O homem que se assassinou a si próprio no Netflix
Documentário Strong Island foi premiado em Sundance e agora chega para contar (mais) uma história de um jovem negro que morre e que parece não ter sido servido pela justiça nos EUA.
As sinopses são feitas para resumir um objecto cultural – uma versão condensada de um filme, série, jogo ou livro que nos serve de porta de entrada para perceber o tema daquilo onde nos propomos ou não a entrar. Inicialmente, a sinopse de Strong Island, o documentário que se estreia dia 15 no Netflix, parece confusa. Mas só quando percebemos que estamos à soleira da porta de mais uma história de crime real é que a realidade assenta – o mundo é que é confuso.
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As sinopses são feitas para resumir um objecto cultural – uma versão condensada de um filme, série, jogo ou livro que nos serve de porta de entrada para perceber o tema daquilo onde nos propomos ou não a entrar. Inicialmente, a sinopse de Strong Island, o documentário que se estreia dia 15 no Netflix, parece confusa. Mas só quando percebemos que estamos à soleira da porta de mais uma história de crime real é que a realidade assenta – o mundo é que é confuso.
Veja-se: “Em Abril de 1992, em Long Island (estado de Nova Iorque, William Jr., o filho mais velho dos Ford e um professor negro de 24 anos, foi morto por Mark Reilly, um mecânico branco de 19 anos. Embora Ford não estivesse armado, ele tornou-se no principal suspeito do seu próprio homicídio”. Isso. Um morto que se assassinou, ou mais uma queda pela toca do coelho kafkiano do sistema criminal e da rede social norte-americana. Making a Murderer, Serial ou The Keepers estão fadados a ter mais companhia, porque a febre dos documentários sobre casos criminais e ficções (como American Crime Story) baseadas em factos reais não parou ainda de subir.
Se estão ou não em boa companhia (leia-se de qualidade narrativa e de investigação), é outra questão. No Festival de Sundance, achou-se que sim. Strong Island é uma “recordação cinematográfica poderosa” para a New Yorker, “um requiem de complexidade investigativa” para a Hollywood Reporter, um “olhar pessoal e poderoso sobre a raça” para o IndieWire. O documentário venceu o prémio de storytelling do festival indie do Utah e a perspectiva do seu tom único atravessa quase todas as críticas sobre o filme, que não o isentam de reparos, como da incompletude da sua história e da relativa falha da sua investigação.
A história é contada de dentro, por Yance Ford, um dos irmãos de William (era uma das suas irmãs mas fez já a transição e identifica-se como um homem), que fez um filme que passa em revista não só o caso, mas sobretudo a dor da família. A sua figura está atrás e perante as câmaras, um narrador que conta como uma altercação numa oficina entre William e o mecânico resultou num acontecimento central numa pequena comunidade mas eminentemente definidor da família. O objectivo é não só contar mais um crime em que um jovem negro morre e parece não ter sido servido pela justiça, mas também contar a sua história, a da vida de William, de 24 anos, suas fotografias, gostos, amigos, e deixar as nuances para, tal como em Making a Murderer, pairar sobre as primeiras impressões. Strong Island, provavelmente, será mais um caso arquivado da polícia, mas um caso aberto do audiovisual americano e do mundo que o espreita.
A rubrica Televisão encontra-se publicada no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO