Esquerda e direita cercam Centeno para travar cativações em 2018

O Bloco já avisou: ou o Governo muda e mostra as cativações em 2018, ou a esquerda junta-se à direita e impõe esse travão. PSD e CDS mostram-se disponíveis. Esta terça-feira há reunião entre bloquistas e Vieira da Silva.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O Bloco de Esquerda já avisou o Governo: ou revê, por mote próprio, o modo como vão ser feitas as cativações no próximo ano ou a esquerda junta-se à direita e faz uma maioria para as alterar, quando o Orçamento do Estado de 2018 chegar ao debate na especialidade - que é o momento em que o PS está de pés e mãos atados, precisando de obter uma maioria para cada proposta individualmente.

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O Bloco de Esquerda já avisou o Governo: ou revê, por mote próprio, o modo como vão ser feitas as cativações no próximo ano ou a esquerda junta-se à direita e faz uma maioria para as alterar, quando o Orçamento do Estado de 2018 chegar ao debate na especialidade - que é o momento em que o PS está de pés e mãos atados, precisando de obter uma maioria para cada proposta individualmente.

Se a união BE-PCP-PSD-CDS é muito pouco habitual, aqui ela afigura-se muito provável. É que todos os partidos, à excepção do PS, estão de acordo que Mário Centeno carregou nas cativações para garantir o cumprimento das metas orçamentais - e todos estão dispostos a conversar sobre o assunto para obrigar o ministro das Finanças a reduzir a carga e aumentar a transparência deste processo.

A posição de princípio do Bloco já foi transmitida a Pedro Nuno Santos na semana passada, quando foram retomadas as negociações à esquerda. E o primeiro ponto a mudar é o da transparência: “É obrigação do Governo reportar regularmente ao Parlamento a forma como estão a evoluir as cativações em cada área”, disse ao DN o dirigente do BE Jorge Costa. O partido tem, aliás, razões de queixa: a 7 de Julho, quando o debate sobre as cativações estava no auge, a deputada Mariana Mortágua fez uma pergunta formal às Finanças precisamente a perguntar o que tinha sido cativado e em que serviços. Até ontem, não havia resposta publicada na página do Parlamento. Pouco depois, no início de Agosto, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) publicou um relatório que incendiou ainda mais o debate, concluindo que 2016 foi o ano em que houve maiores montantes cativados, nos últimos oito anos: 1.746,2 milhões de euros.

Neste ponto, o PSD concorda inteiramente com o Bloco: “Sempre dissemos que havia um problema de transparência e que o volume de cativações, o dobro das de 2015, foi uma opção política”, diz ao PÚBLICO Duarte Pacheco, deputado do PSD. O CDS até já entregou uma proposta na Assembleia, cuja ideia é colocar as cativações nos boletins mensais de execução orçamental. “Do que tenho ouvido do BE e PCP, acho que é possível chegar a um acordo”, admite a deputada centrista Cecília Meireles, acrescentando: “Com a esquerda, só acredito vendo”. Mas o PCP mantém a posição de há meses: "Cativações sempre houve, o que é preciso é que a Assembleia tenha meios para saber como estão a ser aplicadas e poder intervir", reitera o líder parlamentar João Oliveira, admitindo que o ideal é ter informação mês a mês.

Do lado do Governo já haverá maior abertura para acomodar as exigências da oposição, mas não há ainda uma forma, em concreto, de as satisfazer.

O que dificilmente escapará a mudanças é, também, o valor e o método como são feitas as cativações. Quanto ao valor, uma vez mais, esquerda e direita concordam (contra o PS): este ano voltaram a ser demais. Quanto ao método, a discussão ainda vai no adro - mas todos concordam que é preciso tirar poder ao Ministério das Finanças.

Mas este será um ponto um pouco mais complicado, devido à margem que tem o ministro das Finanças. É que, a partir de 2016, o Governo optou por assumir um nível adicional de cativações, que se passaram também a incindir sobre as despesas de serviços que beneficiem de um acréscimo nos seus orçamentos. Em concreto, se a despesa prevista com a aquisição de bens e serviços superasse em mais de 2% o valor executado no ano anterior, essa verba extra ficaria também automaticamente cativada. Mas houve mais: no Decreto-lei de Execução Orçamental, publicado em Abril, Centeno acrescentou um artigo, explicitando que, “para além das cativações previstas” no OE, ficariam “adicionalmente cativos os montantes correspondentes ao aumento em despesa com pessoal” que, na comparação com o ano anterior, tivessem uma subida das receitas próprias “superior a 4 %.” Na prática, foi isto fez com que o montante das cativações fosse em 2016 bem superior ao dos anos anteriores.

Para travar a repetição do mecanismo, o Bloco prepara uma proposta para impedir que um decreto do Governo possa - depois de o OE ter sido votado na AR - aumentar ainda mais a cativação de verbas. Neste ponto, o "como" é ainda indefinido, mas o objectivo é também comum entre os partidos. "A questão é saber como fica o artigo no Orçamento", assume João Oliveira, do PCP, admitindo que só mais à frente nas negociações com o Governo o tema voltará à mesa.

Bloco encontra Vieira da Silva

Esta terça-feira, as negociações entre PS e as esquerdas sobre o próximo Orçamento vão prosseguir, mas ainda sem a presença de Mário Centeno. O Bloco tem reunião agendada com Vieira da Silva, com quem discutirá outros temas sensíveis que estão em cima da mesa. Logo depois, será a vez do PCP - embora esta reunião ainda não tenha dia marcado.

Os dois partidos à esquerda também alinham em vários temas para estes encontros. Na Festa do Avante!, no domingo, Jerónimo de Sousa pediu um aumento extraordinário das pensões de 10 euros (só a quantificação é nova), pedindo também o fim dos limites impostos no tempo da troika ao subsídio de desemprego e o aumento do seu tempo de atribuição, por exemplo. O Bloco já exigiu, adicionalmente, que em 2018 comece uma segunda fase da retirada de penalização às reformas antecipadas, assim como um “complemento de correcção” para as pensões atribuídas antecipadamente a partir de 2014 com cortes significativos aplicados pelo anterior executivo. Até aqui, o Governo não se comprometeu com qualquer um dos pedidos. Mas na entrevista ao DN desta sábado, Jorge Costa já deixou o aviso: “Seria eleitoralismo” adiar um novo alívio aos portugueses.