Carta aberta ao ministro da Saúde sobre o Hospital do Seixal
Nada justifica a construção de um novo hospital nos concelhos de Almada e Seixal.
Exmo. Senhor Ministro,
A verdade faz-nos mais fortes
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Exmo. Senhor Ministro,
Estando em desacordo com a anunciada construção do Hospital do Seixal, já com verba cativa no OE de 2017, como membro do Conselho Consultivo do Hospital Garcia de Orta (HGO) a convite do CA desse hospital, por dever para com a verdade e preocupado com as condições precárias em que o país vive em termos financeiros, vem por este meio dirigir-se a V. Ex.ª. Senhor Ministro da Saúde, meu colega Adalberto Campos Fernandes, na forma de carta aberta, na esperança de que se faça luz e não se prossiga numa perspetiva errada, sustentada numa visão política destorcida, e de caça ao voto.
A verdade é que, como cidadão, médico com 46 anos de carreira, conhecedor desde sempre das dificuldades que se tem vivido nos cuidados de saúde (em particular, depois de 1991, nos cuidados primários ou de proximidade) nos concelhos de Almada, Seixal, Barreiro, Azeitão, Montijo, entre outros, onde exerceu como clinico geral nos primeiros anos da sua carreira, ex-1.º presidente do CA do HGO, discordando naturalmente de todo o jogo político que se tem manifestado nesta matéria, porque nunca viu surgir uma petição autónoma para a construção (imprescindível!) de vários centros de saúde, no concelho do Seixal, tem que discordar com a construção dum outro hospital nos concelhos de Almada e Seixal.
Interessa explicar que essa construção, a fazer-se, para além dos desmesurados gastos económicos (está previsto gastar-se 68 milhões de euros; mesmo que faseados, esse total terá ainda o acréscimo de juros), exigirá da Administração do HGO suportar gastos enormes para a sua operação, já que ficará com a gestão desta nova unidade, integrando-a num centro hospitalar, o que se estima em 40 a 60 milhões de euros por ano, que deveriam, de todo, ser evitados.
Se Portugal quer progressivamente introduzir reformas no Sistema de Saúde para o tornar financeiramente sustentável sem quebra de qualidade e sem que sejam afectados valores como a equidade e a universalidade, como o fazem os “países ditos ricos”, nunca se pensaria, ou melhor, se permitiria, a construção dum hospital novo a menos de dez quilómetros do existente, ou em que a distância a percorrer pelos utentes fosse um máximo de 15Kms.
Faltam efectivamente equipamentos para o tipo de necessidades sentidas pela população residente que seguramente não incluem um novo hospital quando existe outro nas imediações, o HGO, que após as obras de ampliação (também já anunciadas, e com um custo estimado de dez milhões de euros) passará a assegurar um apoio eficaz e eficiente em cuidados de saúde secundários a toda a população de Almada e do Seixal, com gastos seguramente menores que os acima referidos.
A racionalidade tem sido uma das mais evidentes lacunas do Sistema de Saúde, como frequentemente se vem demonstrando através de recursos em instalações, equipamentos e profissionais desequilibradamente distribuídos pelo território nacional, nalguns casos superiores às necessidades. Ora, nesta situação concreta, não se vislumbram fundamentos quer estatísticos, quer de bom senso, que justifiquem tal empreendimento, senão vejam-se alguns detalhes:
a) Se somarmos as camas com que o HGO ficará após as obras de ampliação (629) às 120 camas que a Liga de Amigos do HGO dispõe para Cuidados de Convalescença, Cuidados Continuados e Reabilitação (certamente para o Sistema Nacional de Saúde!), passamos a ter um rácio de 2,3 camas por 1000 pessoas, que é o valor recomendado pela OMS. Acresce ainda referir que o HGO, na ala sul do seu 8.º piso, está preparado para ser ampliado (40 a 60 camas), melhorando aquele rácio em mais cerca de 0,2. Isto foi contemplado no seu projecto de construção, que seguimos como responsável pela instalação do HGO. Não podemos deixar de referir a inovadora Hospitalização em Ambulatório do HGO (UHD, que recentemente ganhou o 1.º Prémio de Boas Práticas em Saúde), que fará crescer aquele rácio progressiva e racionalmente.
b) Manda o bom senso que sejamos prudentes em gastos, já que a não execução, diria mesmo, a anulação de tal projecto, conduziria a uma diminuição brutal de custos de construção e de operação, que poderiam e deveriam ser canalizados para a execução de obras (centros de saúde, de custos muito inferiores) para satisfazerem as necessidades básicas em saúde da população do concelho do Seixal. Posição sempre assumida nos planos de acção quer do HGO, quer da ACES Almada/Seixal.
Creia, caro colega e Senhor Ministro, que esta missiva tem como única pretensão que V. Ex.ª tenha conhecimento da nossa opinião, que certamente será partilhada pela maioria daqueles que conhecem a temática e a região.
Receba os melhores cumprimentos pessoais e amigos,
Rui Freitas