Justiça investiga ramo português do Cartel do Fogo

Em Espanha já foram detidas mais de duas dezenas de pessoas ligadas ao negócio do combate aos fogos. Empresas que combinariam preços para irem a concursos públicos também operavam em Portugal.

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Empresas iam a concursos públicos em Espanha, Itália e Portugal ENRIC VIVES-RUBIO

A justiça portuguesa está a investigar as ramificações em território nacional do chamado Cartel do Fogo, um grupo de empresas espanholas suspeitas de se dedicarem, nos últimos anos, à manipulação dos concursos de meios aéreos de combate a incêndios.

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A justiça portuguesa está a investigar as ramificações em território nacional do chamado Cartel do Fogo, um grupo de empresas espanholas suspeitas de se dedicarem, nos últimos anos, à manipulação dos concursos de meios aéreos de combate a incêndios.

Umas vezes, as firmas combinariam entre si os preços com que iriam concorrer aos concursos quer em Espanha quer em Portugal e Itália, dividindo depois os lucros; noutras, deixariam os concursos desertos, de forma a obrigarem os Estados a subirem o preço-base de adjudicação dos seus serviços. É pelo menos essa a tese das autoridades espanholas, cuja investigação está ainda a decorrer, tendo já vários arguidos em Espanha. As mais recentes notícias na imprensa espanhola sobre o caso dão conta de que o esquema abrange adjudicações não apenas de meios aéreos de combate a incêndios como também os de transporte de doentes urgentes.

Para controlarem o sector, os empresários aéreos terão corrompido vários responsáveis das autoridades locais e gente do PSOE e do PP, havendo indicações de que em Portugal contariam com a ajuda de um facilitador de negócios, cuja identidade continua a ser desconhecida. “Tinha uma rede de contactos nas instituições portuguesas para assegurar as adjudicações”, explicava, há um ano, o jornal El Mundo, citando declarações feitas em tribunal pelo principal denunciante do esquema, Francisco Alandí, que trabalhou vários anos para a empresa que está no centro do "cartel", a Avialsa.

Embora tenha concorrido pelo menos duas vezes sozinha, em 2012, à adjudicação de meios aéreos de combate a incêndios em Portugal, outra forma de funcionamento da Avialsa e das suas parceiras espanholas em território nacional passaria por se associar a firmas portuguesas do ramo.

Foi o que fez com a empresa unipessoal de Tondela Agro-Montiar, à qual a Autoridade Nacional de Protecção Civil entregou por ajuste directo, em 2014, um negócio de perto de um milhão e 800 mil euros (1,797 milhões de euros), fora o IVA: o aluguer, manutenção e operação de dois aviões anfíbios médios entre Junho e Outubro. O facto de a Protecção Civil ter alegado que tinha dois meios próprios, os helicópteros Kamov, inoperacionais não foi suficiente para o Tribunal de Contas recusar apor o seu visto ao contrato em causa. No ano seguinte, em que venceu um concurso público internacional para o mesmo fim no valor de quase cinco milhões de euros, a empresa unipessoal de Tondela subcontratou a Avialsa.

"O nosso prato forte em Portugal"

O trabalhador da empresa espanhola não se limitou a fazer denúncias: revelou documentos a comprovar o que dizia. Entre eles emails de 2010 em que o antigo patrão, Vicente Huerta, deixava claras as suas intenções no que aos negócios em Portugal respeitava. “Ganhar seja como for o concurso deste ano. Temos o apoio do grupo de empresas espanholas para fazer e desfazer o que quisermos em Portugal. Depois da campanha de 2010, devemos focar-nos no ataque de 2011 (…) Este ano temos o nosso prato forte em Portugal. E vamos atacar com todo o arsenal disponível.”

Os anos de maior actividade do "cartel" em Portugal foram 2006 e 2007, mas estarão a ser investigadas as adjudicações feitas até 2015, ano em que nasceu a investigação em Espanha e em que foram feitas as primeiras detenções, escrevia recentemente o jornal El Español. Só em 2010 as empresas em investigação terão repartido lucros resultantes do aluguer de hidroaviões ao Estado português da ordem dos 1,6 milhões de euros, lucro que “quadruplicava o custo real do serviço”. Neste momento já foram detidas mais de duas dezenas de pessoas em Espanha.

Uma auditoria do Tribunal de Contas português à contratação de meios aéreos de combate a incêndios naqueles dois primeiros anos revelou, de resto, fragilidades várias, ao nível do sistema de controlo das horas de voo mas não só. “A proposta de autorização de abertura do concurso público para 2005 só ocorreu em Fevereiro desse ano. No mesmo ano, foram anulados dois dos cinco concursos públicos internacionais tendo, em consequência, sido contratados meios aéreos alternativos com recurso ao ajuste directo”, critica aquele tribunal.

Segundo a investigação espanhola, citada pela imprensa do país, os responsáveis do "cartel", de que fazem parte, além da Avialsa, a Faasa, a Espejo, a Martínez Ridao, a Cegisa e a Inaer (que entretanto mudou de nome para Babcock) costumavam combinar estratégias num hotel de beira-estrada em Manzanares, na Andaluzia.  

A Babcock possui uma filial portuguesa que tem ganho vários negócios de transporte aéreo de doentes para o Instituto Nacional de Emergência Médica, além de adjudicações para combate a incêndios nos últimos anos. Ainda em 2014 o Tribunal de Contas também chumbou, por manifesta ilegalidade, um ajuste directo à Inaer no valor de 3,9 milhões. Ninguém da firma se mostrou disponível para falar ao PÚBLICO. Mesmo em Espanha as empresas em causa continuam a ganhar contratos públicos, uma vez que o julgamento ainda não começou sequer.

A investigação do ramo português do Cartel do Fogo, que também operou no Chile, encontra-se a cargo da Polícia Judiciária. Questionada sobre quando teve início o inquérito, a Procuradoria-Geral da República não deu qualquer resposta em tempo útil.