Azerbaijão gastou milhões para "limpar" a sua imagem na Europa
Investigação revela que dinheiro foi usado para comprar bens de luxo e pagar o favor de políticos ocidentais. Cresce suspeita sobre arquivamento de relatório do Conselho da Europa sobre direitos humanos no país.
Mais de 2900 milhões de dólares (2400 milhões de euros) transitaram através de um fundo gerido pela elite que há décadas domina o Azerbaijão para comprar bens de luxo na Europa e limpar a imagem internacional do regime, através de pagamentos a políticos, jornalistas e lobistas ocidentais. Entre os beneficiários deste esquema de lavagem de dinheiro está pelo menos um antigo dirigente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que em 2013 arquivou um relatório muito crítico do tratamento dado aos presos políticos no país.
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Mais de 2900 milhões de dólares (2400 milhões de euros) transitaram através de um fundo gerido pela elite que há décadas domina o Azerbaijão para comprar bens de luxo na Europa e limpar a imagem internacional do regime, através de pagamentos a políticos, jornalistas e lobistas ocidentais. Entre os beneficiários deste esquema de lavagem de dinheiro está pelo menos um antigo dirigente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que em 2013 arquivou um relatório muito crítico do tratamento dado aos presos políticos no país.
O caso é denunciado numa investigação conjunta de vários jornais europeus, parceiros do Projecto de Investigação do Crime Organizado e Corrupção (OCCRP), e abrange transferências e pagamentos efectuados entre 2012 e 2014, na mesma altura em que o regime de Baku deteve cerca de 90 activistas dos direitos humanos, políticos da oposição e jornalistas.
As origens do dinheiro não são claras, mas a investigação – que se baseia em documentos bancários – sublinha que “há amplos indícios da sua ligação à família do Presidente Ilham Aliiev”, no poder desde 2003, tendo-o herdado do pai, Heidar Aliiev, que subiu ao poder em 1993.
Um dos principais contribuintes é uma empresa privada registada em Baku, a Baktelekom MMC, que o consórcio de investigação, está ligado à mulher de Aliiev, que em Fevereiro deste ano a nomeou vice-presidente. Outros financiadores são empresas e bancos públicos azeris, bem como uma empresa de armamento russo envolvida num outro esquema de lavagem de dinheiro, e entre os beneficiários do fundo estão ministros e familiares de pessoas ligadas ao poder em Baku.
O dinheiro viajou pelo continente através de um dos maiores bancos europeus, o dinamarquês Danske Bank, e teve como destinatário quatro sociedades anónimas registadas no Reino Unido. Foi através delas que foram comprados apartamentos e carros de luxo, pagas propinas em escolas privadas britânicas e tratamentos hospitalares. Mas foi também através delas que foram efectuados múltiplos pagamentos “a pelo menos três políticos europeus”, um jornalista sediado em Londres e um empresário registado como lobista na capital britânica, embora não haja provas de que todos os beneficiários estivessem a par da origem do dinheiro.
Entre eles Eduard Lintner, um antigo deputado alemão da CSU (o partido bávaro irmão da CDU da chanceler Angela Merkel) que em 2013 participou como observador nas eleições presidenciais do Azerbaijão. No regresso, lembra o jornal britânico Guardian, Lintner assegurou que o escrutínio, criticado por organizações de direitos humanos e opositores azeris, cumprira “os padrões alemães”. Sabe-se agora que a Sociedade para a Promoção das Relações Germânico-Alemãs que ele fundou recebeu perto de 820 mil euros do fundo azeri, incluindo 61 mil euros depois de Lintner ter regressado da missão eleitoral em Baku.
Outro dos beneficiários foi Luca Volontè, ex-presidente da bancada do Partido Popular Europeu (centro-direita) na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE). Segundo a investigação, o deputado centrista italiano recebeu mais de dois milhões de euros em várias transferências realizadas para a sua fundação, Novae Terrae. Suspeitas que vieram pela primeira vez a lume no ano passado e levaram os procuradores de Milão a acusar Volontè de corrupção e lavagem de dinheiro – acusações que ele nega, estando a tentar que o caso seja arquivado.
As denúncias lançaram uma sombra sobre a APCE, um dos dois órgãos que compõem o Conselho da Europa, organização fundada no pós-guerra e que tem como missão a defesa da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O Azerbaijão é membro apenas desde 2001, mas segundo esta investigação a “diplomacia de caviar” a que se dedicou já deu frutos.
Um relatório muito crítico sobre a perseguição dos opositores ao regime dos Aliiev acabou por ser chumbado há quatro anos, gerando uma estranheza que as suspeitas lançadas agora sobre Volontè dão força. Em Maio, após pressões de várias organizações, um painel independente foi encarregado de investigar as suspeitas de corrupção pendentes sobre parlamentares da APCE – as audições estão prestes a começar e as conclusões devem ser conhecidas no final do ano, adianta a BBC.
A investigação aponta ainda o dedo Kalin Mitrev, político búlgaro nomeado no ano passado para a direcção do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, que terá recebido 425 mil euros por alegados trabalhos de consultadoria para uma empresa azeri. Mitrev é também marido de Irina Bokova, directora-geral da UNESCO e antiga candidata a secretária-geral da ONU, que em 2010 atribuiu à mulher do Presidente azeri uma das mais altas condecorações da organização que dirige.