Guterres teme "catástrofe humanitária" na Birmânia

ONU adianta que quase 150 mil rohingya fugiram para o Bangladesh em menos de duas semanas. Suu Kyi culpa "terroristas" por "enorme icebergue de desinformação” sobre a violência em Rakhine.

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O número de rohingya que chega aos campos improvisados no Bangladesh não pára de aumentar DANISH SIDDIQUI/Reuters

São já perto de 150 mil os rohingya, minoria muçulmana a quem a Birmânia não reconhece nacionalidade, que chegaram em menos de duas semanas ao Bangladesh, fugindo à violência no estado de Rakhine. Uma situação que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, teme que venha a degenerar numa “catástrofe humanitária”. Aung San Suu Kyi, a líder de facto do Governo da Birmânia, culpa, no entanto, os “terroristas” por um “enorme icebergue de desinformação” para manipular a opinião pública internacional.

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São já perto de 150 mil os rohingya, minoria muçulmana a quem a Birmânia não reconhece nacionalidade, que chegaram em menos de duas semanas ao Bangladesh, fugindo à violência no estado de Rakhine. Uma situação que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, teme que venha a degenerar numa “catástrofe humanitária”. Aung San Suu Kyi, a líder de facto do Governo da Birmânia, culpa, no entanto, os “terroristas” por um “enorme icebergue de desinformação” para manipular a opinião pública internacional.

Jornalistas da Reuters enviados à região de Cox Bazar, onde crescem campos de refugiados improvisados, assistiram à chegada de vários barcos transportando rohingya vindos da Birmânia, muitos deles nos limites das suas forças. Segundo eles, pelo menos três embarcações, com um total de cem pessoas a bordo, afundaram-se durante a madrugada no rio Naf, que faz fronteira entre os dois países.

Numa pouco habitual carta ao Conselho de Segurança da ONU, António Guterres lançou um apelo às autoridades birmanesas para que “ponham fim a esta violência” em Rakhine, o estado mais pobre da Birmânia onde se concentram grande parte dos 1,1 milhões de rohingya e onde, a 25 de Agosto, um grupo rebelde atacou dezenas de postos da polícia.

Tal como aconteceu em Outubro, na primeira vez em que o grupo que diz representar os rohingya pegou em armas, o Exército lançou uma contra-ofensiva que, segundo as autoridades birmanesas, visa proteger as populações dos “terroristas”, mas os que fogem da violência falam de perseguições aos civis, aldeias arrasadas e queimadas, execuções e violações. Em Fevereiro, um relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos listava crimes que dizia puderem configurar limpeza étnica e responsáveis da ONU admitem que a situação no terreno é agora pior.

Segundo os últimos dados da ONU, além das 146 mil rohingya que atravessaram a fronteira do Bangladesh em menos de duas semanas, há outros 400 mil presos na zona de conflito, incluindo 20 mil numa “terra de ninguém” junto à fronteira, depois de terem sido mandados para trás pelos guardas-fronteiriços. As agências da ONU continuam também impedidas de enviar ajuda para a região e mesmo para os que conseguem atravessar a fronteira a ajuda é escassa e pouco organizada.

A agência Reuters adiantou também ter recebido informações que o Exército birmanês estaria a minar partes da fronteira com o Bangladesh, onde nos últimos dois dias se registaram pelo menos quatro explosões de origem desconhecida. Fontes militares birmanesas desmentiram a informação, mas a agência adianta que o Bangladesh já enviou um protesto formal ao país vizinho.

Na missiva ao Conselho de Segurança, Guterres pede ao Conselho de Segurança que se mobilize para encontrar uma solução para a crise, afirmando que a situação poderá dar origem a uma “catástrofe humanitária com implicações na paz e segurança que pode continuar a expandir-se para lá das fronteiras birmanesas”. Questionado pelos jornalistas sobre o risco de uma limpeza étnica em Rakhine, o secretário-geral da ONU afirmou: “Enfrentamos um risco, espero que não cheguemos aí”.

Suu Kyi responde às críticas

Este novo surto de violência está a aumentar a pressão sobre Suu Kyi, Nobel da Paz pela luta a favor a democracia, para que se comprometa com a promoção dos direitos da minoria rohingya, que a Birmânia afirma serem imigrantes e sobre os quais impõe inúmeras restrições. Uma pressão que já levou 300 mil pessoas a assinar uma petição pedindo ao Comité Nobel que lhe retire o prémio e lhe tem valido duras críticas, sobretudo nos países muçulmanos da região.

A primeira conselheira de Estado (na prática a líder do Governo) respondeu às críticas num telefonema com o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que na semana passada denunciara estar em marcha um “genocídio” daquela minoria muçulmana.

“Sabemos muito bem, mais do que a maioria, o que significa estar privado de direitos humanos e da protecção democrática”, terá dito Suu Kyi, segundo a transcrição da conversa divulgada pelo seu gabinete. Garantiu, por isso, que o seu governo “está já a defender da melhor maneira possível todas as pessoas de Rakhine”, numa referência também aos civis hindus e budistas que o Exército diz estarem a ser atacados pelos rebeldes rohingya.

Referiu-se também “às falsas fotografias” que têm estado a circular na Internet como tendo sido captadas em Rakhine, Suu Kyi disse que são apenas “a ponta de um enorme icebergue de desinformação visando criar muitos problemas entre as diferentes comunidades e com o objectivo de promover os interesses dos terroristas”.

Declarações que visam claramente responder aos reparos de vários países muçulmanos mas que encontraram já eco na Índia. De visita ao país, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi disse estar muito preocupado com a “violência extremista” em Rakhine. “Esperamos que todas as partes possam encontrar uma forma que respeite a unidade e integridade territorial da Birmânia e, ao mesmo tempo, promover a paz, a justa dignidade e os valores democráticos para todos”.