A semana horribilis de Lula termina com acusações de um “pacto de sangue”
Em dois dias, o ex-Presidente do Brasil foi alvo de duas acusações do procurador-geral e uma denúncia de um colaborador próximo. A sua candidatura em 2018 está cada vez mais ténue.
Havia um “pacto de sangue” entre Lula da Silva, e os donos da construtora brasileira Odebrecht, no centro da mega-investigação de corrupção Lava-Jato, afirmou o seu ex-ministro Antônio Palocci, num depoimento ao juiz que lidera as investigações. As acusações de Palocci, considerado um dos governantes mais influentes da era de Lula e uma figura proeminente do Partido dos Trabalhadores (PT), vêm tornar as esperanças de candidatura do ex-Presidente às eleições do próximo ano ainda mais ténues.
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Havia um “pacto de sangue” entre Lula da Silva, e os donos da construtora brasileira Odebrecht, no centro da mega-investigação de corrupção Lava-Jato, afirmou o seu ex-ministro Antônio Palocci, num depoimento ao juiz que lidera as investigações. As acusações de Palocci, considerado um dos governantes mais influentes da era de Lula e uma figura proeminente do Partido dos Trabalhadores (PT), vêm tornar as esperanças de candidatura do ex-Presidente às eleições do próximo ano ainda mais ténues.
Durante uma série de reuniões no final de 2010, Lula e os donos da Odebrecht terão concordado em manter o favorecimento concedido à construtora em vários contratos públicos. Segundo Palocci, Emílio Odebrecht tinha receio que, com a entrada de Dilma Rousseff em cena, – acabava de ser eleita para o primeiro mandato como Presidente – o estatuto privilegiado da construtora fosse afectado de alguma forma no seu relacionamento com o Governo.
“Quando Dilma foi tomar posse, a empresa entrou num certo pânico e foi nesse momento que o doutor Emílio Odebrecht fez uma espécie de pacto de sangue com o Presidente Lula”, disse Palocci durante as duas horas de interrogatório com o juiz Sérgio Moro, que lidera a Lava-Jato. Dilma tinha liderado a oposição à escolha da Odebrecht para o projecto de construção de uma central hidroeléctrica no rio Madeira, na Amazónia, segundo o ex-ministro.
Para garantir que a Odebrecht iria continuar a ser a construtora do Governo, Emílio e Marcelo Odebrecht ofereceram a Lula uma casa de campo em Atibaia (São Paulo), um prédio para instalar o Instituto Lula e ainda uma reserva de 300 milhões de reais (80 milhões de euros) para financiar “as actividades” do ex-Presidente, disse Palocci.
A defesa de Lula diz que o ex-ministro está a mentir aos investigadores na tentativa de obter uma redução da sentença de 12 anos de prisão a que foi condenado no ano passado. O próprio Palocci, preso desde Setembro, está altamente implicado no caso de corrupção da Lava-Jato, acusado de ter agido como intermediário entre membros do Governo e a Petrobras.
Ao contrário da maioria das denúncias que têm alimentado a investigação, o depoimento de Palocci não foi feito em regime de “delação premiada” – uma figura jurídica que permite que suspeitos de crimes possam fornecer novas informações que os investigadores considerem mais valiosas, a troco de reduções das penas. O El País nota que os depoimentos feitos na ausência da delação premiada têm mais peso jurídico, uma vez que não existe a motivação para um eventual acordo com as autoridades.
As acusações de Palocci têm uma força acrescida por terem origem num dos pesos pesados do PT e um dos confidentes de Lula. “Palocci foi ministro de Lula [Finanças], coordenador da campanha de Dilma e depois ministro da Casa Civil. Palocci fazia caminhadas matinais com Lula”, diz o analista político Carlos Melo, citado pela BBC Brasil.
A acumulação de acusações e suspeitas que pendem sobre Lula podem dificultar as hipóteses de recandidatura do ex-Presidente nas eleições do próximo ano. Em apenas dois dias esta semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou duas acusações formais contra Lula.
Na quarta-feira, Lula, Dilma e o ex-ministro da Educação, Aloizio Mercandante, foram acusados pelo crime de obstrução à justiça no caso sobre a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil, em 2016. Na altura, a decisão foi vista como uma forma de evitar que o ex-Presidente fosse julgado pelo tribunal de primeira instância, uma vez que, como ministro, passaria a dispor de “foro privilegiado” – um regime de imunidade. O Supremo Tribunal Federal acabou por anular a nomeação.
Um dia antes, Janot apresentou acusações contra Lula, Dilma e seis dirigentes do PT pelo crime de organização criminosa no âmbito do esquema de corrupção que envolviam a Petrobras.
A grande dúvida, neste momento, é como poderá sobreviver a candidatura presidencial de Lula. Em termos legais, o ex-Presidente poderá apenas ser impedido de concorrer se for condenado por um tribunal de segunda instância. Até agora, Lula foi condenado a nove anos e seis meses de prisão no caso do triplex em Guarujá pelo juiz Sérgio Moro, mas apresentou recurso junto do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, de segunda instância.
Mesmo que consiga apresentar-se como candidato, o desfile de suspeitas e acusações a envolver Lula pode ter um impacto nas urnas. Porém, os analistas não encontram alternativas na área política do PT. "O PT vai perder as eleições se mantiver Lula, mas sem Lula provavelmente também. Tirar o Lula agora geraria mais problemas", diz à BBC Brasil o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ricardo Ismael.