Do centro da terra ao limite do espaço: entre o holocausto nuclear e o transcendente

Uma viagem pelos lugares de exploração do espaço e do centro da terra, onde cientistas, bilionários e visionários se refugiaram. Von Braun, De Menil, Bowie, Judd, Turrell. Paisagens que mostram vestígios das fantasias tecnológicas para a criação e destruição de novos mundos.

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O Trinity Site foi o lugar onde se fez o primeiro teste de uma explosão nuclear Tiago Silva Nunes

Na última parte desta viagem, passámos pelos estados do Novo México e Texas. Onde a história militar e a exploração de combustíveis fósseis se cruzam com práticas artísticas.

Este é o lugar onde se iniciaram os projectos de exploração espacial durante a Guerra Fria, que tiveram origem nos horrores da Segunda Guerra Mundial. Perante uma sequência de holocaustos, de múltiplas extinções, surge o desejo de colonizar outros planetas. De escapar de uma Terra cada vez mais ameaçada e inabitável.

O homem que veio do espaço

Em Junho de 1963, John F. Kennedy visita White Sands Missile Range — um campo de testes de mísseis com uma área semelhante à do Chipre — onde assiste a testes que atingem as montanhas circundantes. Estes mísseis são descendentes dos V2 — utilizados durante a Segunda Guerra Mundial pela Alemanha para bombardear Londres e outras cidades europeias. Em 1945, Wernher von Braun — major das SS e o engenheiro espacial que projectou estes mísseis — rendeu-se aos aliados, sendo transferido para o Novo México durante a Operação Paperclip, com outros 105 cientistas alemães e cem mísseis V2 para expandir o programa de armamento dos Estados Unidos.

Foi com o espólio dos mísseis V2 que Von Braun continuou o seu trabalho de investigação no Hermes Project, que culminou no programa de exploração espacial Apollo.

Os mísseis V2 foram a inspiração de Hergé para desenhar a nave de Tintin em Rumo à Lua (1953). O escritor Tom McCarthy, na sua análise literária das obras de Hergé, compara o cientista desta aventura de Tintin — Calculus — com o protagonista de Gravity’s Rainbow (1972) de Thomas Pynchon — Pokler —, já que ambos retratam “o génio comprometido”. Segundo McCarthy, Pokler é o cientista “que ajuda a desenvolver o míssil V2, construído por escravos e projectado pelo mesmo Wernher Von Braun, que, na realidade, (...) acabou por levar a missão Apollo à Lua”.

Em 1961, Kennedy tinha prometido colocar um homem na Lua antes do final da década. Foi com a tecnologia do míssil V2, agora desenvolvida para o foguetão Saturn V, que von Braun o ajudou a cumprir a sua promessa. Von Braun continuou a trabalhar na NASA até à década de 1970 no projecto de uma missão humana até Marte.

Ao mesmo tempo que Hannah Arendt assistia ao julgamento de Adolf Eichmann, Kennedy conversava com von Braun sobre a ida à Lua.

Chegámos a White Sands National Monument — dentro da área militar. É uma área de dunas de gesso, brancas como papel, que criam um espaço que desorienta, sem referências. O céu continuava encoberto pela tempestade, tão branco como a areia, e parecia não existir linha do horizonte. Há um trilho que se pode seguir e à medida que caminhamos para o interior o espaço fica mais abstracto, mais branco, quase gasoso, como se estivéssemos numa das obras do artista Doug Wheeler. Ao longe viam-se relâmpagos, o sol começava a pôr-se e o branco adoptava um tom entre o laranja e o azul, como num lugar fora da Terra. 

Ao longe não se consegue ver o White Sands Space Harbor fundado em 1976 para treinar pilotos do Space Shuttle. Duas pistas brancas desenhadas num lago de sal, que em 1982 foram utilizadas para uma aterragem de emergência do Space Shuttle Columbia.

No filme O Homem Que Veio do Espaço (1976), de Nicholas Roeg, White Sands é a paisagem que representa o planeta deserto Anthea, onde vive o extraterrestre desempenhado por David Bowie. No filme, Bowie desenvolve um plano para enviar água da Terra para Anthea. Para isso, tem de acumular uma fortuna colossal como CEO de uma empresa de tecnologia para conseguir construir uma estação espacial para fazer a viagem de regresso.

Esta história faz-me lembrar Jeff Bezos, CEO da Amazon e o seu Blue Origin Spaceport, onde se fazem os lançamentos e aterragens do New Shepard, uma nave que se destina a fazer turismo espacial e faz parte da vontade actual de fazer viagens a Marte — que o multimilionário Elon Musk também partilha. Escapar para Marte por causa da extinção e holocausto nuclear na Terra. Um vestígio da Guerra Fria que continua na idade do aquecimento global.

Estava a trovejar quando conduzíamos ao longo da Route 54, que corre paralela ao campo de testes atómicos. A estrada estava molhada e o carro afugentava os pássaros que se molhavam em pequenas poças no asfalto. As plantas yucca pontuavam a planície com os seus cachos de flores brancas.

Atrás da montanha Oscura Peak, no deserto Jornada del Muerto a oeste, está o Trinity Site — o lugar onde se fez o primeiro teste de uma explosão nuclear, em Maio de 1945. Três semanas mais tarde, um dispositivo semelhante explodiu sobre Hiroxima. O Trinity Site é hoje um monumento nacional que se pode visitar duas vezes por ano, para celebrar e lamentar o holocausto nuclear.

Esta área do Novo México recorda-nos Júlio Verne, em White Sands encontramos cientistas inspirados pelo imaginário de De la terre à la lune (1865) e, à medida que rumamos a sul, descobrimos traços de Voyage au centre de la Terre (1864).

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O Blue Origin Spaceport, de Jeff Bezos, onde se fazem os lançamentos e aterragens do "New Shepard", uma nave que se destina a fazer turismo espacial

Viagem ao centro da Terra

Atravessamos as Sacramento Mountains e a reserva de Mescalero Apaches em direcção ao Llano Estacado. Esta planície era o habitat de bisontes, entre 1840 e 1876, foram mortos 30 milhões destes animais, o que quase provocou a sua extinção. Os ossos eram recolhidos por caravanas de bone pickers e enviados para Este, onde eram usados para fazer porcelana (bone china) e fertilizantes agrícolas. O bisonte, um dos símbolos oficiais dos Estados Unidos, foi dizimado pela industrialização.

Enquanto este holocausto aconteceu em poucas décadas, o nuclear pode acontecer em segundos. No entanto, os resíduos da produção de ogivas nucleares mantêm-se radioactivos durante milhares de anos. Nesta planície, a 70 quilómetros a Este de Carlsbad, há uma estrutura subterrânea para os guardar — WIPP (Waste Isolation Pilot Plant) — um labirinto escavado como uma mina de sal. Em 2014, um barril de plutónio explodiu libertando radioactividade para o exterior.

Nesta área, encontram-se vestígios de uma idade remota escondidos debaixo da superfície terrestre — água fóssil e combustíveis fósseis.

Passamos por Artesia, uma cidade nomeada pela sua água artesiana, proveniente do aquífero fóssil de Ogallala — este passa por oito estados, desde o Texas ao Dakota do Sul e tem uma área semelhante à da Suécia.

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Navajo Refinery, Artesia, Novo México

É perto de Artesia que começamos a encontrar as bombas de extracção de petróleo com os seus ritmos pendulares. Por toda a cidade há monumentos que celebram o imaginário do Oeste, o mais proeminente representa quatro homens a trabalhar numa plataforma de petróleo arcaica. Esta escultura lembra-me a explosão de uma destas bombas no filme There will be blood (2007) — que Paul Thomas Anderson adaptou do romance Oil! (1927), de Upton Sinclair.

Todas as bombas de extracção que encontramos desde o Sul do Novo México ao Oeste do Texas estão a explorar as reservas de petróleo da Permian Basin. Há 300 milhões de anos esta área estava coberta pelo Permian Sea. A grande extinção do final da era do Paleozóico devastou 95% das espécies marinhas. Foi a transformação destes crustáceos e algas durante milhares de anos que formou camadas de petróleo e gás natural.

Estas reservas de petróleo libertam gradualmente gás sulfrídico. Este, ao entrar em contacto com um lençol de água, reage produzindo ácido sulfúrico que dissolve rochas calcárias, formando cavernas. Passamos por Carlsbad Caverns, enormes grutas, a maior das quais é a Big Room, com mais de 1 quilómetro de comprimento e 78 metros de altura no seu ponto mais alto. Podemos visitá-las descendo por um elevador que nos transporta para mais de 200 metros de profundidade. Visitá-las é como caminhar por um depósito de petróleo vazio e escuro, com formas assustadoras iluminadas de um modo expressionista. Em 1959, foram utilizadas no filme Viagem ao Centro da Terra, protagonizado por James Mason.

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As enormes grutas Carlsbad Caverns, a maior das quais é a Big Room (na fotografia) com mais de 1 quilómetro de comprimento e 78 metros de altura no seu ponto mais alto

De volta à superfície, passamos por Guadalupe Peak, esta formação geológica serve de referência por causa do seu perfil peculiar. Aparece muitas vezes representada em cortes e mapas geológicos da Delaware Basin, cruciais para a exploração petrolífera. Esta área que se estende até Marfa, Texas, está pontuada por bombas de extracção de petróleo.

A Schlumberger é a maior empresa de serviços de extracção de petróleo do mundo. Segundo uma reportagem do Guardian, “emprega mais pessoas do que o Google, tem maior volume de negócios do que a Goldman Sachs e vale mais do que a McDonald’s”.

Uma das herdeiras da fortuna Schlumberger, Phillipa de Menil, fundou, com Heiner Friedrich e Helen Winkler, a Dia Art Foundation em 1974.

A Dia Art Foundation financiou, adquiriu ou mantém muitas das obras por onde passámos durante esta viagem — Spiral Jetty de Robert Smithson, City de Michael Heizer, Roden Crater de James Turrell e The Lightning Field de Walter De Maria. Para além de Virginia Dwan, que inicialmente financiou o trabalho de todos estes artistas, foi esta fundação que permitiu a existência destas experiências artísticas.

Criada segundo a visão de Friedrich, a Dia Art Foundation tinha como missão a exposição permanente de projectos de um conjunto restrito de artistas. Segundo Calvin Tomkins, num artigo de 2003 na New Yorker, a fundação “parece defender uma certa austeridade de meios, uma certa abordagem, um rigor conceptual que recusa as novidades e piruetas do mundo da arte”. Friedrich disse a Tomkins que teria “absolutamente” de visitar Marfa e o Lightning Field “se quisesse compreender a Dia”.

Em 1985, Friedrich foi destituído da direcção da fundação segundo ordens da família De Menil, durante uma baixa de preço do petróleo. Friedrich continuou o seu trabalho como galerista e Phillipa de Menil, que adoptou outro nome, é actualmente uma líder espiritual Sufi.

Variações em Marfa

Um dos maiores projectos financiados pela Dia Art Foundation foi a compra em 1979 do Fort Russell — que servira como campo de prisioneiros de guerra alemães — em Marfa, para o artista Donald Judd instalar permanentemente um conjunto de obras suas, de Dan Flavin e de John Chamberlain.

Judd mudou-se para Marfa em 1973, deixando Nova Iorque onde até então tinha um estúdio na 101 Spring Street no SoHo. Numa entrevista de 1972 — no documentário Artist’s Studio: Donald Judd (2011) — disse sobre o SoHo: “Não gosto do desenvolvimento que aconteceu, tenho pena de que as galerias tenham aparecido (…) há muita especulação imobiliária e está tudo tão caro que não sobrarão artistas.”

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Chinati Foundation, fundada por Donald Judd e aberta ao público desde 1986 (Marfa, Texas)

Segundo Tomkins, a ideia de Judd “de que o contexto — o modo como uma peça está instalada e apresentada — é tão importante como a própria obra” ecoou nas ideias de Friedrich. Na sua visita a Marfa em 1978, Friedrich encontrou estas semelhanças e passou a apoiar Judd. Entre 1979 e 85, apesar de partilharem muitas ideias, houve tensões entre Judd e Friedrich. Marianne Stockebrand, directora emérita da Chinati Foundation, lembra-se de que “Heiner queria controlar muitas coisas e Don não queria que ninguém o controlasse”. Quando Friedrich foi afastado e a Dia Art Foundation reduziu o apoio aos seus artistas, Judd separou-se e fundou a Chinati Foundation, que abriu ao público em 1986.

Para visitar a Chinati Foundation, passamos por uma estação da Border Patrol — a polícia que patrulha a fronteira com o México. Os antigos edifícios militares foram transformados, Judd acrescentou coberturas abobadadas a duas grandes estruturas. Estas contêm 100 untitled works in mill aluminium (1982-1986), um conjunto de cem objectos com as mesmas dimensões externas — 1.0 x 1.3 x 1.8 metros —, cada um deles com divisões internas diferentes. Desenhados por Judd, foram gradualmente produzidos numa fábrica no Connecticut e transportados para Marfa. Tomkins reflecte: “As caixas de Judd influenciam-nos ao longo do tempo, e através do movimento, e, sim, o contexto é importante.”

Lá fora, vemos ao longe um conjunto de estruturas de betão — 15 untitled works in concrete (1980-84). Estas foram as primeiras obras criadas para Fort Russell, uma série de 15 variações usando a mesma unidade-base — um volume de 2.5 x 2.5 x 5 metros, com superfícies com 25 cm de espessura. Existem dois tipos de objectos, uns com aberturas horizontais no lado mais longo, outros com aberturas quadradas no lado mais curto. Os 15 grupos (de 2, 3, 4, 5 e 6 elementos) estão afastados 60 metros, ao longo de um quilómetro. Com a repetição e composição de só um elemento, Judd criou uma gramática formal que se tornou muito influente. Assim como Taliesin West de Frank Lloyd Wright foi um lugar de peregrinação e inspiração para o arquitecto Fernando Távora nos anos 1960, Marfa e Judd foram importantes para os arquitectos dos anos 1980 e 90.

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Composição "15 untitled works in concrete" (1980-84), Donald Judd, Chinati Foundation, Marfa, Texas

Quando Judd chegou, Marfa era uma cidade em declínio, a antiga estação de comboios já não funcionava. Escolheu Marfa porque: “É vazio e o deserto está perto, e o México também. O Arizona está sobrelotado, Nevada e Utah estão muito a norte. Eu gosto de menos pessoas e mais espaço. Eu não gosto de áreas densas. É mais fácil pensar aqui.”

Judd nasceu numa pequena cidade do Midwest em 1928. Entre 1946 e 48, serviu no exército como desenhador, e depois disso estudou Filosofia e História da Arte na Universidade de Columbia em Nova Iorque, com uma bolsa de estudo da GI Bill. Judd estabeleceu-se como crítico de arte e simultaneamente desenvolveu a sua prática artística.

Depois da morte de Judd, em 1994, a sua família criou a Judd Foundation para manter o seu espólio pessoal. A sua casa e estúdios, que ocupam várias edifícios dispersos pelo centro de Marfa, estão abertos para visitas guiadas. Na sua casa, The Block ou La Mansana de Chinati, podemos ver a sua biblioteca, e algumas da suas primeiras obras instaladas em dois hangares. A prática artística de Judd consistia na criação de objectos que considerava não como pintura ou escultura, mas como “objectos específicos” que estabeleciam relações com o lugar onde estavam instalados, fosse este interior ou exterior. Nestas galerias, vemos como se desenvolveram as suas experiências artísticas, desde os primeiros ensaios de pinturas tridimensionais à criação de objectos. Uma das salas expõe um conjunto de peças segundo uma organização precisa, na parede nota-se que a porta foi movida alguns centímetros de modo a reenquadrar a primeira impressão que se tem ao entrar.

Gradualmente, Judd deixou de passar tempo no centro da cidade, escolhendo viver entre dois ranchos mais isolados. Até Marfa se tornou demasiado densa para si.

Durante algum tempo, Marfa foi um lugar de peregrinação — para artistas, arquitectos e críticos que procuravam o isolamento e a austeridade que Judd criara.

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Na última década, Marfa tornou-se um destino turístico da moda. Em 2005, foi inaugurada a instalação Prada Marfa, uma réplica de uma loja Prada — pelos artistas Elmgreen & Dragset — numa estrada deserta em Valentine, a 60 quilómetros de Marfa. Em 2014, a cantora Beyoncé publicou no Instagram uma fotografia sua à frente de Prada Marfa, que já acumulou 575.718 likes.

Ao lado da Chinati Foundation, e nas traseiras da Border Patrol, existe um hotel que recria um “trailer park” chamado El Cosmico, é aqui que se passa uma parte da acção da série I love Dick (2016) de Jill Solloway — a criadora de Transparent (2014). Outros hotéis mimetizam a estética da sofisticação rústica dos espaços domésticos de Judd. Multiplicam-se as galerias de arte e as lojas hipster. O processo de comercialização do espaço urbano que Judd criticava na década de 1970 em Nova Iorque alastrou-se até Marfa, também com a sua ajuda.

Depois do deserto

A caminho de Austin, quando passámos por Alpine, encontrámos uma manifestação de cidadãos com cartazes que protestavam: “Não acabem com os nossos comboios.” A acessibilidade pode transformar uma cidade próspera numa cidade fantasma, e o futuro de Alpine depende da ligação ferroviária.

Entre Alpine e Fort Stockton, passámos por planícies rodeadas de montanhas, ocupadas por ranchos. Em todos os desertos que visitámos, desde o Utah até aqui, encontrámos variações destas formações geológicas. À medida que nos aproximamos de Austin, estas vão desaparecendo, as planícies do deserto dão lugar a pequenas colinas mais próximas e verdes. Em Fredericksburg, encontramos um cartaz que anuncia “The Tuscany of Texas” (“A Toscânia do Texas”) .

Quando chegamos a Austin, já ao final da tarde, vamos ver The Color Inside (2013), um skyspace de James Turrell na Universidade do Texas. É um observatório, semelhante aos que fomos encontrando na viagem, mas é o primeiro em que conseguimos observar a sequência de luz artificial durante o pôr do Sol. Subimos ao topo do edifício e, quando entramos no espaço oval, já estavam seis pessoas sentadas à espera.

Observamos o céu através do óculo, passam nuvens, uma avioneta vermelha, a certa altura o tecto que enquadra o céu ilumina-se e muito lentamente muda de cor — amarelo, laranja, violeta, azul. Esta sequência altera a nossa percepção do céu, quando o tecto está muito iluminado o céu fica escuro, quando está escuro, o céu fica claro; quando brilha uma cor intensamente, o céu parece ser da cor complementar. O círculo de céu que podemos ver, e sabemos ser azul, parece cor de laranja, verde, amarelo, violeta, branco.

A sequência de luz dura mais de uma hora. Lembramo-nos do que Friedrich diz a Tomkins: “O que eu quero é que visitemos a capela de Giotto em Pádua, e fiquemos em pé durante uma hora, tu silenciosamente, e eu silenciosamente, e vejamos o que nos acontece.” Estes espaços requerem paciência e disponibilidade, Turrell diz estar interessado “num espaço onde se sente uma presença, quase uma entidade — essa sensação física e poderosa que o espaço pode dar”. Estas parecem ser descrições de experiências transcendentes em espaços sagrados. Apesar de estarem separados por mais de 600 anos, de um ser iconográfico e o outro ser abstracto, parecem partilhar qualidades. São espaços não da arte religiosa, mas da arte como religião.

Em Austin, o ar tem uma humidade tropical e por todo o lado há rios, reservatórios, nascentes. As águas do aquífero artesiano de Edwards emergem por todo o lado. É domingo de manhã, vamos a Barton Springs, pessoas de todas as idades nadam numa piscina natural, um hectare de água mineral, contido numa bacia de rochas.

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Este é o final da viagem, de um longo percurso. Recordamos Spiral Jetty no Great Salt Lake, a imensidão branca de Bonneville Salt Flats, a luz palpável do Death Valley, a imensidão vermelha do Grand Canyon, o nascer do Sol em Lightning Field. Tudo isso evoca os filmes de Terrence Malick, Days of Heaven (1978) — passado no Texas e filmado durante a “hora mágica” nos breves minutos de luz suave do nascer e do pôr do Sol — e Tree of Life (2011) — que atravessa eras geológicas, extinções e acaba no espaço branco da eternidade em Bonneville Salt Flats, onde começámos a nossa viagem.

Finalmente, quero agradecer a todos os que me ajudaram a concretizar este projecto. Uma síntese desta viagem será apresentada em Matosinhos no Dia Mundial da Arquitectura, a 2 de Outubro.

Eliana Sousa Santos é investigadora em pós-doutoramento CES, Universidade de Coimbra. Prémio Fernando Távora é uma iniciativa da OASRN, Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos em parceria com a Câmara Municipal de Matosinhos e a Casa da Arquitectura

A série Branco até Branco termina nesta edição do P2, caderno de domingo do PÚBLICO, e teve o apoio da