Enfermeiros não podem deixar de ser especialistas, diz ministério

Tutela responde ao protesto dos enfermeiros especialistas com um novo parecer jurídico que considera ilegal a simples entrega de títulos à Ordem. Médicos estão dispostos a substituir enfermeiros, mas avisam que vai ser preciso pagar horas extra.

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Está assim a apertar-se o braço-de-ferro entre a tutela, os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia e a Ordem dos Enfermeiros ADRIANO MIRANDA

É o último episódio de um conflito que promete agudizar-se nos próximos dias. A  Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) defende que os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica não podem pura e simplesmente pedir a suspensão dos títulos de especialidade à Ordem que os tutela, alegando que isso não é “legalmente possível” e que estes só podem suspender a inscrição como enfermeiros.

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É o último episódio de um conflito que promete agudizar-se nos próximos dias. A  Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) defende que os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica não podem pura e simplesmente pedir a suspensão dos títulos de especialidade à Ordem que os tutela, alegando que isso não é “legalmente possível” e que estes só podem suspender a inscrição como enfermeiros.

Sublinhando que está sustentada num parecer jurídico, a ACSS sugere, numa circular normativa divulgada nesta segunda-feira, que os especialistas, que já começaram a entregar pedidos de suspensão dos seus títulos à Ordem dos Enfermeiros (OE), apenas podem desistir de ser enfermeiros de todo. E recorda que a recusa de assumirem as suas funções específicas pode dar origem a faltas injustificadas.

É o contra-ataque da tutela ao escalar do inédito e polémico protesto destes enfermeiros que decidiram entregar os seus títulos de especialista para ficarem desta maneira impedidos juridicamente de exercer funções específicas nos blocos de partos dos hospitais e a vigilância e seguimento das grávidas nos centros de saúde.

Está assim a apertar-se o braço-de-ferro entre a tutela, os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia e a Ordem dos Enfermeiros, que tem apoiado o protesto destes profissionais que ameaçam parar os blocos de parto.

Preocupados, os médicos garantiram nesta segunda-feira que vão assegurar as faltas e falhas dos enfermeiros, mas avisam que é preciso que os hospitais reforcem as equipas e que o Ministério da Saúde assegure o pagamento das horas extraordinárias que se revelem necessárias.

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, adianta que vai pedir uma reunião, com carácter de urgência, ao colégio da especialidade de ginecologia e obstetrícia para "redefinir as equipas-tipo" em situações de urgência. "Os enfermeiros são a pedra basilar do SNS [Serviço Nacional de Saúde], mas a verdade é que a maior parte das suas funções em situações de emergência e urgência podem ser desempenhadas pelos médicos", frisa Miguel Guimarães.

Uma questão de "dinheiro"

Os enfermeiros reclamam a criação de categoria de especialista e um aumento de remuneração correspondentes – actualmente ganham 1200 euros brutos em início da carreira e pretendem passar a receber 2400 euros brutos, um aumento faseado no período de três anos.

“Vai tudo bater no mesmo: não há dinheiro para pagar aos enfermeiros mas há dinheiro para dar aos médicos”, critica a bastonária da OE, Ana Rita Cavaco, que afirma que só no final da semana conseguirá precisar quantos são os pedidos de suspensão de especialista e quantos vão receber luz verde, porque este é “um processo burocrático”. “Isto obriga à emissão de uma cédula de generalista e tem que ir à comissão de atribuição de títulos”, justifica.

Até quando vai durar este braço-de-ferro? Nenhuma das partes parece disposta a fazer grandes cedências. O porta-voz do movimento dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, Bruno Reis, nota que os profissionais já começaram a entregar os títulos e antecipa que serão cerca de mil os que vão recorrer a esta nova forma de luta, desfalcando os serviços de obstetrícia dos hospitais já durante esta semana.

Os especialistas retomaram o protesto há duas semanas, recusando-se a exercer funções especializadas (as formações foram pagas do seu bolso), depois de terem interrompido esta espécie de greve de zelo para dar hipótese aos dois sindicatos que os representam de negociar o enquadramento da nova carreira, sem sucesso.

O Ministério da Saúde, que se tinha remetido ao silêncio depois de as negociações terem sido interrompidas, volta agora avisar os enfermeiros dos riscos que correm, através da circular da ACSS, em que recorda o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), que em Julho considerou ilegítima esta forma de protesto e sustentou que os enfermeiros podem ser processados civil e disciplinarmente.

Mais um parecer

Deixa ainda um alerta à OE, sublinhando que está a associar-se a “uma iniciativa correspondente a um conflito laboral colectivo” e avisa que já está a preparar um novo pedido de parecer à PGR para esclarecer o enquadramento desta "nova forma de conflito colectivo".

"Em vez de se sentar e negociar com os enfermeiros, como fez com outros profissionais de saúde, como os técnicos de diagnóstico, o ministério prefere pedir pareceres, como se a vida se decidisse através de pareceres", critica Ana Rita Cavaco, para quem esta situação está a atingir proporções inauditas "só por causa da posição do Governo".

Para a próxima semana, continua entretanto marcada a greve de cinco dias convocada pelos dois sindicatos que, além da criação da categoria de especialista, têm negociado com a ACSS uma nova tabela salarial para todos os enfermeiros e a generalização do horário semanal de 35 horas (há enfermeiros que continuam a trabalhar 40 horas por semana).