Estado compra seis quadros de Vieira da Silva por 5,5 milhões
"Não temos nada deste calibre", diz a directora do Museu Vieira da Silva. A compra de seis quadros foi autorizada em Conselho de Ministros.
O governo autorizou esta quinta-feira em Conselho de Ministros a compra pelo Estado de seis quadros de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) aos herdeiros de Jorge de Brito (1928-2006), o coleccionador, empresário e dirigente desportivo, por 5,5 milhões de euros. Este é o primeiro conjunto importante de obras de Vieira da Silva comprado para as colecções públicas, notam especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
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O governo autorizou esta quinta-feira em Conselho de Ministros a compra pelo Estado de seis quadros de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) aos herdeiros de Jorge de Brito (1928-2006), o coleccionador, empresário e dirigente desportivo, por 5,5 milhões de euros. Este é o primeiro conjunto importante de obras de Vieira da Silva comprado para as colecções públicas, notam especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
O direito da opção de compra dos quadros, em depósito e expostos no museu da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, estava previsto num protocolo assinado entre o Estado, a fundação e os herdeiros em 2011. Em 2016, tinha sido noticiado que os quadros, avaliados em seis milhões de euros, seriam comprados através de uma permuta de terrenos. Já este ano, em Abril, anunciou-se que a compra seria feita a dinheiro, por menos quase meio milhão de euros do que o previamente estimado.
"Foi autorizada a aquisição, pela Direcção-Geral do Património Cultural, de seis obras da pintora Maria Helena Vieira da Silva, pelo valor global de 5.584.170 milhões de euros. O Estado exerce, assim, o direito de opção de compra previsto no protocolo celebrado entre o Estado Português, a Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva e os herdeiros do coleccionador Jorge de Brito, em 9 de Agosto de 2011, decisão que vem assegurar a manutenção no país e fruição pública das obras de uma das mais consagradas artistas nacionais", lê-se na resolução.
Em causa estão seis pinturas feitas entre 1958 e 1970: Novembre (1958), La Mer (1961), Au fur et à mesure (1965), L'Esplanade (1967), New Amsterdam I (1970) e New Amsterdam II (1970).
Segundo a directora da Direcção-Geral do Património Cultural, Paula Silva, a DGPC fará um contrato de depósito com a fundação para que as obras continuem expostas no museu de Lisboa. "Por questões provavelmente financeiras, só agora conseguimos concretizar esta compra, necessariamente com uma grande vontade política por parte deste governo", disse ao PÚBLICO.
Num comunicado enviado às redacções, António Gomes de Pinho, presidente do conselho de administração da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, congratulou-se que, "ao fim de vários anos de diligências", tenha sido "possível [...], finalmente, garantir a permanência em Portugal e a fruição pública desse núcleo fundamental da obra" de Vieira da Silva.
Vieira da Silva, que tem uma das mais internacionais carreiras artísticas do século XX português, morreu em Paris aos 83 anos, tendo doado uma parte da sua obra à fundação, bem como do seu marido, Arpad Szenes. Como descreve o Museu Gulbenkian no seu site, também proprietário de várias obras da artista, Vieira da Silva é "uma das artistas abstractas mais celebradas na Europa do pós-guerra" e está representada nas principais instituições mundiais, como o Centre Georges Pompidou (Paris), MoMA e Guggenheim Museum (Nova Iorque), Tate Gallery (Londres) ou Pinacoteca do Estado de São Paulo, entre outros.
Há seis anos, o PÚBLICO noticiava que o Museu Vieira da Silva estava em risco de perder várias obras da pintora, avançando as negociações entre a Secretaria de Estado da Cultura, a fundação e os herdeiros de Jorge de Brito, que, meses depois, em Agosto de 2011, resultariam num protocolo. As obras agora adquiridas faziam parte de um conjunto de quadros da pintora que estavam no museu desde que, em Novembro de 1994, este tinha aberto as portas no Jardim das Amoreiras, em Lisboa. O empréstimo fazia parte de um acordo informal entre Jorge de Brito e José Sommer Ribeiro (1924-2006), o primeiro director da fundação.
Aquando da morte do coleccionador, o Estado tentou impedir a venda dos quadros e eventual saída do país, iniciando um processo de classificação de 22 quadros que ainda estavam no museu, segundo a notícia do PÚBLICO. Em 2011, porém, já só estavam 16 quadros na Fundação Vieira da Silva e passou a falar-se da manutenção de muito menos obras. Eram quatro a seis obras que o museu fazia questão de manter e, juntamente com a fundação, o Estado procurava um comprador que as quisesse manter na instituição. Na altura, o Ministério da Cultura justificava que não tinha capacidade financeira para a compra.
Depois da decisão de quinta-feira do Conselho de Ministros, Paula Silva, disse que a aquisição dos quadros "é um motivo de satisfação", pois "são seis obras importantes que ficam em Portugal". "Passa a ser possível qualquer pessoa conhecê-las e usufruir delas", acrescentando que é "um enriquecimento para o nosso património".
A directora do Museu Vieira da Silva, Marina Bairrão Ruivo, que soube da notícia através da comunicação social, afirmou que era algo de que estavam à espera desde que o museu abriu. "São obras fundamentais e [a compra] vem colmatar uma lacuna na nossa colecção. Não temos nada deste calibre, do período da maturidade. Temos outros duas obras muito boas, mas são dos anos 30."
Sobre o número de obras de Vieira da Silva do museu, Marina Bairrão Ruivo sublinha que este pode ser enganador. "Temos cerca de mil obras, entre 90 telas a óleo, com pequenos formatos e algumas inacabadas. Temos cerca de 500 obras sobre papel, entre as quais estão cerca de 100 guaches." A directora não se recorda de uma compra de obras de Vieira da Silva para as colecções públicas portuguesas com esta importância, citando apenas uma obra adquirida por Teresa Gouveia há alguns anos.
Pedro Lapa, historiador de arte, explica que é "uma boa notícia", visto "a fundação ter sido constituída com um acervo muito débil relativamente àquilo que é a produção artística de uma artista maior como Maria Helena Vieira da Silva". "A obra de Vieira da Silva é, sem dúvida, uma obra ímpar no século XX português, mas é uma artista que não podemos consignar a uma nacionalidade apenas", continua, lembrando a sua relação com a França, país onde viveu grande parte da vida.
Vieira da Silva pertence à chamada Escola de Paris, que explora uma nova via abstracta, não-figurativa, juntamente com outros artistas que chegam à capital francesa no pós Segunda Guerra Mundial. "Toda a sua obra tem um interesse maior na construção do movimento moderno internacional, sobretudo no pós-guerra", explica o historiador de arte, até recentemente director artístico do Museu Berardo. "O âmago do seu trabalho centra-se na segunda metade da década de 1930, nos anos 40 e sobretudo os anos 50." Muitas destas obras estão em França, na Suíça e na Alemanha e nalguns dos principais museus norte-americanos, acrescentando Pedro Lapa que também há boas obras de Vieira da Silva em colecções privadas portuguesas e na Gulbenkian. Estas, diz ainda, "serão as primeiras obras importantes de Vieira de Silva que o Estado português compra".
Sobre as pinturas agora compradas pelo Estado, Lapa explica: "São de um período mais tardio, de resto o momento em que os primeiros coleccionadores portugueses começaram a perceber a dimensão do seu trabalho. Dão continuidade a temáticas e problemáticas anteriormente desenvolvidas e pertencem a uma fase madura da artista." E remata: "São sem dúvida muito relevantes, todavia, as obras principais [de Vieira da Silva] situam-se noutro período." Quanto ao preço ser mais baixo do que a avaliação, abstém-se de comentar. "Não sou leiloeiro nem galerista, sou historiador."