Cinco personagens à procura de não se sabe bem o quê
O filme de Guigui, 9/11, desaba mais depressa do que a torre.
Que o cinema sempre foi um mundo paralelo onde as pessoas não se comportam da mesma maneira que no mundo real, sabemo-lo bem. Mas o desejo de exemplaridade, de role models que têm sempre a atitude certa e a resposta, que projectamos nos heróis (e até nos anti-heróis) do cinema, tem hoje um âmbito cada vez menos realista. Atente-se numa cena de 9/11, quando as personagens já estão presas num elevador de uma das torres do World Trade Center e não têm nenhuma expectativa concreta sobre o momento em que sairão dali, se sairem dali.
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Que o cinema sempre foi um mundo paralelo onde as pessoas não se comportam da mesma maneira que no mundo real, sabemo-lo bem. Mas o desejo de exemplaridade, de role models que têm sempre a atitude certa e a resposta, que projectamos nos heróis (e até nos anti-heróis) do cinema, tem hoje um âmbito cada vez menos realista. Atente-se numa cena de 9/11, quando as personagens já estão presas num elevador de uma das torres do World Trade Center e não têm nenhuma expectativa concreta sobre o momento em que sairão dali, se sairem dali.
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VIDEO_CENTRAL
Charlie Sheen, que naquele grupo de cinco pessoas representa o “poder” (é homem, é branco e é rico), puxa dum cigarro e prepara-se para o acender quando a mulher (Gina Gershon) lhe pergunta: “achas que isto é altura para fumares?”. Obediente e diligentemente, Sheen volta arrumar o cigarro, reconhecendo implicitamente que aquela não é uma “altura para fumar”. Claro, pensamos nós: estão cinco almas entaladas numa torre que vai colapsar a qualquer momento, fumar um cigarro (possivelmente o último, como antes até aos condenados à morte se concedia) é um disparate completo.
Toda a frágil suspension of disbelief de 9/11 desaba nesse momento, mais depressa do que a torre, porque não se acredita, a partir daí, que aquilo sejam pessoas, antes projecções esquemáticas e idealizadas. Vale que elas, ao contrário do espectador, ainda não sabem que aquilo é “o 11 de Setembro” — mas alguém acredita que, perante a ameaça de uma morte iminente, os temas de conversa entre aquelas criaturas (três homens e duas mulheres, que se subdividem em ricos e pobres, brancos, negros e latinos) sejam discussões sobre relações de classe e relações de etnia? Talvez isto fizesse sentido na peça de teatro que o argumento adapta e que explorava a mesma situação.
Mas no filme de Guigui resulta apenas em diálogos maus e superficiais, piorados pelo “naturalismo” que uma encenação teatral por certo não pediria, e no esboroar do que podia ser um exercício curioso de reconstituição do 11 de Setembro com baixo orçamento, dois cenários exíguos (o elevador, a sala de controlo dos elevadores onde pontifica Whoopi Goldberg), imagens de televisão, efeitos sonoros e uma máquina de vento para encher de fumo e poeira o lobby do edifício. Em vez da acção, Guigui quer retórica, e a preponderância da retórica mata tudo — a boa e elíptica ideia para o final (um rumor dos diabos e o corte para o negro do genérico final) já não vem salvar nada. Vem tudo abaixo, como por uma vez não é spoiler dizer, e para o espectador fica o consolo, moral e sanitário, de ao menos não se terem acendido cigarros.