“O mundo está à espera” que Suu Kyi saia em defesa dos rohingya
ONU diz que 87 mil pessoas fugiram em pouco mais de uma semana para o Bangladesh. Países muçulmanos pressionam líder de facto do Governo birmanês a agir.
Aung San Suu Kyi, Nobel da Paz em 1991 pela luta perseverante a favor da democracia na Birmânia, está agora do lado do poder e é sobre ela que recaem as críticas à violenta resposta do Exército à revolta dos rohingya, minoria muçulmana a quem nenhum direito é reconhecido no país. Uma violência que em pouco mais de uma semana empurrou quase 90 mil pessoas a fugir para o Bangladesh, onde falta quase tudo para as acolher.
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Aung San Suu Kyi, Nobel da Paz em 1991 pela luta perseverante a favor da democracia na Birmânia, está agora do lado do poder e é sobre ela que recaem as críticas à violenta resposta do Exército à revolta dos rohingya, minoria muçulmana a quem nenhum direito é reconhecido no país. Uma violência que em pouco mais de uma semana empurrou quase 90 mil pessoas a fugir para o Bangladesh, onde falta quase tudo para as acolher.
“Há vários anos que condeno repetidamente o tratamento trágico e vergonhoso” dos rohingya, escreveu esta segunda-feira no Twitter a jovem paquistanesa Malala Yousafzai. “Continuo à espera que a minha colega laureada com o Nobel Aung San Suu Kyi faça o mesmo. O mundo está à espera, os rohingya estão à espera”, acrescentou Malala, tornando-se a última de várias vozes a pedir à dirigente birmanesa para sair em defesa da minoria muçulmana, fazendo frente aos radicais budistas e ao Exército, que continua a deter grande parte do poder no país.
Um coro mais audível entre as nações muçulmanas, incluindo a Turquia, onde na sexta-feira o Presidente Tayyip Recep Erdogan classificou como genocídio a perseguição dos rohingya. Já a Indonésia, onde no fim-de-semana houve protestos inflamados contra as autoridades birmanesas, enviou a Rangum a sua chefe da diplomacia. Retno Marsudi encontra-se esta segunda-feira com a líder birmanesa, numa tentativa para conseguir dela um gesto a favor daquela minoria. Também o Governo do Paquistão, que alberga uma importante comunidade rohingya, pediu a Rangum que investigue “as denúncias de massacres e responsabilize os envolvidos”.
Este é já o pior surto de violência em Rakhine (Noroeste), o estado mais pobre do país, onde se concentram grande parte de 1,1 milhões de rohingya que vivem na Birmânia, mas que Rangum não reconhece como birmaneses.
Tudo começou no passado dia 25, quando o autoproclamado Exército de Salvação dos Rohingya de Arracão (ESRA) atacou cerca de 30 postos de polícia e uma base militar no estado, repetindo, agora em maior escala, aquela que foi a sua primeira acção armada – em Outubro o grupo estreou-se com ataques a três postos da guarda fronteiriça, levando o Exército a impor o estado de emergência no estado, que ainda se mantém.
Tal como então, a resposta militar foi dura e segundo as primeiras estimativas pelo menos 400 pessoas terão morrido nos últimos dias, entre soldados, rebeldes e muitos civis. Muitas mais puseram-se em fuga e é através delas que se fica a saber um pouco do que se passa em Rakhine, onde já não podiam entrar jornalistas e que está agora também vedada às organizações humanitárias.
Organizações humanitárias na mira
Segundo o jornal britânico Guardian, o governo de que Suu Kyi é a líder de facto não está a permitir a entrada de nenhuma das agências das Nações Unidas na região afectada pelos combate. Há mais de uma semana que nem a Unicef, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ou o Programa Alimentar Mundial (PAM) conseguem enviar bens de primeira necessidade ou prestar assistência às populações em fuga “por causa da situação de segurança e das restrições do governo às visitas ao terreno”, explicou ao jornal o gabinete de coordenação humanitária da ONU no país. O diário adianta que 16 outras organizações não-governamentais, incluindo a Oxfam e a Save the Children, emitiram um comunicado conjunto lamentando as restrições no acesso à Rakhine.
Isto uma semana depois de a primeira conselheira de Estado (o cargo oficial de Suu Kyi, que por razões constitucionais foi impedida de se candidatar à Presidência) ter acusado os trabalhadores humanitários de estarem a “ajudar os terroristas”, como Rangum se refere aos rebeldes rohingya. O seu gabinete assegura ter provas de que funcionários de ONG estrangeiras estiveram ao lado dos combatentes quando estes cercavam uma aldeia daquele estado e assegura que biscoitos distribuídos pelo PAM foram encontrados num campo onde o ESRA esteve acantonado.
As acusações, que se somam ao crescente sentimento antimuçulmano instigado por grupos nacionalistas budistas, levaram as Nações Unidas a decidir retirar o seu pessoal não essencial do distrito de Maungdaw, epicentro dos confrontos. “A propaganda inflamatória de Suu Kyi está a alimentar o sentimento anti-rohingya e anti-ONG num momento em que ela deveria fazer tudo ao seu alcance para promover a calma e os direitos humanos”, lamentou Matthew Smith, director da Fortify Rights, uma ONG que trabalha no terreno.
O Exército e Rangum defendem-se das denúncias, acusando os rebeldes de cercarem aldeias não-muçulmanas, matarem civis, queimarem as suas próprias casas e templos budistas – o governo anunciou ter retirado para zonas mais seguras 11.700 “residentes étnicos”, numa referência a populações budistas e hindus.
Milhares de refugiados
Mas quem chega, por terra ou água, ao Bangladesh conta uma história diferente, fala de aldeias arrasadas pelos militares, de execuções e perseguição, numa clara intenção de expulsar de Rakhine tantos rohingya quanto possível – acusações idênticas às feitas num relatório divulgado em Fevereiro pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a campanha militar de Outubro.
Segundo a ONU, desde o final de Agosto são já 87 mil os rohingya que chegaram ao país nos últimos dias, elevando para mais de 150 mil o número de refugiados chegados nos últimos meses ao país. Destes, 16 mil são crianças em idade escolar e mais de cinco mil com menos de cinco anos. No distrito de Cox Bazar, porta de entrada no Bangladesh, continua a expandir-se um campo de refugiados que nasceu de forma improvisada em Outubro, mas não há espaço para todos e são muitos os que se abrigam em tendas ao longo da estrada ou se protegem da chuva das monções apenas com a ajuda das folhas das árvores, relata um jornalista da Reuters. “Nenhuma ONG aqui vem. Não temos comida. Há mulheres a parir na estrada. Crianças doentes sem tratamento", explicou Mohammed Hussein, que chegou há quatro dias e ainda não encontrou abrigo.
Ecoando as críticas de Malala, a relatora especial da ONU para os direitos humanos na Birmânia lamenta que Suu Kyi nada tenha feito para travar os abusos, sublinhando que a situação é agora muito pior do que a relatada pelas Nações Unidas em Fevereiro. “A líder de facto [da Birmânia] precisa de intervir – é isso que se espera de qualquer Governo, que proteja todas as pessoas sob a sua jurisdição”.