden Nash (Speak low e I’m a stranger here myself) e Maxwell Anderson (Lost in the stars). Mack the knife (ou Die moritat von Mackie Messer) ouve-se nos separadores do espectáculo, numa gravação, cantada por Brecht (seu co-autor), mas Adriana canta-o no final, em português. “Se Weill tivesse vindo a Portugal, faria música portuguesa. E pedi ao Filipe que fizesse um arranjo a pensar nisso.”
Kurt Weill, diz Adriana, “foi um imigrante em todo o lado e de todas as vezes que ele teve de imigrar, ele foi buscar a cada país o melhor que cada país tinha a nível musical e cultural. E isso é uma lição de como as pessoas podem viver e adaptar-se aos sítios onde vivem.” Ouvi-lo agora, nestes tempos, pode renovar a carga política das suas canções.
“Terá uma carga muito política agora”, diz Adriana. “Mas a minha intenção vai pelo fascínio da renovação deste homem. Eu já mudei três vezes de carreira e também tenho ido buscar a cada uma o melhor que elas têm, sendo bailarina, actriz ou cantora. E isso no espectáculo foi feliz, porque me consegui rever nele. Weill foi expulso por ser judeu e comunista, foi um imigrante em cada lado e em cada lado o trataram mal, e mesmo assim ele ia para outro país recomeçar do zero, aceitando a cultura dos outros, levando a sua cultura para engrandecer a cultura dos outros. Porque o espectáculo pode ser visto como entretenimento, mas o que está por trás é que engrandece quem o ouve e quem o faz.”