Estado condenado a indemnizar familiares de militares mortos há 21 anos

Supremo Tribunal Administrativo dá razão aos familiares e condena o Estado a pagar 45 mil euros por cada um dos dois militares mortos na Bósnia. Caso arrastava-se nos tribunais desde 2001.

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Militares portugueses foram enviados para a Bósnia Herzegovina em 1996 no âmbito de uma missão da NATO Fernando Veludo

O Estado português foi condenado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12 de Julho deste ano a indemnizar em 45 mil euros cada um das famílias de dois militares paraquedistas mortos numa explosão na Bósnia em 24 de Janeiro de 1996.

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O Estado português foi condenado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12 de Julho deste ano a indemnizar em 45 mil euros cada um das famílias de dois militares paraquedistas mortos numa explosão na Bósnia em 24 de Janeiro de 1996.

Os primeiros-cabos paraquedistas Alcino Mouta e Rui Tavares, ambos com 24 anos à data dos factos, integravam a missão da NATO para a Bósnia Herzegovina (Ifor). Cerca de uma semana depois chegarem ao terreno, os militares encontravam-se nas camaratas da força italiana, um antigo pavilhão desportivo em Vogosca, arredores de Sarajevo, onde também estavam alojados os portugueses, quando explodiu um artefacto encontrado no terreno que estava a ser manipulado por um italiano. No acidente, morreram três militares, os dois portugueses e um italiano, e vários ficaram feridos, um dos quais português.

As famílias dos militares – um solteiro e a viver com os pais e o outro casado e com um filho bebé – interpuseram um acção, em Janeiro de 2001, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa pedindo uma indemnização de 99.759,58 euros, por danos não patrimoniais e patrimoniais referente a cada um dos paraquedistas. O início do julgamento só começou em 2010.

No início de Julho de 2011, o tribunal julgou a acção “parcialmente procedente”, condenando o Estado a pagar a cada das famílias uma indeminização de dez mil euros, “devida a título de danos não patrimoniais”.

O Estado e as famílias recorreram da sentença. Na sua contestação, o Estado apresentou defesa por "excepção, prescrição e impugnação", pugnando pela absolvição do pedido”. O Estado considerava que a sentença anterior era nula por "erro de fundamentação". Reafirmava ainda que não estava obrigado a indeminizar por não se veriricaram os "pressupostos de responsabilidade civil". 

Já os familiares achavam a decisão injusta face aos danos sofridos e reclamavam uma indemnização de 45 mil euros para cada uma das famílias, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

"Missão suicida"

A acção contra o Estado foi justificada com a "falta de se encontrarem os verdadeiros responsáveis por aquela missão suicida, quase todos eles, provavelmente já aposentados e muito bem pagos”. “Em última instância, é o Estado português responsável por actos cometidos por acção e por omissão por chefias militares e agentes políticos, todos eles conhecedores da insuficiência da instrução militar que estava a ser ministrada.”

Na sua contestação, começavam por “lamentar a postura que o Estado Português teve no que diz respeito à sonegação do processo de inquérito, aquele que elucidava as famílias dos militares desaparecidos, acerca de como os factos ocorreram”.

Diziam ainda que “a inocência e a ingenuidade com que [o Estado] preparou em 1994/1995 os diversos militares cuja missão já se antevia para os países Balcãs é: simplesmente aterradora e grosseira”.

A título de exemplo, afirmavam que “sabendo-se de antemão que nos países em questão, nos meses de inverno, muitas vezes, por longos períodos de tempo as temperaturas não sobem acima dos 0 graus, sendo frequente a manutenção de temperaturas negativas”, os militares não levaram “na sua bagagem equipamento adequado para suportar a simples existência do ser humano é… deveras aterrador”.

“Fazer deslocar militares para solo estrangeiro em 1995/1996, tendo-lhes ministrado instrução militar com armas provenientes da Guerra do Ultramar é, ou melhor, constitui um acto suicida”, acrescentavam.

Na decisão de Julho deste ano, o Supremo Tribunal, após conferência dos juízes da Secção de Contencioso Administrativo, julga “totalmente improcedente” o recurso interposto pelo Estado e concedeu “total provimento” ao recurso apresentado pelas famílias dos paraquedistas, levando ao pagamento total da indemnização pedida pelas famílias.

O Supremo, ao contrário da sentença de 2011, dá razão às famílias quanto à existência de danos não patrimoniais.

“Poderemos extrair com segurança que, sendo os falecidos tão acarinhados no seio das respectivas famílias, a perda gerada com a sua morte" familiares "foi e é necessariamente causadora de enorme sofrimento, desgostos e dor, dum sentimento de privação da companhia e do apoio, e quanto ao" filho de um dos militares "de privação também daquilo que eram os conselhos, os ensinamentos e o acompanhamento por parte do seu progenitor”, diz o tribunal.

A missão na Bósnia foi a primeira operação militar portuguesa em larga escala fora do território nacional desde o final da guerra colonial.