Plano Nacional de Alimentação: a minha proposta
Precisamos urgentemente de reinventar a comida tradicional portuguesa, onde há hábitos que deverão ser transformados drasticamente.
Estamos numa corrida contra o tempo. Pela primeira vez na História, os nossos filhos têm menos esperança média de vida que os pais. Eu sou pai de três filhos e esta informação assusta-me.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Estamos numa corrida contra o tempo. Pela primeira vez na História, os nossos filhos têm menos esperança média de vida que os pais. Eu sou pai de três filhos e esta informação assusta-me.
Para mim, amar de verdade os meus filhos é educá-los desde pequeninos sobre o perigo do vício no açúcar, sal e gordura. E esta educação começa muito antes de a criança nascer, ainda na barriga da mãe, através do líquido amniótico. E depois do nascimento a realidade não muda, as crianças são educadas diariamente pela ignorância alimentar dos pais, avós, tios... E quando saem de casa levam com eles essa falta de educação alimentar. É comum vermos pais obesos com filhos obesos.
Uma em cada três crianças em Portugal tem excesso de peso. Esta realidade tem que mudar urgentemente, temos que apostar na prevenção, educação alimentar e criar regras para reverter este cenário. As crianças representam +/- 20% da população, mas são 100% do nosso futuro.
O meu nome é Nuno Queiroz-Ribeiro e sou chef de cozinha. Sinto que ser chef é uma das profissões com maior responsabilidade. Alimentamos pessoas todos os dias e só com uma grande consciência do que estamos a fazer é que podemos ter uma oferta responsável em todas as cozinhas. É preciso também o envolvimento da indústria alimentar para — em conjunto — procurar soluções, onde haja um compromisso entre os produtos saudáveis e a rentabilidade dos produtos processados. A saúde das populações tem de estar em primeiro lugar.
Há três anos fui convidado pelo nosso atual primeiro-ministro, António Costa, e pela actual secretaria de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, na altura presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e vereadora da Educação, respetivamente, a ser co-fundador do primeiro Projecto de Alimentação Saudável nas escolas em Portugal
Foi o primeiro grande sinal de que a mudança está a acontecer. Criámos regras em conjunto com o Departamento de Educação da CML como: zero processados, zero fritos, zero açúcar, zero iogurtes com aromas e pedaços, zero leite com aromas ou chocolate. Criámos o hábito de que todos os legumes, vegetais e frutas fossem frescos. Introduzimos pela primeira vez a opção vegetariana todos os dias.
Estas medidas são exactamente o que acredito ser o caminho para a revolução alimentar de todo o país e de todas as escolas. A exemplo do que aconteceu no único país a legislar os alimentos permitidos nas escolas, o Uruguai, e com o movimento nacional chamado “food revolution” em Inglaterra, nós também podemos ser pioneiros com leis de prevenção e educação alimentar.
Há cerca de quatro meses dirigi-me ao secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, ao Ministério da Saúde e DGS e apresentei um Plano Nacional de Alimentação, pois acredito ser a nossa salvação.
É importante envolver toda a comunidade, e só assim poderemos mudar o rumo de um país onde a saúde dos portugueses está posta em causa. Temos um SNS incapaz de suportar tantas doenças provocadas pelas más escolhas alimentares, que em breve estará falido e sem capacidade de ajudar a curar doenças como diabetes tipo 2, hipertensão, triglicéridos, apneia do sono, hiperactividade, entre muitas outras.
Aqui estão alguns tópicos sobre o meu Plano Nacional de Alimentação, uma revolução inspirada em cada vez mais movimentos de mudança que já acontecem pelo mundo, mas adaptada à nossa realidade.
Legislar sobre o açúcar. É urgente criar uma legislação sobre o açúcar. Como é possível, em pleno século XXI, uma criança poder entrar num café, mercearia, supermercado, e comprar qualquer quantidade de açúcar, nos seus mais variados formatos, sem nenhum tipo de controlo? Como podem os pais controlar o que os filhos ingerem se no próprio bar da escola lhes é permitido comer alimentos processados, tais como bolos e refrigerantes com corantes, conservantes, intensificadores de sabor e enormes quantidades de açúcar? Crianças que logo depois vão para as aulas? Será possível serem bons alunos se vão hiperactivos e com défice de atenção para a sala de aula?
Colocar uma sobretaxa em produtos processados com sal e gordura em excesso. À semelhança das bebidas com açúcar — já existe em Portugal uma sobretaxa nos produtos com excesso de açúcar —, também deveriam ser incluídos nesta medida os produtos com excesso de sal e gordura. Se já existe, em todas as embalagens de tabaco, imagens chocantes sobre as consequências do consumo — e trata-se de um produto para adultos —, como é possível não haver advertências também presentes em todos os produtos com açúcar, sal e gordura transgénica aditivada, sendo estes produtos atualmente acessíveis a crianças?
Os adultos têm que ter noção que, ao intoxicar e viciar os seus filhos nestes três elementos, não só estão a proporcionar-lhes uma má qualidade de vida e falta de saúde, como inclusivamente a diminuir a sua longevidade. Muitas vezes vemos casos que terminam em doenças crónicas e fatais — como a maior causa de morte no mundo, a hipertensão. Há que agir energicamente, o tempo voa.
Envolver a Ordem dos Nutricionistas. É fundamental ensinar nutrição e alimentação nas escolas. As crianças até aos dez anos de idade deveriam aprender tudo sobre os alimentos — tanto na teoria quanto na prática. Olhar para os alimentos, tocar, cheirar, perceber os ciclos de crescimento dos vegetais e das frutas e o que é a sazonalidade. A sensibilização tornar-se-á ainda maior com visitas a campos de cultivo e pomares para que as crianças possam perceber os ciclos da natureza. Na minha opinião, seria necessário agir já e colocar rapidamente o acesso à educação alimentar nas salas de aula, dentro do plano curricular do Ministério da Educação para que seja efectivo. “De pequenino se come o pepino”, uma brincadeira com o ditado popular — atualmente tão oportuna.
Envolver a Ordem dos Médicos. Estes profissionais têm um papel fundamental numa maior sensibilização para os malefícios de uma alimentação desregrada. É de extrema importância que os médicos estejam informados sobre o essencial da alimentação saudável, da nutrição.
Dar formação sobre nutrição a pediatras é também indispensável. Quantas vezes estes profissionais instruem pais de crianças de dois, três anos a alimentarem-nas com o que utilizam em casa? Nem se informam acerca de que tipo de informação alimentar os pais possuem. Essas crianças ficam assim reféns de uma população adulta com mais de 50% de obesidade.
Envolver escolas da área. O mesmo se passa com as escolas de Hotelaria e Turismo, é urgente uma actualização permanente dos formadores e professores sobre novas técnicas de cozinha mais saudáveis para que possamos ter no mercado chefes de cozinha mais responsáveis. Para isso teremos de inserir obrigatoriamente a disciplina de Nutrição nestas escolas e universidades.
Centros de Saúde. Atualmente, os centros de saúde são descentralizados e chegam a toda a população, incluindo os mais idosos. O meu plano visa inserir nos serviços prestados a educação e informação sobre os perigos de algumas das nossas tradições alimentares.
Em Outubro de 2015, a Organização Mundial da Saúde alertou para o perigo que existe para as pessoas que comem carnes processadas — consideradas carcinogénicos Nível 1, o mesmo nível do tabaco. Estes alimentos contam atualmente com maior número de mortes que o próprio tabaco. Nesta classe de perigo público estão a alheira, farinheira, morcela, chouriço e mesmo o fiambre, alimentos extremamente populares na nossa tradição gastronómica. Há que sinalizar nas embalagens destes produtos de forma bem visível a percentagem de ingredientes cancerígenos presentes em cada produto, para que, em consciência, o consumidor possa fazer as suas escolhas.
A Liga Portuguesa contra o Cancro. Esta instituição tem tido um papel fundamental na sensibilização da população, com sessões de esclarecimento sobre os perigos deste tipo de alimentos. Poderiam ter um papel ainda mais activo chegando às populações através dos centros de saúde.
Todos nós já tivemos algum familiar, amigo, conhecido, que tenha tido cancro. Pessoalmente, perdi o meu pai com cancro no pâncreas. Ele tinha diabetes tipo 2 e níveis de triglicéridos muito altos, acredito que em consequência de uma má alimentação e de uma vida sedentária.
Precisamos urgentemente reinventar e aligeirar a nossa tão maravilhosa comida tradicional portuguesa, onde há hábitos alimentares que deverão ser transformados drasticamente. Entre outras medidas urgentes, há que reduzir a adição de açúcar nos doces, equilibrar o excesso de sal nos temperos, diminuir o consumo de gordura, mudar muitas das técnicas de cozinha, controlar o consumo de fritos e aumentar a cozedura no forno e vapor. Teremos que começar a privilegiar as especiarias e ervas aromáticas frescas, que não só não fazem mal, como carregam saúde, e muita.
Media. Esta proposta passa também pelos media. A ideia é a de proibir a associação de imagens dos desenhos animados das crianças nas embalagens de produtos processados que possuam: conservantes, corantes, intensificadores de sabor, sal, gordura e açúcar em seus substitutos de origem química.
Volto a dizer. Ser chef de cozinha é uma das profissões com maior responsabilidade. A saúde tem mesmo de estar em primeiro lugar. Acredito cada vez mais num Plano Nacional de Alimentação, “uma revolução verde” pensada para todos os portugueses, onde não chega sensibilizar, há que agir.
Todos sabemos que o ser humano pode viver em equilíbrio, mas os números comprovam o oposto. Acredito que este Governo pode e deve proporcionar mudanças ainda mais profundas e históricas, para um futuro mais saudável, com mais qualidade de vida — feliz —, com mais saúde e menos remédios, para um povo mais produtivo e ativo. Estas medidas vão diminuir drasticamente a dívida do SNS, ajudar ao seu bom funcionamento e aumentar as condições de atendimento.
Desde a morte do meu pai que mudei completamente a minha forma de pensar em relação à comida. Comecei a informar-me melhor, a estudar, a testar no terreno e apercebo-me cada vez mais que já não está em causa o que gosto ou não gosto de comer mas sim onde quero chegar, com que qualidade de vida vou viver. Quero chegar novo a velho, feliz, cheio de energia para brincar com os meus filhos, e assim poder um dia brincar com os meus netos. Há que saber para se poder escolher!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico