Marcelo entra na guerra dos enfermeiros defendendo “diálogo dentro da lei”
Ainda que tenha dúvidas sobre a legalidade dos protestos dos enfermeiros especialistas, o Presidente recebe ordens profissionais da saúde na próxima semana com apelo aos consensos no sector.
O Presidente da República vai receber as Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros na próxima semana, numa altura em que estará a decorrer a greve nacional convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros pela introdução do estatuto de especialista na carreira, com o devido aumento salarial, bem como pela aplicação do regime das 35 horas de trabalho a toda a classe.
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O Presidente da República vai receber as Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros na próxima semana, numa altura em que estará a decorrer a greve nacional convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros pela introdução do estatuto de especialista na carreira, com o devido aumento salarial, bem como pela aplicação do regime das 35 horas de trabalho a toda a classe.
“A minha posição é defender o diálogo e a concertação possível dentro da lei. Vou ouvir agora os interessados para perceber as razões dos vários lados e perceber se é possível concretizar essas razões dentro da lei”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, à margem de uma visita ao Centro de Apoio Social, em Marvila, Lisboa — e depois de uma visita ao Hospital de São José.
A tónica que colocou na questão da legalidade é fundamental para se perceber o que se pode obter com estas audiências, num momento em que há um parecer da Procuradoria-Geral da República que considera ilegítimo o protesto dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia através da entrega das cédulas de especialista. Marcelo quererá ajudar a esvaziar esta forma de protesto, até porque a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) já avisou para a ilegalidade e possíveis sanções aos enfermeiros que recorram à suspensão dos títulos para não cumprirem as funções de especialistas nos blocos de parto.
O Presidente e professor de Direito não quis pronunciar-se sobre a questão da legalidade “sem ouvir as partes” e “sem analisar juridicamente o que os especialistas em Direito dirão”. Mas ao colocar a Ordem dos Médicos (OM) como “parte” nesta equação, dá também um sinal de que já percebeu que os clínicos estão a distanciar-se da posição dos enfermeiros — que, nas suas reivindicações salariais, acabam por ultrapassar os médicos nos últimos escalões.
Na segunda-feira, o bastonário da OM, Miguel Guimarães, considerou o protesto dos enfermeiros especialistas de "legalidade duvidosa", mas garantiu que os clínicos não vão deixar as grávidas sem assistência. E deixou um aviso ao ministro da Saúde: “Tem de estar disponível para pagar as respectivas horas extraordinárias que se revelem fundamentais para existir uma resposta adequada" às grávidas.
Foi no meio desta tempestade que Marcelo Rebelo de Sousa veio esta terça-feira a terreiro, anunciando que vai receber as duas ordens profissionais, alertando para a necessidade de cumprir a lei e desvalorizando até as reivindicações dos enfermeiros, embora de uma forma suave.
Não foi por acaso que visitou o Hospital de São José, para condecorar in loco — e ao lado do ministro da Saúde — a equipa que salvou o bebé nascido de uma mãe em morte cerebral, deixando recados para as profissões do sector. "As pessoas não estão aqui — por muito importante que seja o estatuto profissional, e é — por causa do estatuto profissional. As pessoas não estão aqui por causa do conceito social, não estão aqui por causa da publicidade daquilo que fazem", defendeu.
A condecoração que ali levou "não foi apenas um testemunho de gratidão a uma equipa multidisciplinar”, como frisou: “Foi um alerta, uma chamada de atenção, para nós, que tantas vezes somos egoístas e verdadeiramente só agradecemos quando se trata do nosso caso, no momento que entendemos adequado, da forma que consideramos que é a justa", defendeu.
Foi nessa cerimónia que o Presidente ressalvou que actualmente tem "muito cuidado" no apelo aos consensos, para "não ser acusado mais tarde de não ter conseguido pôr de pé ou ajudar a concretizar consensos que haveria desejado", mas reiterou a sua importância na saúde. E só mais tarde, já fora do contexto hospitalar e sem o ministro da Saúde por perto, é que anunciou as audiências da próxima semana e apelou ao diálogo e ao respeito da legalidade.
Não é a primeira vez que Marcelo Rebelo de Sousa assume o papel de mediador entre o Governo e classes profissionais que raramente recorrem a paralisações e cujo direito à greve é juridicamente posto em causa. Fá-lo agora no caso dos enfermeiros e dos médicos — que já anunciaram poderem voltar à paralisação depois das autárquicas, como fizeram em Maio —, como já antes tinha feito em relação aos juízes, embora de uma forma menos visível.
Em Junho, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar — que também preside ao Conselho Superior da Magistratura —, pediu uma reunião com carácter de urgência ao Presidente devido à ameaça da Associação Sindical de Juízes Portugueses de boicote ao processo eleitoral autárquico. A consumação dessa reunião não foi pública, mas a verdade é que a greve foi adiada para depois das autárquicas, agora com a ameaça de pôr em causa a validação dos resultados eleitorais.